09 Agosto 2019
Não serão as Organizações Não-Governamentais (ONGs), e sim os estados e a própria União os maiores prejudicados com a possível extinção do Fundo Amazônia. Segundo relatório do Fundo lançado em maio deste ano, 31% dos R$ 1,86 bilhões empenhados nos últimos dez anos foram destinados aos estados. Outros 28% incrementaram os cofres de órgãos federais, entre eles o Ibama, o Incra, a Embrapa e o Ministério da Justiça.
A reportagem é de Fernanda Wenzel, publicada por ((o))eco, 06-08-2019.
Da esquerda para a direita: Georg Witschel, embaixador alemão, Nils Gunneng, embaixador norueguês e Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente do Brasil, falam com a imprensa após reunião sobre o Fundo Amazônia. Noruega e Alemanha são os principais financiadores do fundo. (Foto: Gilberto Costa/Agência Brasil)
O Fundo, que é o maior projeto de cooperação internacional para preservar a floresta, está sob risco desde maio, quando o governo de Jair Bolsonaro propôs usar os recursos para indenizar produtores rurais com áreas dentro de Unidades de Conservação. Além disso, o governo extinguiu o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), formado por representantes da sociedade civil e dos governos federal e estaduais. Noruega e Alemanha - que financiam 93,8% e 5,7% do Fundo, respectivamente - não aceitaram as mudanças, e admitiram a possibilidade de o Fundo deixar de existir. Em maio, o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já havia causado controvérsia ao apontar supostas irregularidades em doações do Fundo. Até o momento o ministro não tornou público o relatório onde afirma ter encontrado essas irregularidades e nem submeteu ao BNDES ou ao TCU.
Os cinco estados que mais receberam recursos do Fundo Amazônia foram Pará (24,3%), Amazonas (20,1%), Mato Grosso (16,9%), Acre (8,2%) e Rondônia (7,9%). No Pará o principal projeto é o Municípios Verdes, que atinge 124 cidades com recursos de R$ 90 milhões. O objetivo é apoiar a consolidação do Cadastro Ambiental Rural e fortalecer a produção agrícola sustentável. O Secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará, José Mauro de Almeida, explica que o estado não pode prescindir do Fundo Amazônia: “Nós não temos recursos disponíveis para fazer frente às demandas ambientais. E não é só ambiental, a gente precisa ser indutor de boas práticas agrossilvopastoris, temos que melhorar a cadeia produtiva da carne, da floresta, da soja”.
O Amazonas também precisa do Fundo para implementar suas políticas ambientais. Recentemente, o estado recebeu um financiamento de R$ 30 milhões para registros do Cadastro Ambiental Rural (CAR), a serem aplicados nos próximos quatro anos. Segundo o Secretário Estadual do Meio Ambiente, Eduardo Costa Taveira, esse valor representa quase 30% de todo orçamento da Secretaria para este período. Ele destaca que o apoio do Fundo Amazônia se torna ainda mais importante no cenário atual, em os estados estão em crise e destinam poucos recursos para a área ambiental.
Taveira, que também é Secretário-geral da Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema), entende que é natural haver uma renegociação nos termos do Fundo Amazônia, mas diz que é imprescindível que se chegue a um consenso: “O Fundo tem 10 anos, acho que vale a pena a gente avaliar o que vem dando certo, o que pode melhorar […] Mas o que a gente espera, os estados da Amazônia, é que esta negociação se resolva o mais breve possível, porque não dá para a gente ficar sem o Fundo”.
Edifício-sede do BNDES, gestor do Fundo Amazônia. (Foto: Marcio Isensee e Sá)
Além de pedir ao Ministro Salles que mantenha as negociações com Noruega e Alemanha, Taveira solicitou que os estados da Amazônia Legal continuem participando nas definições sobre o uso dos recursos, mesmo com a extinção do Cofa. Já o Secretário José Mauro de Almeida defende que o governo federal crie outro fundo para indenizar os produtores rurais, e mantenha o Fundo Amazônia da maneira como está.
Segundo o BNDES, a maior parte dos projetos dos governos estaduais é justamente para a inscrição de propriedades no Cadastro Ambiental Rural, que é o registro eletrônico dos imóveis rurais. A partir do cadastro e do georreferenciamento das áreas, os órgãos de fiscalização ambiental podem identificar os donos das terras, a extensão das propriedades e as áreas de mata nativa e desmatamento. Outro tema importante nos projetos aprovados junto aos estados da Amazônia é o combate a incêndios florestais, além do fortalecimento da gestão ambiental, apoio a licenciamentos e ações de reflorestamento.
Entre os projetos aprovados com a União, destaca-se um contrato de R$ 140 milhões firmado em abril do ano passado junto ao Ibama, para apoiar ações de fiscalização e combate ao desmatamento na Amazônia Legal. Outro financiamento firmado em janeiro de 2018, com a Fundação de Ciências Aplicações e Tecnologia Espaciais (Funcate), destinou R$ 49 milhões para implementação de sistemas de monitoramento de desmatamento na Mata Atlântica, Pantanal, Caatinga e Pampa. No total, os aportes do Fundo Amazônia à União somam mais de R$ 500 milhões.
Apesar de destacar a importância do Fundo Amazônia para os estados, o Secretário-geral da Abema afirma que infelizmente muitos projetos acabam não saindo do papel. Segundo Taveira, a efetividade do Fundo nos estados é de 30%. Isso quer dizer que 70% do dinheiro financiado acaba voltando para o Fundo Amazônia porque os estados não conseguiram aplicá-lo.
Para ele, o principal motivo é a falta de servidores para implementar os projetos, agravada pela regra que proíbe os estados de usarem o dinheiro do Fundo para contratar recursos humanos. As constantes trocas de governo também dificultam a continuidade dos projetos: “Na minha avaliação a falta de recursos humanos específicos na gestão desses recursos acaba comprometendo a implementação por parte dos Estados”. Taveira afirma que as ONGs, que podem gastar parte dos valores em contratação de pessoal, tem um índice de execução de cerca de 90%.
Até 2013, as prefeituras também podiam receber recursos do Fundo Amazônia. Quem mais aproveitou este período foi o município de Alta Floresta, no Mato Grosso, que recebeu um total de R$ 9,9 milhões para implementar o projeto Olhos d’Água da Amazônia. A cidade aderiu ao Fundo em 2010, após anos figurando na lista dos que mais desmatam a Amazônia. A população sofria com doenças respiratórias e o aeroporto chegou a ficar quinze dias sem funcionar em função da fumaça das queimadas. Dois anos depois, Alta Floresta conseguiu sair dessa lista e ingressar no rol de Municípios Verdes, reservada àqueles que conseguem manter a taxa de desmatamento anual abaixo de 40km², possuem 80% da área municipal no cadastro ambiental rural (CAR) e não figuraram na lista de maiores desmatadores da Amazônia.
Georreferenciamento de imóveis rurais pelo Projeto Olhos D’ Água da Amazônia (PRODAM). (Foto: PRODAM/Reprodução)
José Alesando Rodrigues, coordenador executivo e financeiro do Olhos d’Água, explica que já foram realizados 2800 cadastros no CAR graças ao projeto. Os recursos do Fundo Amazônia também foram usados para ensinar aos pecuaristas técnicas de manejo de pastagem, que permitiram o aumento da produção sem abrir novas áreas. 5 mil hectares foram isolados para recuperação de nascentes e foi criado um apiário municipal que já distribui mais de 600 colmeias para os agricultores na região. O objetivo é usar os polinizadores para aumentar a produção agrícola.
“Só com os recursos dos tributos municipais o município de Alta Floresta não teria condições de executar uma política dessas, e de conseguir todo esse resultado. Esse desencontro envolvendo o Fundo Amazônia é desastroso para a política de gestão ambiental da Amazônia como um todo”. Para a terceira fase do projeto, a prefeitura está tendo que buscar um parceiro na iniciativa privada. Isso porque em 2013 o Comitê Orientador do Fundo Amazônia decidiu que o apoio aos municípios se daria exclusivamente por meio de operações com os estados.
Procurado pelo ((o))eco, o Ministério do Meio Ambiente não se manifestou sobre a possibilidade do término do Fundo Amazônia. Já a embaixada da Noruega no Brasil disse apenas que ainda não recebeu do governo brasileiro uma proposta oficial de mudanças no Fundo Amazônia. Já o BNDES afirma que as negociações estão ocorrendo entre o governo brasileiro e os doadores.
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Estados e União seriam os principais prejudicados com fim do Fundo Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU