18 Setembro 2019
Dos "crocodilos" de Ratzinger ao advento das mídias sociais. Giovanna Chirri (1), jornalista de longa experiência, autora do furo mundial da renúncia de Bento XVI, explica em um e-book como nossa profissão mudou, em um cenário midiático muitas vezes vítima de um "delírio" narcísico, onde a "qualidade" é preterida em razão da "quantidade" e a "competência", em razão do sensacionalismo efêmero das "fake news".
A reportagem é de M. Michela Nicolais, publicada por Agência SIR, 14-09-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Jornalismo, em italiano, com demasiada frequência rima com narcisismo. Para testemunhar exatamente o oposto, Giovanna Chirri, jornalista de longa experiência, correspondente do Vaticano pela Ansa de 1994 a 2017, agora autora do blog "Vaticanista sul filo". Em seu e-book I coccodrilli di Ratzinger (Os crocodilos de Ratzinger, em tradução livre) toma partida de um caso autobiográfico - o furo da renúncia de Bento XVI - para refletir e fazer refletir as pessoas sobre como mudou a maneira de transmitir informações desde a irrupção das mídias sociais no cenário midiático. Sua história pessoal torna-se assim uma história emblemática de um panorama midiático em que à "qualidade" da informação se prefere a "quantidade" e à "competência", o sensacionalismo efêmero das "fake news".
O objetivo de Giovanna Chirri, nessas páginas, é dar uma contribuição para tentar neutralizar a deriva atual da informações, que está diante dos olhos de todos, sem, no entanto, que alguém assuma seriamente o problema de contê-la. A autora escolhe fazer isso vinculando o passado e o presente, as regras de ouro da profissão e a "desregulamentação" dominante naquele que antigamente era - e deveria permanecer - uma profissão artesanal. Por meio de algumas histórias vivenciadas na escola de jornalismo, redações, serviços externos, em vários jornais e por um período de cerca de 30 anos, Chirri cita experiências que a formaram. Como a "regra do tomate", aprendida assim que chegou na sala de imprensa do Vaticano: "Se há um papa nas ruas, você também deve estar lá, porque se jogarem um tomate na batina, o vermelho no branco dá para ver, você precisa vê-lo e você deve poder relatá-lo”. "Furo mundial significa que até eu, uma pobre jornalista de agência, fui a primeira a saber de uma notícia histórica", sua leitura de 11 de fevereiro de 2013: "E o furo mundial eu jamais o teria feito se não tivesse aplicado cotidianamente algumas regras pequenas do jornalismo". Primeira de todas, justamente, a "regra do tomate".
Os cinco "w" na era digital. Para as velhas e novas gerações de jornalistas, os cinco "W" ((who, what, when, where, why) continuam sendo o ABC da profissão. A agilidade, a linguagem, as medidas da agência de imprensa - o paradoxo atual - por um lado parecem mais adequadas à web, por outro lado, porém, aquela que é a força da crônica, a eterna "tela" para qualquer outro tipo de jornalismo , é sacrificada em nome do "deus da atualização", que reduz cada vez mais a duração de uma reportagem, superada agora em velocidade pelos tweets e por vários sites piratas de notícias. "Em parte, a ênfase e a pouca literatura conferidas à reportagem e, acredito, em maior medida, interesses editoriais que pouco têm a ver com informações - a tese de Giovanna - se fundiram para desnaturar essa força das agências, transferindo-as para a web juntamente com a liberação do sensacionalismo e das conversas confusas, anulando a importância da hierarquia da notícia em benefício da novidade”. O "cola e copia", portanto, reina supremo, o gosto de procurar notícias é agora mercadoria rara. Tudo isso, em detrimento do jornalismo como obra de um artesão, que "exige não só rapidez, fotos e vídeos, mas também tempo, competência, paciência, destreza, amor pelo que se faz, atenção aos detalhes". Hoje, em vez disso, "vemos como toda informação acaba sendo gritada, exasperada, tendenciosa e cada evento contado como uma final de futebol local. Continua sendo informação?".
"A extensão da degradação no mundo da mídia também emerge de dois fatores ligados à renúncia do pontificado por Bento XVI", argumenta Chirri com base no clima vivido naqueles dias, para o qual nenhum especialista do Vaticano, mesmo o mais experiente, estava preparado: "Alguns colegas comentaram que não era um furo porque seria suficiente esperar duas horas e o porta-voz Padre Lombardi teria nos avisado. Alguém na agência chegou a murmurar que nem o Papa Ratzinger nem ninguém no Vaticano me havia avisado que o pontífice teria renunciado: tornava-se uma culpa saber fazer o próprio trabalho e entender sozinha o que estava acontecendo".
"É cada vez mais a imagem, a aparência, a exterioridade e o pertencimento a algum lobby que domina sobre as habilidades e a capacidade de fazer um trabalho, que continua a ser complicado e, em geral, mais do que o aparecer ou as aparências, conta a substância e as costas retas", é o balanço final da autora em um cenário informativo dominado pelo" delírio "e minado por uma crise de credibilidade e respeitabilidade.
Somente a caixa de ferramentas de um bom jornalista, hoje como ontem, é o antídoto para o cinismo: "Já contei várias vezes como a renúncia de Bento XVI não foi a primeira vez que eu retirava notícias do latim e como naquele dia histórico a notícia tenha sido entendida e depois difundida graças a uma mistura de profissionalismo, experiência, cultura e sorte da qual o latim certamente era uma parte, mas não de maneira exclusiva. Certamente, no entanto, que naquele dia fui favorecida por ser uma italiana que frequentou o ensino médio clássico nos anos 1970, e que sem os tão insultados e tachados de inúteis estudos clássicos, eu certamente não teria dado o furo". E novamente: "Não apenas o latim, mas a cultura humanística em particular, são um dos presentes mais belos com que a vida, graças a meus pais, me presenteou. É por isso que, em 11 de fevereiro de 2013, fiquei orgulhosa de poder visivelmente restituir ao meu país algo, e poder fazê-lo apenas graças a uma vida passada realizando meu ofício, com coração, inteligência, respeito pelos outros e honestidade. Hoje sinto orgulho e vivo isso como uma injeção de felicidade ".
[1] Giovanna Chirri é a jornalista italiana que deu ao mundo as notícias da "renúncia" de Bento XVI em 11 de fevereiro de 2013. Na tarde daquele dia histórico, em sua redação, Giovanna testemunhou um episódio que se tivesse tido tempo, a teria obrigado a se perguntar se os jornalistas ainda servem para alguma coisa. Esse livro parte da pergunta não expressa daquela tarde e percorre mais de trinta anos vividos entre escolas de jornalismo, trabalho de campo e nas redações.
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Jornalismo: Os “crocodilos” de Ratzinger e a “regra do tomate” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU