26 Novembro 2019
Quando o cardeal Jorge Bergoglio, em 2013, se tornou o primeiro jesuíta da história a ser eleito pontífice romano, não havia um único membro da sua ordem religiosa atuando no Vaticano em uma posição de liderança.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada em National Catholic Reporter, 25-11-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Seis anos e meio depois, o papa Francisco já nomeou três de seus ex-coirmãos da Companhia de Jesus para os cargos mais altos do Vaticano. O mais recente foi o jesuíta espanhol Pe. Juan Guerrero Alves, que o papa nomeou no dia 14 de novembro para se tornar o prefeito da Secretaria para a Economia.
Guerrero, ex-autoridade na sede dos jesuítas em Roma, se une ao cardeal italiano jesuíta Luis Ladaria, que chefia a poderosa Congregação para a Doutrina da Fé, e o cardeal jesuíta canadense Michael Czerny, que lidera o escritório vaticano que defende os migrantes e os refugiados globais.
Historiadores da Igreja e teólogos dizem que a nomeação de jesuítas para tais papéis representa uma mudança significativa, especialmente devido às relações bastante contenciosas entre o Vaticano e a ordem nos papados de João Paulo II e Bento XVI.
“Na era moderna, as relações entre os jesuítas e o papado foram muito hostis”, disse Michela Catto, historiadora da Igreja italiana que escreveu diversos livros sobre os jesuítas e suas relações com o Vaticano.
Catto, pesquisadora da Universidade de Modena e Reggio Emilia, classificou as escolhas de Francisco como “uma anomalia e certamente não tradicionais”.
Christopher Bellitto, historiador da Igreja estadunidense que escreveu extensivamente sobre a história do papado, disse achar lógico que o papa se volte para os membros da sua ordem religiosa ao preencher postos vaticanos.
“É natural que um papa – ou um diretor executivo ou diretor de uma escola – coloque ao seu redor pessoas com a mesma opinião”, disse Bellitto, professor da Kean University, em Nova Jersey.
“Vimos isso em todos os papados e em suas escolhas de cardeais e bispos”, afirmou. “A escolha dos jesuítas por Francisco em posições-chave se encaixa nesse modelo, mas ele também não está inundando o campo com seus irmãos jesuítas.”
Guerrero estava atuando na sede dos jesuítas como conselheiro geral, responsável pelo governo das casas e obras da ordem em Roma, em nome do seu superior geral, padre Arturo Sosa.
O jesuíta espanhol, que efetivamente se tornará o ministro da Economia do Vaticano quando assumir seu novo cargo em janeiro, substitui o cardeal australiano George Pell, que tirou uma licença do Vaticano em 2017 para retornar à Austrália para se defender de acusações de abuso sexual de menores.
O mandato de cinco anos de Pell na secretaria terminou em fevereiro. O escritório havia sido liderado em sua ausência pela sua autoridade número dois, o monsenhor italiano Luigi Misto.
Embora seja difícil dizer com certeza, dada a extensão da história da Igreja Católica, parece que, antes de Francisco, apenas outro jesuíta já havia liderado um escritório vaticano: o falecido cardeal alemão Augustin Bea, que chefiava o Secretariado para a Promoção da Unidade dos Cristãos, com os papas João XXIII e Paulo VI, de 1960 a 1968.
Mais recentemente, o arcebispo jesuíta italiano Giuseppe Pittau atuou como autoridade número dois na Congregação para a Educação Católica, com João Paulo II, de 1998 a 2003.
Além de nomear os jesuítas para cargos vaticanos, Francisco também incluiu recentemente mais membros da sua ordem no Colégio dos Cardeais.
Em seus dois últimos consistórios para a criação de novos cardeais, realizados em junho de 2018 e outubro de 2019, o papa promoveu cinco jesuítas: Ladaria; Czerny; o arcebispo peruano Pedro Barreto; o arcebispo de Luxemburgo, Jean-Claude Hollerich; e o arcebispo lituano Sigitas Tamkevicius.
No momento, no entanto, parece haver um plano específico para não fazer de Guerrero um cardeal.
Em uma entrevista ao Vatican News, Sosa disse que, quando Francisco pediu a aprovação do superior jesuíta para nomear Guerrero ao cargo vaticano, Sosa solicitou que a posição “não fosse associada ao episcopado”.
Sosa disse que fez esse pedido na esperança de que, quando Guerrero terminar de trabalhar no Vaticano, o espanhol possa retornar “à sua vida normal como jesuíta”.
Massimo Faggioli, teólogo e historiador que focou sua pesquisa na Igreja nas décadas desde o Concílio Vaticano II, disse achar que o pedido de Sosa “envia um sinal sobre a não necessidade de ser bispo para servir à Igreja universal nos níveis mais altos em Roma”. Faggioli, professor da Villanova University, observou que, durante o século XX, os escritórios vaticanos passaram a ser liderados cada vez mais por bispos, em vez de padres ou mesmo de leigos. “Este é um novo momento na globalização do catolicismo, porque não pode haver o mesmo grau de clericalização em termos de pessoal”, afirmou.
Mas Faggioli também observou que, na estrutura hierárquica vaticana, pode ser difícil que Guerrero, um padre, dê instruções a bispos e cardeais. “Será complicado, porque o novo prefeito para a Economia terá que dar ordens ou lidar hierarquicamente com bispos que estão acima dele eclesiasticamente”, disse o teólogo. “Não se trata apenas de uma mudança de leis, mas também de mentalidades.”
Catto definiu como “impressionante” o fato de não haver a promessa de Guerrero ser criado cardeal para o seu novo cargo. “Isso me parece ser uma expressão da ruptura deste pontificado com os esquemas tradicionais”, disse ela.
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Nomeação de jesuítas para escritórios vaticanos é “anomalia” na história da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU