03 Outubro 2019
“É pior, muito pior do que você imagina. A lentidão da mudança climática é um conto de fadas tão pernicioso como possivelmente aquele que afirma que isso não está acontecendo em absoluto, que chega até nós agrupados com outros em uma antologia de lorotas tranquilizadoras”. Assim, de modo contundente, que o jornalista americano David Wallace-Wells se manifesta no início de seu livro El planeta inhóspito (Debate), um catálogo de catástrofes naturais, fome, falta de água, calor extremo, ar irrespirável, oceanos moribundos e colapso econômico, que segundo o autor, nos ameaçam mais cedo do que acreditamos. Pois, se continuarmos sem fazer nada, ou melhor, fazendo pouco para abrandar uma crise climática que já atravessamos, esse pode ser o nosso futuro. No entanto, Wallace-Wells se diz otimista porque “tudo está em nossas mãos”.
A entrevista é de Andrés Seoane, publicada por El Cultural, 01-10-2019. A tradução é do Cepat.
Seu livro tem um tom bastante apocalíptico. Por que é tarde demais para deter as mudanças climáticas?
Minha intenção não é soar apocalíptico, mas, por experiência própria, sei que temos um verdadeiro déficit de conhecimento sobre o que realmente ocorre com as mudanças climáticas. As projeções científicas sempre foram conservadoras e, com este livro, procuro oferecer, a partir da responsabilidade jornalística, os dados reais que nos permitem entender a magnitude do problema. Há quem diga que eu incentivo o medo, mas tudo o que digo é real e possível, e a questão é o que iremos fazer para impedir o desastre e qual a pressa que temos, porque as consequências dependerão disso.
Faz quase 30 anos que a ONU começou a alertar seriamente sobre todos esses perigos que narra. Por que não levaram a sério, até mesmo hoje?
Há apenas alguns anos, ainda era possível falar sobre a mudança climática como algo que iria acontecer, mas agora sabemos o que está acontecendo e com uma velocidade alarmante. É um processo que se acelerou enormemente até o ponto de, nos últimos 30, causar mais anos que nos séculos anteriores. Em seu momento, todos acreditávamos que conhecê-lo seria o suficiente para detê-lo, mas obviamente não, é preciso mais. Definitivamente, é preciso assumir que todos somos culpados pelas mudanças drásticas que nosso planeta pode sofrer. Se é um desafio global, a solução deve ser global.
Nesse sentido, você retira ou descarta as ações individuais tão em voga, como o veganismo proclamado por Safran Foer ou a aposta no transporte público. De fato, o indivíduo não tem poder?
Em um caso como esse, não serve que um pouco seja melhor que nada. Os atos e ações individuais não salvarão o planeta, porque para que tivessem incidência teriam que ser massivos e coordenados entre milhares de milhões de pessoas, algo que, atualmente, não parece possível. Contudo, já não se trata apenas de uma dicotomia indivíduo/coletivo, mas, sim, que a complexidade dos projetos para combater a crise climática exige ações em larga escala, não passos individuais. A rápida expansão de ideias e políticas que a globalização trouxe sugere que não é mais possível agir em nível nacional, que as fronteiras são irrelevantes. Por exemplo, um cidadão espanhol é afetado pelos problemas climáticos da China ou da Índia. O jogo não é mais local. Os políticos nacionais agem com hipocrisia sobre o assunto, mas a realidade é que deveriam ser capazes de participar de iniciativas globais, algo cada vez mais urgente e necessário.
Essa necessidade de ação internacional conjunta é o cavalo de batalha de Wallace-Wells, que acredita que o trabalho da política é justamente resolver os grandes problemas globais.
É difícil pensar, vendo os precedentes, que as atuais estruturas de poder serão capazes de lidar com um problema que menosprezam há três décadas. Contudo, talvez a diferença se deva ao fato de que finalmente se está começando a aceitar que a mudança climática é um problema não apenas ambiental e humanitário, mas também econômico e cultural, diz o jornalista, que também desconfia dos tecno-otimistas, daqueles que acreditam que surgirá um avanço revolucionário que mitigará ou eliminará as consequências das mudanças climáticas.
“A tecnologia, que melhora rápida e constantemente, ajudará, é claro, mas não é a solução definitiva. Enfrentar todas essas ameaças, porque não é possível eliminá-las completamente, passa por uma mudança de mentalidade”, afirma.
Como você mesmo diz, estamos há três décadas com boas palavras e poucas ações, e menos a nível global. Por que agora será diferente?
Justamente por causa desse componente econômico que a mudança climática começa a ter, que afeta a multidão de indústrias. Clima extremo, a falta de água e inclusive algumas hipotéticas e futuras guerras de sobrevivência até pouco tempo pareciam problemas futuros para os países pobres, mas agora se prevê que nos piores cenários também nos afetariam no hemisfério norte e no Ocidente. No entanto, também é preciso pensar que fazer coisas como reduzir emissões ou apostar em energias verdes é muito mais fácil para alguns países do que para outros, como China, Índia ou os estados africanos. Seria necessário ajudar os países pobres a desenvolver a tecnologia que lhes permitisse ser mais competitivos e crescer responsavelmente. A dicotomia da mudança climática não é algo binário, ou só progresso ou só destruição, mas, ao contrário, a chave é buscar o equilíbrio, criar um modelo conceitual coletivo que permita esse progresso sustentável.
Apesar de tudo o que relata, você se considera otimista. Onde fica a esperança?
Embora muitos danos sejam irreparáveis, grandes dramas ainda podem ser evitados, e é importante lembrar e continuar pensando que a mudança climática é um debate aberto, que é algo humano, causado e solucionável por nós. Como qualquer atividade humana, essa crise é regida pela incerteza e sua evolução dependerá de quais medidas serão tomadas, e quando. A priori, não há razões para que tudo isso não tenha um final feliz.
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“Atos individuais não salvarão o planeta”. Entrevista com David Wallace-Wells - Instituto Humanitas Unisinos - IHU