Novos cardeais: os homens são a mensagem

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17 Setembro 2019

Ao anunciar a nomeação de 10 novos cardeais eleitores, o Papa Francisco aumentou as possibilidades de que o próximo papa venha a dar continuidade às suas pautas, mas as suas nomeações enviam também uma mensagem à Igreja a respeito de quais devem ser as prioridades dos líderes católicos.

O comentário é do jesuíta Thomas Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de “O Vaticano por dentro” (Ed. Edusc, 1998), em artigo publicado por Religion News Service, 16-09-2019. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Os cardeais não só elegem os papas. Eles também ajudam a dirigir a Igreja através de comissões, as chamadas congregações, que supervisionam o trabalho dos departamentos. Quem atua nestas congregações pode influenciar na direção e nas prioridades dos que ocupam estes departamentos. Ter mais aliados nas congregações ajudará a promover as pautas de Francisco dentro do Vaticano.

Em segundo lugar, os cardeais são muito influentes nas regiões do mundo onde vivem. Alguém com um barrete vermelho se destaca entre a multidão. Vemos isso nos Estados Unidos, onde os políticos e a imprensa prestam mais atenção aos cardeais do que ao presidente eleito da Conferência dos Bispos Católicos do país, porta-voz oficial dos bispos.

Os cardeais podem desempenhar papéis extremamente importantes em países onde há conflitos e uma administração pública precária. O que dizem pode impactar as políticas públicas e a vida da Igreja.

Em suma, ao tornar cardeais estes homens, o papa está lhes dando megafones. Ele quer que suas vozes sejam ouvidas entre uma multidão de bispos. Quer que sejam notícia entre o 1,5 bilhão de católicos do mundo. Na nomeação destes novos cardeais, os homens são a mensagem.

Todos os novos cardeais têm experiência de trabalho em temas queridos do papa: refugiados, migrantes e os pobres; diálogo inter-religioso e cooperação; reconciliação e construção da paz; evangelização; e preocupação com o meio ambiente.

O padre jesuíta Michael Czerny é um exemplo perfeito disso.

Czerny, de 73 anos, é o assessor do papa para assuntos relacionados a migrantes e refugiados. Muitos também acreditam que Czerny foi o principal redator da encíclica papal sobre o meio ambiente, Laudato Si’ – Sobre o Cuidado da Casa Comum.

Antes de voltar a sua atenção aos migrantes e refugiados, Czerny esteve envolvido no cuidado aos atingidos pela Aids na África, embora muitos ativistas tenham ficado decepcionados com a sua oposição ao uso de preservativos durante os papados de João Paulo II e Bento XVI.

Mesmo enquanto um simples padre, muitos já prestavam atenção em Czerny porque sabiam que ele era uma pessoa próxima do papa. Agora, como cardeal, será impossível ignorá-lo. Ser cardeal dá a Czerny acesso aos mais altos níveis dos governos e lhe empresta um grande megafone para proclamar a preocupação do papa pelos migrantes, refugiados e o meio ambiente.

Outros nomeados também refletem a preocupação do papa pelos pobres e marginalizados.

Dom Alvaro Ramazzini Imeri, da Diocese de Huehuetenango, na Guatemala, fez do trabalho junto aos indígenas uma parte importante de seu ministério. O religioso, de 72 anos, é também conhecido por criticar as grandes corporações, especialmente a companhias de mineração, que exploram os recursos das terras indígenas. A sua preocupação pelos direitos humanos e o meio ambiente lhe trouxe ameaças de morte, mas também reflete os objetivos de Francisco.

Dom Matteo Zuppi, da Arquidiocese de Bolonha, é lembrado como o bispo dos pobres. Como membro da Comunidade de Sant’Egidio, Zuppi mostrou a sua preocupação pelos pobres tanto na Itália quanto em outros países. Com esta comunidade, o religioso de 64 anos esteve envolvido nas negociações de paz em Moçambique, um dos países que Francisco visitou recentemente.

A preocupação do papa pelo diálogo inter-religioso, especialmente com os muçulmanos, é também um importante foco de alguns dos novos cardeais.

Dom Miguel Ayuso Guixot, de 67 anos e presidente do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso, esteve envolvido com a questão do diálogo na maior parte de sua vida sacerdotal. O discreto prelado é tanto um acadêmico quanto um diplomata. Ele esteve envolvido na costura das relações entre o papado e a Al-Azhar, universidade egípcia e centro de estudos sunitas, após os dois romperem as relações na sequência de uma fala desastrosa do Papa Bento em Ratisbona, em 21012.

A elevação de Guixot, bem como a do arcebispo emérito Dom Michael Fitzgerald, foi um claro sinal aos líderes muçulmanos de que Francisco fala sério quando se trata de melhorar as relações com os fiéis muçulmanos. Fitzgerald certa vez ocupou o cargo de Guixot em Roma, mas foi mandado para o Egito por Bento XVI, quem não havia gostado da abordagem de Fitzgerald na questão do diálogo.

O papa também fez cardeais os arcebispos que presidem arquidioceses em países de maioria muçulmana, onde a cooperação inter-religiosa não é fácil, mas que precisa ser um modo de vida. Ignatius Suharyo Hardjoatmodjo, de Jakarta, na Indonésia, e Cristóbal López Romero, de Rabat, no Marrocos, convivem com muçulmanos diariamente. Para eles, o diálogo não é um conceito abstrato, mas o único modo de a Igreja existir em seus países.

Embora espanhol de nascimento, o cardeal-designado Lopez tornou-se cidadão paraguaio e é reivindicado com alegria por este país como o seu primeiro cardeal. Porém, o cardeal-designado de 67 anos vê esta nomeação como um aceno ao Reino do Marrocos, no qual, diz ele, muito fez para fomentar o Islã moderado.

“Com cada uma dessas nomeações o papa transmite uma mensagem”, diz ele à revista Alfa y Omega. “E eu acho que nesse caso ele está dizendo: ‘Quero promover o diálogo inter-religioso e islâmico-cristão’. Ele está dizendo: ‘Coragem, igrejas minoritárias da norte da África, o seu testemunho é importante, não só onde vocês estão, mas para a Igreja universal.’”

A reconciliação e a construção da paz também são o foco de Dom Fridolin Ambongo, arcebispo de Kinshasa, no Congo, onde o religioso de 59 anos foi um importante agente para que as elites políticas concordassem, no fim de 2016, com uma transição pacífica de poder. Quando o presidente Joseph Kabila rejeitou o acordo, o arcebispo e seu antecessor ajudaram a organizar os protestos até que, finalmente, novas eleições presidenciais foram realizadas. Ele continua pressionando o governo por eleições mais livres, pelos direitos humanos e pelo fim da corrupção.

Dom Juan de la Caridad Garcia Rodriguez, arcebispo de Havana, também precisa lidar com um governo problemático. Aos 71 anos, ele deu um exemplo de inovação na área da evangelização ao recrutar avós para ensinar religião à nova geração. Também foi o fundador e diretor de uma escola para missionários na arquidiocese. Quando Cuba foi atingida pelo furacão Ike, em 2008, trabalhou ativamente na ajuda dos que haviam perdido tudo.

Ele igualmente desempenhou um papel além dos limites de Cuba como delegado do Sínodo sobre a Família, em 2014, e na assembleia, em 2007, dos bispos latino-americanos em Aparecida, São Paulo. O Papa Francisco, enquanto arcebispo de Buenos Aires, desempenhou um importante papel em Aparecida e, sem dúvida, conhece bem Garcia.

Dom Jean-Claude Hollerich, de Luxemburgo, é incomum no sentido de que tem experiência primeiro como missionário no Japão e, agora, como um importante bispo na Europa. O jesuíta de 61 anos preside a Comissão das Conferências dos Bispos da Comunidade Europeia e tem sido uma voz atuante em nome da unidade europeia num momento de crise no continente. Ter um ex-missionário a exercer uma tal função pode ser interpretado como um reconhecimento da necessidade de reevangelizar a Europa.

Finalmente, temos José Tolentino Mendonça, arquivista e bibliotecário do Vaticano, quem, como diretor espiritual e diretor de retiros, ajuda as pessoas a encontrar o caminho de Deus através do discernimento. O religioso, de 53 anos, é biblista e um premiado poeta, que usa a sua poesia como forma de trazer ao diálogo a cultura contemporânea e o Evangelho.

Todos estes cardeais encarnam, de um jeito ou de outro, a visão que o Papa Francisco tem de Igreja. Além de lhes dar o barrete vermelho em 5 de outubro, Francisco estará dando-lhes um megafone para proclamarem a sua visão do Evangelho à Igreja e ao mundo de hoje. Mas mesmo antes de os cardeais falarem, ao escolhê-los Francisco já fez deles uma mensagem.

Os opositores do papa não gostarão da mensagem. Mas os que não gostarem dessas nomeações devem lembrar que quase todos eles foram feitos bispos ou funcionários do Vaticano por Bento ou João Paulo.

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