07 Fevereiro 2020
Combater o delírio de notícias erradas ou de reações totalmente enganosas é a batalha paralela que Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor geral da Organização Mundial da Saúde, encorajou os governos a empreender, no seu discurso de abertura do 146º Conselho Diretivo em Genebra: uma batalha não menos importante do que a gestão sanitária do Coronavirus 2019-nCoV.
O comentário é de Nicoletta Dentico, publicado em Il Manifesto, 05-02-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As epidemias são eventos que mantêm a sua imprevisibilidade, a despeito das diretrizes internacionais, e a psicose chinesa destes dias reflete negativamente o senso de perigo decorrente da interconexão sem precedentes da humanidade, uma interconexão articulada em torno dos valores de mercado, hierarquias de interesses particulares, lógicas de competição, em vez dos valores de solidariedade.
O coronavírus não é apenas a primeira epidemia “das mídias sociais”, mas é também o pretexto para medir a patologia da interiorização do ódio no planeta, que se difunde muito mais rapidamente do que o contágio. Um perigo, nesta fase ainda incerta de penetração do novo coronavírus: “A única maneira que temos para derrotar os surtos – explica Tedros Adhanom Ghebreyesus no discurso introdutório da semana de trabalhos – é que todos os países trabalhem em espírito de solidariedade e cooperação. Essa é a regra do jogo. Em vez disso, a solidariedade está ausente em muitas partes do mundo”.
É geral o reconhecimento do valor da estratégia adotada pela China, embora com algumas nuances, por parte dos governos. Se não tivesse sido a agressiva liderança chinesa, o cenário seria muito pior: esse é o mantra.
A discussão que abriu os trabalhos, dedicada à avaliação de um ano de trabalho da OMS, visava ao tema da preparação para as emergências, do fortalecimento dos sistemas de saúde e da cobertura universal de saúde, valorizava essas crises epidêmicas para relançar o papel de liderança da agência normativa internacional, da árdua busca de protagonismo, dada a penúria financeira que há anos a aferra – daí a agenda da transformação da OMS.
Também serviu para lembrar que o coronavírus não é a única questão sobre a mesa. Nos discursos de muitos países, retornava a luta ainda inconclusa contra o Ebola, para colocar novamente as coisas no seu contexto certo e, talvez, para interagir dialeticamente com o otimismo do diretor geral, que visa a combater o coronavírus com novas alianças público-privadas e através de acordos com o Facebook e o Pinterest, para disseminar informações corretas sobre saúde e vacinas.
O ebola impõe sistemas de saúde pública, trabalhadores da saúde adequadamente formados e remunerados, políticas fiscais que permitam financiar os orçamentos de saúde, para os quais, aliás, a OMS pede aos governos um aumento de 1% - a média global está hoje em torno de 10.
A tensão, muito além da questão do coronavírus, atravessa a pauta do Conselho Executivo, que, nessa terça-feira, 4, foi chamada a fixar a controversa relação entre OMS e atores privados, incluindo o setor corporativo e a titânica filantropia. Atores cada vez mais intrusivos, especialmente desde que as Nações Unidas assinaram em junho de 2019 a parceria estratégica com o Fórum Econômico Mundial de Davos.
Mas voltemos ao paradoxo do minúsculo coronavírus, que paralisa a maior diáspora no mundo, influencia o mercado, faz cair as bolsas precisamente no momento em que a estratégia da China going global deveria prosseguir rapidamente com a construção e conquista de infraestruturas, por meio da Silk Belt Iniciative.
A sua capacidade de penetração dependerá da diferença entre a rapidez da infecção e a taxa de remoção da infecção por cura ou morte. Se a primeira superar a segunda, o risco é real para toda a humanidade. Não faltam os céticos da pandemia – o número de pessoas contagiadas é inferior à típica gripe sazonal –, mas poderia ser um erro confundir o início de um surto com a natureza do vírus, que muda, e cujo ativismo depende muito das ferramentas que os países individuais podem pôr em campo para freá-lo e combatê-lo. A China é um golpe de sorte desse ponto de vista.
A cobertura universal de saúde, o principal viático para o desenvolvimento sustentável no campo da saúde (ODS3), tornou-se o caminho institucional privilegiado para entregar a saúde nas mãos dos investidores privados, em escala global. Atenção.
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Cuidado com o ódio internalizado do planeta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU