12 Dezembro 2019
"A Amazônia foi inventada sob a óptica ocidental baseada na funcionalidade que as riquezas da região poderiam render aos exploradores e essa invenção já se dá nos primeiros contatos em que em analogia à mitologia grega, o espanhol a denomina de amazonas e ao imenso rio que servia de via chamou de mar dulce. Ou seja, a Amazônia foi inventada à óptica europeia a partir de sua toponímia, de sua gramática e de sua ideologia ocidental baseada na religião cristã, na sociedade de classe e na economia de mercado."
O comentário é de José Dalvo Santiago da Cruz, doutor em linguística, mestre em Educação, especialista em Antropologia na Amazônia e graduado em Filosofia. É amazonense de Humaitá/Am, tem 56 anos de idade e, atualmente, está aposentado como professor após ter atuado em colégios, faculdades e universidade públicos e particulares em Manaus e em outras cidades do interior do Estado do Amazonas.
As paisagens completamente virgens apresentam uma monotonia que priva sua selvageria de valor significativo. Elas se recusam ao homem, desaparecem diante do seu olhar em lugar de desafiá-lo (LÉVI-STRAUSS, 1957, p. 285) [1].
O artigo discute a presença indígena em suas culturas maternas e atuações étnicas no cenário contemporâneo brasileiro apesar de cinco séculos de contatos com a ocidentalidade em dimensões e intensidades físicas, trágicas e simbólicas. Tem como objetivo o de demonstrar que as culturas são substancializadas em ontologias compostas de mitos que lastreiam as instituições e entidades sociais que, por sua vez, tornam as populações adensadas em seus contatos com perspectivas distintas. Teoricamente, está fundamentado na categoria das Fricções Interétnicas cunhada pelo antropólogo brasileiro Roberto Cardoso de Oliveira (1976) e na do Controle Cultural construída pelo mexicano Guillermo Bonfil Batalla (2011). Ambas sustentam teoricamente explicações plausíveis sobre fenômenos de atitude étnica e de transposições culturais em ambientes de etnicidades. Intenta dizer que na subjacência das sociedades há lógicas próprias que fomentam suas respectivas culturas tornando-as densas e multiformes em suas Histórias de contatos compondo processos de alteridade. A justificativa de sua realização se dá pela importância do tema da questão indígena nos dias contemporâneos em que a Amazônia tem sido objeto de discussões na conjuntura internacional em que se traz à pauta a sua funcionalidade e importância para a qualidade de vida de abrangência planetária. Conclui-se, por conseguinte, que os índios compõem a ontologia amazônica em dimensão horizontal e holística em simultaneidade com seres da fauna e da flora protagonizando diferenças com a ocidentalidade e compondo a diversidade ético-cultural brasileira.
A dualidade composta de História e cultura define a hominização em conteúdo e em forma desenhando as fronteiras interétnicas que identificam e substancializam as populações humanas em diversidade basicamente composta de duas mentalidades matrizes que são a ocidental e a não ocidental que se adensaram a partir do século XVII com início da exploração mercantil na Amazônia legal e se estende em diferentes segmentos econômicos até o século XXI.
Trata-se, portanto de duas ontologias que se relacionam, mas não se coadunam em suas estruturas culturais porque a amazônica se compõem de populações sem classes sociais, sem Estado, tradicionalmente ágrafas, horizontais e holísticas na relação com demais seres da natureza distintamente da ocidental que se constrói e se institui em sociedades de classes, com o Estado na figura do ente coercitivo, na escrita, vertical e hierarquicamente fomentada.
Este artigo trata da heterogeneidade palpável e demonstrada em processos de alteridade por meio de fricções interétnicas [2] em relações da Amazônia com o ocidente por meio de suas respectivas culturas como substâncias simbólicas que fomentam comportamentos humanos baseados em sistemas moldados em visões de mundo historicamente construídas de acordo com suas entidades e instituições míticas e históricas, ou seja, as matrizes de civilizações se constituem de densidades simbólicas e concretas valendo evocar a etimologia de símbolo que significa ligação entre a ideia e o concreto numa ilustração eficaz por meio do signo saussureano em que a palavra é composta de significado e de significante.
Pretende-se mostrar que, apesar de violentos contatos dos índios com diferentes culturais ocidentais, vê-se que os nativos do território brasileiro, sobretudo, na Amazônia Legal continuam em suas diferentes culturas sobrevivendo em distintas situações de contatos em nomenclaturas de índios isolados, aldeados, índios citadinos, índios urbanos, índios integrados, dentre outras situações construindo fenômenos sociológicos e etnológicos na esfera da antropologia social e de outras ciências afins que reverberam sobre o tema da alteridade num país étnica e culturalmente diversificado como o Brasil, portanto, fazendo efetivamente justificável essa iniciativa de propor e de construir esta breve discussão a respeito da alteridade construída nas zonas de fricções entre o ocidente e a Amazônia em ações étnicas dos índios dessa região.
Nessa esteira, discutir a Amazônia na conjuntura contemporânea em que direitos construídos e conquistados são reconhecidos e legalmente institucionalizados faz-se necessário para conceituar os indígenas na ontologia amazônica que tem sua importância social, política e geográfica na epistemologia contemporânea a fim de colaborar com a discussão maior pautada na questão ambiental que não se limita à esfera nacional porque diz respeito à qualidade de vida da humanidade nas diferentes regiões do planeta contextualizada na legislação internacional dos direitos fundamentais a exemplo da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho de 1988 ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 5051/2004 que reconhece o direito dos índios à diferença cultural em suas respectivas terras.
O tema discutido aqui é composto de assuntos afins, tais como o dos desencontros de culturas numa alusão de tom histórico ao clássico Encontro de culturas do antropólogo brasileiro Eduardo Galvão no qual o autor enfoca possibilidades de aculturação nos idos dos anos 1950-1970 circunstancializado em eventos violentos contra populações indígenas em nome do progresso e do desenvolvimento indicando ausência de qualquer senso de humanidade naqueles contextos de atrocidades numa completa astúcia racional à guisa hegeliana.
Ou seja, desde os primeiros contatos de ocidentais com a Amazônia, vê-se cristalinamente a obsessão pela riqueza do lugar físico desprezando sobremaneira a demografia amazônica composta por pessoas hominizadas em contato com demais seres da fauna e da flora moldando, assim, especificidades de suas maneiras ontológicas na região contrastantes com as ocidentais, portanto, não se coadunando revelando, assim, paradoxos em suas relações em fatos de diferentes nomenclaturas basicamente compostos de violências físicas, trágicas e simbólicas.
A Amazônia foi inventada [3] sob a óptica ocidental baseada na funcionalidade que as riquezas da região poderiam render aos exploradores e essa invenção já se dá nos primeiros contatos em que em analogia à mitologia grega, o espanhol a denomina de amazonas e ao imenso rio que servia de via chamou de mar dulce. Ou seja, a Amazônia foi inventada à óptica europeia a partir de sua toponímia, de sua gramática e de sua ideologia ocidental baseada na religião cristã, na sociedade de classe e na economia de mercado, tríade inexistente nas culturas indígenas amazônicas, daí a pedra fundamental de paradoxos entre essas duas mentalidades que se estendem até os dias atuais.
Porém, diferenças culturais e perspectivas ideológicas são elementos triviais na diversidade humana, mas o que se pergunta é acerca de quais elementos os indígenas da Amazônia se valem para se manterem em suas culturas maternas relativamente intactas em suas entidades de estruturas ágrafas, míticas e sem o poder coercitivo. Ou seja, diante de violentos e até sangrentos contatos, os índios permanecem ás suas maneiras de ser nas etnicidades com a sociedade brasileira de orientação ocidental.
São numerosos e diversificados os eventos históricos que exemplificam os contatos de índios e não índios na Amazônia justificando a despretensão deste autor de adotá-los em sua totalidade, pois seria uma empreitada difícil que requisitaria longo tempo sendo, portanto, plausível de se evocar nesta discussão uma abordagem geral em tom singelo focando as evidências provindas de fatos, tais como registrados em etnografias que substancializam a etnologia indígena amazônica.
Dentre esses eventos históricos os circunscritos nas estruturas sociais são os mais palpáveis porque apesar de séculos de contatos e de imposições ocidentais às tradições indígenas nota-se que os índios na Amazônia mantêm suas tradições baseadas em suas estruturas culturais ágrafas, míticas e de populações sem classes sociais demonstrando que o que aparenta ser conquista aos ocidentais são meras aparências porque os índios continuam vivendo em suas culturas maternas emprestando conhecimentos, tecnologias e instrumentos de diferentes utilidades para se desdobrarem nas zonas de etnicidades, pois:
(...) após séculos de contato e dominação colonial, estes povos decidiram buscar apropriar-se dos conhecimentos, bens e serviços do mundo global moderno, para resolver ou ao menos amenizar os problemas que enfrentam desde o período pré-contato até os dias de hoje (LUCIANO, 2011, p. 5) [4].
Vale lembrar que ao longo desde os primeiros contatos até os anos 1980, os índios no Brasil estiveram sob orientações positivista-evolucionistas que os colocavam à margem da História cabendo aos próprios índios tomarem atitudes de se protagonizarem na conjuntura dos anos 1980 substancializados de movimentos ambientalistas na esteira da redemocratização do país quando construíram e adensaram movimentos sociais em interlocuções com lideranças externas fazendo-se valer o que Taylor (2000) [5] chama de políticas de reconhecimento na qual e pela qual minorias étnicas, culturais, de cor da pele, de fenótipos diferentes e de gênero se mobilizam e constroem pautas de reivindicações junto ao Estado democrático de direito construindo suas conquistas e direitos.
Ou seja, diante da hegemonia ocidental, os índios adotam estratégias para sobreviverem nessa vultosa emprestada contra suas tradições e sobrevivência em práticas de cunho etnocêntricas com consequências de etnocídios pelas quais sobrevive a carcaça humana na roupagem do outro que não lhe cabe por razões ontológicas arraigadas em sua cultura materna a exemplo do Nando demonstrado por Antonio Callado [6] no romance Quarup (1981) e, de uma maneira mais ampla, do próprio Todorov [7] em suas narrações, postulados e teorizações do “Homem Desenraizado” (1999) e do estranho magistralmente construído por Freud em que a estética em seu sentido etimológico é uma das formas de se perceber o outro na esteira da alteridade que incomoda o sujeito por ser diferente e, daí, o pai da psicanálise dizer que “Há homem vivendo em nossa época que, acreditamos, estão muito próximos do homem primitivo muito mais do que nós, e a quem, portanto, consideramos como seus herdeiros e representantes direitos” [8]
Conceitos e postulados são historicamente construídos em circunstâncias culturais, não são desprovidos de heranças culturais e ideológicas e nas relações interétnicas são teorizados nos quais são consideradas categorias elementares a fim de que se dê fidelidade entre fatos e letras com o verbo da ação histórica pertinente ao peneirar nos crivos da veracidade construída nas versões dos protagonistas eliminando, assim, riscos de se praticar desonestidade intelectual distanciando-se, por exemplo, daqueles que sob pretexto de que os índios seriam animais não humanos lhes impunham a escravidão sendo necessária a intervenção do Papa Paulo III, em 1537, por meio da publicação da Bula Sublimis Deus afirmando que os índios são seres constituídos de alma, portanto, cristãos e merecedores de reconhecimento e tratamento à altura de ser humano.
Nessa esteira, ao longo da História ocidental se vê práticas relacionadas aos índios como se fossem inferiores, sobretudo, na História brasileira que se começa a imprimir conceitos e imagens pejorativas aos indígenas desde os livros didáticos que os autores revelam orientações ideológicas calcadas no positivismo evolucionista deflagrando descompassos com avanços conceituais e teóricos relacionados aos índios no Brasil baseados no relativismo cultural, no perspectivismo ameríndio, no estruturalismo francês e no funcionalismo britânico convergindo na substancialização qualificada da etnologia indígena produzida a partir dos anos 1930 no Brasil e intensificada depois da segunda metade dos anos 1980 com criações de cursos de pós-graduação em antropologia social com a redemocratização do país.
Manuela Carneiro da Cunha sentencia ainda nos anos 1980 que “(...) os índios estão no Brasil pra ficar” numa certa profecia no contexto em que o país experimentava perspectivas a horizontes menos densos e tensos com a promulgação da constituição federal em 1988 e subsequentes leis complementares tal como a Lei de Diretrizes e Base da educação relatada pelo educador antropólogo Darcy Ribeiro (1922- 1997) que orientado pelo artigo 5º da CF reconhece aos índios o direito à educação diferenciada, específica e bilíngue situada em suas respectivas culturas proporcionando aos índios um instrumento fundamental para suas ações étnicas demonstrando que o fato de adquirirem e emprestarem ferramentas culturais não significa que estejam propensos e nem em iminência de aculturação, pois a escola é fator decisivo para demonstrar que a escrita não extraiu da estrutura cultural indígena a oralidade das narrações míticas que moldam costumes e hábitos em contínuos legados e Histórias de suas tradições tal como sugere Silva (1994, p. 75) [9]: “Os mitos se articulam à vida social, aos rituais, à História, à filosofia própria do grupo, com categorias de pensamento localmente elaboradas que resultam em maneiras peculiares de conceber a pessoa humana, o tempo, o espaço”.
O que se chama a atenção nesta discussão, portanto, é que o imaterial e o imaterial se mesclam em dualidade em que o primeiro escapa à visão ocidental materialista não mais baseada no cartesianismo, mas encharcada de pretensões que lhe segam e, por conseguinte, deixam de enxergar o óbvio da resistência étnica indígena em sua diversidade no contexto amazônico em conceito e em funcionalidade a exemplo do triplo A composta da Amazônia, dos Andes e da Antártica fundamental para as chuvas em outras regiões continentais.
Ou seja, a Amazônia é uma ontologia complexa composta de humanos, flora e fauna em dimensões horizontais e holísticas sem hierarquia na qual a geografia recebe significados em suas funções e intervenções humanas dentro de paradigmas próprios das culturas locais construídas e fundamentadas no perspectivismo ameríndio distintos elementarmente da visão de mundo dos ocidentais que primam pela destruição do outro diferente em versões canibais porque de fato naturalmente se configura em uma autofagia generalizada da espécie à guisa de Giddens ao dizer que o medo e o risco são consequências da modernidade criada nos primeiros suspiros do logos dos pré-socráticos ainda no século VI a. C. em que a escrita foi peça fundamental para a criação da dialética por meio da linguagem fonologicamente articulada a Amazônia foi construída conceitualmente pelo ocidente, mas se mantém à sua maneira se contemporaneizando nas zonas de etnicidades, pois:
A través de la innovación un grupo étnico crea nuevos elementos culturales propios, que en primera instancia pasan a formar parte de su cultura autónoma. La creación es un fenómeno cuyos mecanismos, causas y condiciones han sido objeto de un debate inacabado: sin embargo, desde la perspectiva de las creaciones interétnicas el problema de la gestación o invención de un nuevo elemento cultural no es relevante tanto como proceso de creación, sino sobre todo como hecho dado que debe interpretarse en términos de la lucha por el control cultural. Las innovaciones culturales son, por otra parte, más frecuentes de lo que comúnmente se piensa: hay mucho nuevo bajo el sol. Sobre todo, si no se piensa sólo en las grandes invenciones capaces de marcar por sí mismas un momento de la historia, sino se repara también y sobre todo en los cambios cotidianos aparentemente nímios (BATALLA, 1988: 35).
Baseando-se na citação acima pode-se dizer acerca da importância do avanço qualitativo das ciências sociais a respeito das sociedades indígenas e de suas respectivas culturas por meio de seus protagonismos étnicos na conjuntura atual em que os índios desdizem previsões e teorias cunhadas nas décadas de 1950 em que se considerava a aculturação como fato iminente, à época, por antropólogos conceituados tal como Eduardo Galvão e Roberto Cardoso de Oliveira, porém, vale dizer que este último já aludia a diferenciações de contatos de índios com o mundo dos brancos como ele se referia dizendo que:
E eu, particularmente, verifico que já em 1960, por ocasião da publicação de meu livro O processo de assimilação dos Terêna, antecipei algumas considerações de Barth quando reparo o processo de identitário do de aculturação, ao mostrar que os Terêna mantinham sua identidade étnica de mudança radical em sua cultura e da intensa aculturação por que passavam ante a sociedade regional não indígena (CARDO DE OLIVERIA, 2005, p. 11) [10].
Já na década de 1960, Cardo de Oliveira aludia o que o norueguês Barth viria apontar nos anos 1980 a respeito da etnia como fator histórico por meio da qual grupos minoritários protagonizam suas identidades em conjunturas multiculturais e nos dias atuais se fazem presentes os movimentos indígenas em concomitância com a causa ambiental impondo temas à agenda oficial a exemplo das recentes queimadas na região consideradas ocasionais e sem importância pelo governo federal brasileiro, porém, graças a alardes de populações nativas politicamente minoritárias no cenário do agronegócio, minerador e madeireiro Estados estrangeiros passaram a pautar esse problema obrigando o governo local a institucionalizar empenhos e atitudes contra desmandos na região a ilustrar como o reverberado dia do fogo comprovado por investigações da polícia federal.
Vale dizer, ainda, que as atuais nomenclaturas socioculturais e étnicas no Brasil incluindo os índios não são singelas e nem frágeis segmentações forjadas por sujeitos com interesse escusos ou de outra natureza e propósito que não seja o do protagonismo dos movimentos sociais indígenas que se impõe no atual cenário, pois:
(...) seria simplista considerar a gênese das etnicidades contemporâneas na Amazônia sob a luz de uma teatralidade alienada ou cínica. Ela revela, longe disso, todo um processo político-cultural de adaptação que gera as condições de possibilidade de um campo de negociação interétnica em que o discurso colonial possa ser controlado ou subvertido. A intertextualidade cultural do contato nutre-se tanto dessa etnopolítica discursiva quanto das formas retóricas (negativas ou positivas) pelas quais os brancos constroem “os índios”. Porém, ela não se limita apenas às imagens recíprocas de índios e brancos. A autodefinição de cada protagonista alimenta-se não só da representação do outro, mas também da representação que esse outro faz dele: a auto-representação dos atores interétnicos constrói-se na encruzilhada da imagem que eles têm do outro e da sua própria imagem espelhada no outro (BRUCE, 2002, p. 241) [11].
A alteridade indígena é latente, porém, no discurso oficial se tenta ofuscá-lo amenizando o tom de sua importância e de sua intensidade na pauta dos eventos nacionais e internacionais a respeito da Amazônia que, por necessidade sine quo non, deve ser lida para se compreendida em sua ontologia holística e não na visão funcional à maneira ocidental, ou seja, os índios são efetivamente importantes na preservação e no conceito político da Amazônia atual construídos ao longo dos séculos de contatos com a ocidentalidade em sua multimorfologia.
Portanto, a diversidade étnico-cultural brasileira é constituída irrefutavelmente de índios que contribuem sobremaneira com a composição histórica e cultural enfrentando orientações positivistas e evolucionistas extemporâneas por não condizerem com os fatos efetivos de que a ontologia amazônica tem feito a diferença no cenário internacional.
À guisa de conclusão diz-se do que se pretendeu elencar em tom discursivo acima é que a alteridade amazônica se impõe no cenário ocidental a dizer obviedades à sua perspectiva nativa holística e horizontal mostrando a necessidade para o ocidente construir inflexões em sua maneira de conviver com a natureza e deixar de considerá-la mero espaço geográfico de onde se extrai commodities para fomentar indústrias farmacêuticas, siderúrgicas, alimentícias e madeireira.
O sociólogo italiano Domenico DeMasi (2000) [12] chama a atenção de que o que se produziu até os dias atuais é o suficiente para a humanidade viver e se manter com distribuição equilibrada de riquezas utilizando-se do segmento da reciclagem que é um dos mais promissores da atualidade neoliberal, portanto, a ideia do governo brasileiro de intentar contra matérias pétreas constitucionais que interditam a mineração e o extrativismo vegetal e animal em territórios indígenas poderia tomar a iniciativa de fortalecer a diversidade brasileira que é uma das especificidades nacionais mais relevadas no cenário internacional nos dias atuais.
Talvez seja redundante dizer nesta conclusão, mas por sua importância corre-se o risco de ser tautológico ao dizer que a Amazônia exuberantemente tem se imposto na pauta internacional diante das fragilidades da modernidade que paradoxalmente construiu tecnologias e ciências de ponta, mas tem em seu contraponto culturas indígenas contemporâneas que modem servir de modelo de aproveitamento de alimentos e de estilos de vida social sem depredar a saúde e nem a personalidade humana.
Portanto, vale saudar os índios que mesmo sob massacres físicos e simbólicos sobrevivem e se mantêm como um dos componentes da riqueza da diversidade humana, porém, com suas peculiaridades quase que antagônicas às do ocidente que não sabe como se relacionar com a ontologia amazônica composta de índios, de fauna e de flora sobre solos férteis e significantes para os seres vivos que dele extraem seus alimentos genuinamente naturais dentro de suas tradições.
[1] LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes trópicos. São Paulo: editora Anhembi, 1957.
[2] “Situação de contato entre duas populações dialeticamente ‘unificadas’ através de interesses diametralmente opostos, ainda que interdependentes, por paradoxal que pareça” (CARDOSO DE OLIVERIA, 1976, pp. 17-33).
[3] Em alusão à Neide Gondim em sua tese de doutorado A Invenção da Amazônia (PUCSP-1994) publicada pela editora Valer, Manaus/Am, 2019.
[4] LUCIANO, Jersem José dos Santos. Educação para manejo e domesticação do mundo: entre a escola ideal e a escola real: os dilemas da educação escolar indígena no Alto Rio Negro. Brasília: UNB, 2011. Tese de doutorado apresentada ao programa de pós-graduação em antropologia social. Orientação do prof. Dr. Stephen Grant Baines.
[5] TAYLOR, Charles. A política do Reconhecimento. In. TAYLOR, Charles. Argumentos filosóficos. São Paulo: Edições Loyola, 2000. pp. 241-274.
[6] CALLADO, Antonio. Quarup. Rio de Janeiro: José Olympio, 2014.
[7] TODOROV, Tzvetan. O homem desenraizado. Rio de Janeiro: Record, 1999.
[8] FREUD, Sigmund. Totem e tabu. Rio de janeiro: Imago, 1996. p. 7).
[9] Mitos e Cosmologias Indígenas no Brasil: Introdução. In. CHAUÍ, Marilena de Souza; GRUPIONI, Luís Donisete Benzi (org.). Índios no Brasil. são Paulo: Secretaria Municipal de Cultura. 1994. pp. 75-82
[10] CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto; BAINES, Stephen Gants (org.). Nacionalidade e etnicidade em fronteiras. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2005. (Coleção América).
[11] BRUCE, Albert. O ouro canibal e a queda do céu: uma crítica xamânica da economia política da natureza (Yanomami). In. BRUCE, Albert; RAMOS, Alcida Rita (organizadores) Pacificando o branco: cosmogonias do contato no norte-amazônico. São Paulo: Editora UNESP: Imprensa Oficial do Estado, 2002. pp. 241-275.
[12] DE MAIS, Domenico. O ócio criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.
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Paradoxos nas relações da ontologia amazônica com o Ocidente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU