13 Novembro 2019
“Espera-se que a economia dos cuidados experimente um notável crescimento, segundo um estudo da Universidade Autônoma de Barcelona. Onde existir adultos ou idosos, pessoas com dificuldades, convalescentes ou que precisam de algum tipo de cuidado, será necessário alguém que os atenda. Assim como foi ontem e é hoje. A questão, aqui, não é se existirá a economia dos cuidados, mas em que condições deve existir”, escreve Liliana Arroyo, pesquisadora e professora da Universidade de Barcelona, em artigo publicado por El Diario, 11-11-2019. A tradução é do Cepat.
A incerteza se tornou uma companheira de viagem, especialmente quando imaginamos onde todas essas mudanças rápidas e constantes lideradas pelo desenvolvimento tecnológico nos levam. Somos inundados com previsões e números que apontam para mudanças de cenário, cedo ou tarde, em diferentes áreas. O que talvez mais cause preocupação, por causa de sua profundidade e importância, é o futuro do trabalho.
Quais futuros se vislumbram para as pessoas trabalhadoras? Como será “ir” trabalhar em uma década ou para a próxima geração? As perspectivas estimam que 60% dos estudantes que hoje frequentam a escola primária optarão por trabalhos que hoje não existem (de acordo com o Fórum Econômico Mundial). Ao mesmo tempo, um em cada quatro adolescentes sonha em ser um youtuber.
Existem dois vetores importantes que afetarão qualquer cenário de trabalho: a automação e as plataformas digitais. O primeiro aponta para tudo que tem a ver com robôs, inteligência artificial e algoritmos. Nos últimos anos, vimos surgir vários relatórios tentando calcular quantos milhões de postos de trabalho desaparecerão.
O Financial Times, junto com a Mckinsey, desenvolveu uma calculadora, uma espécie de oráculo para perguntar qual a probabilidade de um robô fazer o seu trabalho. O interessante de sua abordagem é que selecionaram mais de 800 perfis profissionais nas tarefas que os compõem. O cálculo é feito, então, com base na porcentagem de tarefas automatizáveis por profissão.
É preciso ressaltar isso: o que pode ser automatizadas são tarefas concretas, mecânicas e previsíveis e não profissões em bloco. Por exemplo, uma fábrica de embalagens de carne. É uma das profissões mais automatizadas de acordo com a calculadora, porque 86% das tarefas podem ser executadas por uma máquina. Se apenas os 14% restantes das tarefas requerem uma pessoa, só seria necessária uma pessoa em cada seis. Para onde iriam as outras cinco? Por quais empregos poderiam optar, se sua formação e sua experiência são majoritariamente automatizáveis?
É isso que Yuval Noah Harari (historiador israelense) aponta como o nascimento da “classe inútil”. São milhões de pessoas que, em 15 anos, não estarão empregadas, nem serão empregáveis. Embora surgirão novos empregos - ele usa como exemplo os designers de realidade virtual -, para que uma pessoa se reinvente e mude da fábrica para o design, no mínimo, exige um período de formação.
No outro extremo da calculadora, quais são as habilidades que um algoritmo nunca poderá superar? A resposta soa como poesia: criatividade, curiosidade, intuição e tudo o que tem a ver com o imprevisível. Se cruzamos isso com uma estrutura social de baixa natalidade e uma população que desfruta de melhor qualidade de vida, chegamos ao debate sobre o envelhecimento da população.
Espera-se que a economia dos cuidados experimente um notável crescimento, segundo um estudo da Universidade Autônoma de Barcelona. Onde existir adultos ou idosos, pessoas com dificuldades, convalescentes ou que precisam de algum tipo de cuidado, será necessário alguém que os atenda. Assim como foi ontem e é hoje. A questão, aqui, não é se existirá a economia dos cuidados, mas em que condições deve existir.
Apesar de satisfazer necessidades humanas básicas, é um setor historicamente invisibilizado, mal remunerado e subvalorizado. Como escreve Lina Gálvez, em La economia de los Cuidados, “os cuidados são reconhecidos como uma dimensão da vida humana que é também econômica, na medida em que envolve o uso de recursos escassos, materiais, imateriais, de energia e tempo, com custos diretos e indiretos evidentes”. Não obstante, hoje, em grande parte do mundo se caracteriza pela feminização, precariedade, classismo e racismo.
Vamos aos dados. Em 2017, 6% das mulheres registradas na Catalunha estavam empregadas como trabalhadoras domésticas. Segundo um relatório do Center d'Estudis i Recerca Sindicals da CCOO, se as classificarmos por nacionalidade, supõe 3% no caso das mulheres espanholas, frente a 24% das mulheres estrangeiras. Ou seja, de todas as mulheres estrangeiras empregadas, um quarto se dedica à economia dos cuidados. Em sua maioria (três em cada quatro), são latino-americanas, e as nacionalidades mais presentes são a hondurenha e a boliviana. A OIT identifica o fato como uma cadeia global de prestação de serviços.
O mesmo relatório mostra o predomínio da precariedade. Embora 70% tenham contrato indeterminado, metade dos contratos temporários são de tipo verbal. A regulamentação fixa o valor em 7,04 euros por hora (de acordo com o BOE, Decreto Real 1462/2018, que fixou o salário mínimo interprofissional para 2019). E uma tendência constante é que o cruzamento com a lei de imigração faz com que as mulheres mais vulneráveis acabem aceitando os trabalhos com pior remuneração, aqueles que conseguem acessar enquanto regularizam sua situação no país. Os coletivos de mulheres trabalhadoras migrantes têm como slogan que “quando uma mulher branca quebra o teto de vidro, quem faz a limpeza é uma imigrante ilegal”.
Uma categoria especial é o regime de empregadas que residem no local de trabalho. Nesse caso, são todas mulheres estrangeiras e apostam nisso como um meio de sobrevivência. Muitos grupos pedem sua abolição, pois consideram uma situação de escravidão. Elas próprias contam que é uma forma de contar com teto garantido, mesmo que seja em troca de salários irrisórios, por exemplo, 600 euros por mês para cuidar de uma pessoa idosa, dia e noite, 7 dias por semana, o que torna sua vulnerabilidade crônica e fomenta o isolamento social. Contando com a sorte, possuem espaços de descanso, às vezes de algumas horas. E das portas para dentro “é um inferno”, nas palavras de uma representante do Sindillar.
Mulheres que em seus países de origem têm formação e exercem uma profissão, quando estão trabalhando nas casas, são objeto de todos os tipos de assédio sexual. Um estudo da Universidade de Barcelona situa as insinuações ou comentários de caráter sexual, por parte dos homens idosos, como uma tônica habitual (41% das mulheres passaram por isso), além de toques ou aproximações excessivas (28%). Uma em cada dez narra experiências de abuso sexual.
Quando, após um episódio de assédio, pedem respeito, recebem abusos como resposta: o idoso sente que a cuidadora está ali para satisfazer todas as suas necessidades. Se contam às famílias, não acreditam nelas. Viver tudo isso, sem uma rede de apoio e presas 7 dias e 7 noites por semana, claramente tem consequências psicossociais. Que margem possuem para recusar um emprego ou exigir uma melhoria nas condições? Quando estão em condição irregular, nenhuma. É assim que cuidamos daquelas que cuidam.
Agora que a digitalização do trabalho está atravessando todos os setores, que oportunidades se abrem com a irrupção das plataformas? Barcelona acolheu um encontro no qual sentamos com trabalhadoras de plataforma e os fundadores dessas start-ups. A maioria das plataformas nasce como um espaço de conexão entre famílias e cuidadoras, com uma versão digital do quadro de avisos, sofisticando a comunicação, com sistemas de pontuação e reputação.
Apresentar-se como cuidadora é simples, as barreiras de entrada para criar um perfil são baixas e não costumam solicitar o NIE [Número de Identificação de Estrangeiros]. A partir disso, as regras do jogo são fixadas por cada plataforma, que decide qual o grau de responsabilidade que assume para com as trabalhadoras a quem facilita as transações. As oportunidades de ganhar visibilidade e profissionalizar o trabalho doméstico são enormes.
Toda essa atividade que antes estava submersa, agora pode ser registrada de forma minuciosa. Existe a oportunidade de ganhar em transparência de forma positiva. Conhecendo o risco de isolamento das trabalhadoras que residem no local de trabalho, as plataformas poderão ativar programas de prevenção e detecção. As mulheres, que oferecem seus serviços de forma individual, poderão buscar nas plataformas um espaço de referência para se encontrar com outras, entrar em contato e tecer redes de apoio na dimensão do trabalho, mas também na pessoal e social. As promessas são múltiplas e os riscos não faltam. É a tempestade perfeita para projetar um futuro do trabalho alinhado com o cuidado com aquelas que cuidam.
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O futuro do trabalho está em cuidarmos uns dos outros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU