21 Agosto 2019
Em 1986, os jesuítas do filme A Missão conquistam o mundo. No Paraguai de 1750, Robert De Niro, Jeremy Irons e Liam Neeson solidarizam-se com os guarani, valorizam sua língua e cultura, apoiam sua independência e desenvolvimento, lutam contra a ganância de espanhóis e portugueses, opõem uma verdadeira fé ao cinismo eclesiástico. O filme expressa a autocrítica ocidental e a reconciliação com a missão, em nome dos bons missionários do passado e do presente. Vinte anos depois do Concílio Vaticano II, a Missão consagra uma mudança de paradigma.
O comentário é de Marco Ventura, publicada por La lettura, 18-08-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os pressupostos da história narrados no filme remontam a um pouco mais de um século antes. Nasceu em 1622 o órgão da cúria romana encarregado de coordenar missões e missionários ao redor do mundo. É a congregação de Propaganda fide. A conquista por parte das potências europeias de novas terras e novos povos abriu um enorme espaço. Como ontem a conversão dos pagãos no império romano, a conversão dos nativos torna-se decisiva. Propagando a fé, a Igreja de Roma aumenta: conquista por sua vez terras e povos. Transfere-se para a terra da missão a competição com aliados (os reis cristãos) e concorrentes (protestantes e muçulmanos).
Os dois princípios fundamentais já podem ser inferidos nas indicações para os missionários na China e na Indochina de 1659: por um lado, a promoção do clero local, por outro, o compromisso de inculturação, com a proibição de combater os costumes e tradições do País, a menos que eles entrem em conflito com fé e moral.
A propagação da fé envolve o desenvolvimento dentro da Igreja de um setor autônomo. Produto final da especialização, o missionário: normalmente um sacerdote pertencente a uma ordem religiosa. O paradigma do século XVII perdura por três séculos. Em plena descolonização, o Concílio Vaticano II inicia uma profunda mudança. Em 1967, por vontade de Paulo VI, a Propaganda fide torna-se congregação para a evangelização dos povos. A mudança é acentuada meio século mais tardes, com um papa nascido a poucos passos dos guaranis, um jesuíta como o De Niro da Missão. A missão não é uma especialização de ser Igreja. É ser a própria Igreja. Com as palavras do pontífice argentino, dois meses atrás: “Eu sou sempre uma missão; você é sempre uma missão; todo batizado e batizada é uma missão". Portanto, é necessária "uma conversão missionária constante e permanente". Assim aumentada, a natureza missionária não pode mais ser um setor consagrado ao pessoal dedicado, limitado a homens consagrados, com técnicas e organizações próprias. A "Igreja em saída" de Francisco é tarefa de cada um e diz respeito a tudo; é "saída geográfica e cultural de si mesma e da própria casa”, e ainda "da própria família, do próprio país, da própria língua, da própria Igreja local".
Em uma época de nacionalismos identitários, o projeto é contracorrente. O Pontífice reitera, a respeito, a condenação de Bento XV, no início do século XX, "de todo fechamento nacionalista e etnocêntrico, de toda mistura da anunciação do Evangelho com as potências coloniais, com seus interesses econômicos e militares" e prospecta "a saída de um pertencimento exclusivista ao próprio país e à própria etnia". Em um mundo no qual o termo missão agora domina a linguagem das empresas, da pesquisa e da inovação, o significado dessa missão ampliada diz respeito à fé: "Nós não fazemos proselitismo", disse Francisco em junho passado, porque a fé "não é um produto a ser vendido, mas uma riqueza a ser doada, a ser comunicada, a ser anunciada". No início do século XX, 7 cristãos em cada 10 viviam na Europa.
Hoje, os cristãos europeus são um em cada quatro: em 1990, a Itália exportava 24.000 missionários. Hoje restam oito mil, mas aumentaram os laicos envolvidos em atividades missionárias e os religiosos do Sul global que estão engajados na Europa, entre os quais muitas mulheres. Enquanto isso, as novas perseguições aos cristãos mudaram o quadro. Significativamente, 30 anos depois da Missão, em 2016, o filme Silêncio de Scorsese, contou o martírio dos jesuítas no Japão do século XVII. Para esta Igreja missionária e menos europeia, testemunhar o Evangelho continua sendo controverso. E perigoso.
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A fronteira é o martírio, mas todos somos testemunhas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU