03 Março 2020
Prossegue de vento em popa o plano de Recep Tayyip Erdogan para o cerco à Europa, a bomba humanitária armada nos últimos dias explodiu e a Grécia está em chamas. Depois de Evros, no norte do país, onde a polícia agora está sobrecarregada e atira bombas de gás lacrimogêneo contra famílias com crianças que procuram uma passagem no meio do arame farpado, a nova onda também domina Lesbos, seus campos superlotados e sua população em extrema tensão por muitos anos de abandono. Ontem, às onze horas da manhã, já havia cinco botes de borracha preta atracados à beira da costa da ilha.
A reportagem é de Marco Mensurati, publicada por La Repubblica, 02-03-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
A bordo, mais de 350 pessoas. Um número enorme por uma única manhã, que imediatamente mergulha os habitantes no pesadelo já vivenciado em 2015. Trancados no campo de Moria. Mas aquela época já se foi e as coisas mudaram desde então. As últimas eleições foram vencidas por um governo que entrou na onda soberanista sobre a imigração, e os ilhéus - que em 2015 se mostraram acolhedores, até calorosos - mudaram de atitude. Assim, centenas de pessoas, guiadas pelo prefeito Kateris Ktelis, saem às ruas bloqueando qualquer acesso ao campo de Moria, o símbolo dessa tragédia, uma estrutura projetada para acomodar um máximo de três mil pessoas e que hoje contém 19.800 em condições de penúria.
O bloqueio é rígido e o campo inacessível até para a polícia - que até o final da noite não conseguiria levar refugiados para o centro de identificação e registro - e para a equipe do ACNUR, que não terá outra escolha se não lançar um apelo para que "pelo menos 20.000 dos 40.000 refugiados hoje confinados nas ilhas hoje sejam transferidos para o continente o mais rápido possível".
Ao lado dos ilhéus, existem muitos expoentes da extrema direita; são eles que, no final da manhã, usando máscaras pretas, com um bote de borracha atropelam um barco cheio de refugiados, obrigando as pessoas a bordo a alcançar à costa remando com os braços. E são sempre eles que desencadeiam uma dramática caçada humana à tarde contra os membros das ONGs. Tudo começa quando se entende que outro bote de borracha, o sétimo e o último do dia, está prestes a chegar ao porto de Thermis. Cerca de cinquenta pessoas correm para o cais, ocupando-o de forma a não permitir o desembarque nem a chegada das equipes humanitárias e de socorro (existem muitas crianças a bordo). Entre eles, porém, há também os extremistas de direita que se separam do grupo e agridem dois jornalistas e um fotógrafo que trabalham para uma ONG no píer. São eles, os voluntários, os verdadeiros alvos. Isso fica claro nas horas seguintes, quando outros serão identificados no norte da ilha, seguidos e espancados. No final, seis deles, dizem as organizações, precisarão de atendimento médico.
Comparado ao passado, o clima mudou drasticamente, em todo o país e em todos os níveis. Como confirmado também pelas notícias que chegam de Evros, onde o exército continua a usar de mão pesada para conter a crescente pressão na fronteira terrestre com a Turquia. Pelo segundo dia consecutivo, os confrontos são violentos e as forças policiais não poupam o uso de gás lacrimogêneo contra os refugiados, mesmo sabendo que do outro lado há famílias com crianças, entre elas - segundo a Reuters - um casal de afegãos com um bebê de cinco dias. A situação é dramática: do outro lado do arame farpado, no frio e na lama, existem - segundo os dados da Organização Internacional para as Migrações - 13 mil pessoas. Quase nenhuma delas, apesar do que diz a Turquia, vem da Síria, todas são na maioria afegãs ou migrantes vindos da África.
Para desencorajá-los, o governo de Atenas - que acusa o Exército turco de cortar as cercas de arame farpado e até disparar gás lacrimogêneo do outro lado da fronteira - envia um sms automático a todos os telefones celulares conectados às torres da região: "A Grécia – é o texto - elevou ao máximo o nível segurança da fronteira: não tentem atravessar”. E para deixar ainda mais claro o conceito difunde um áudio pela rede de alto-falantes para dizer que "a fronteira está fechada".
No entanto, muitos conseguem entrar na Europa. Quantos não se sabe. Segundo testemunhas no local, duas a três mil pessoas, que se juntam aos 350 que desembarcaram em Lesbos e outras 250 que chegaram às outras ilhas da fronteira. Segundo Ankara, o número é muito maior: "Pelo menos 80 mil": mas a chantagem de Erdogan é tão cínica quanto flagrante e, portanto, a estimativa não é confiável.
Pelo menos por enquanto, dado que o número de refugiados já presentes no território turco é muito alto, mais de 3,6 milhões de pessoas e, principalmente visto que outros estão chegando, e ainda chegarão nas próximas horas devido à nova ofensiva militar anunciada por Erdogan contra Damasco e que já começou ontem à noite.
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O êxodo dos desesperados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU