19 Julho 2019
O papa Francisco aponta para "um verdadeiro Pentecostes teológico, isto é, a capacidade de falar de Deus, do Reino, da revelação que fez Jesus de Nazaré, na língua das mulheres e dos homens de hoje, das perguntas que se fazem, do desejo de plenitude que habita neles. Mesmo nas profundezas que não conseguimos facilmente desvendar. Era inevitável que o pontificado de Jorge Mario Bergoglio tivesse impacto sobre a maior das questões teológicas: o "quem é" de Deus. Esse é o elemento de origem do qual tudo resulta: a eclesiologia, a moral, a política. É exagerado dizer que Francisco (como Francisco) reabriu a questão de Deus".
O artigo é de Mariano Borgognoni, publicado por Rocca, nº 15, 01-08-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo o teólogo leigo italiano, "por outro lado, a Igreja nasceu dela: Jesus reabriu a questão de Deus, fez a exegese dela (João 1, 18). Em seu séquito, Francisco (como Francisco) volta a colocar a ponta do compasso no coração da fé, consciente de que Deus sempre foi também um lugar de mal-entendidos e que na história da Igreja há momentos importantes em que se impõe a reatualização de uma hermenêutica evangélica. que volte a revelar sua face paradoxal e desconcertante da misericórdia, que é acima de tudo solidariedade com todos os crucificados e os "náufragos da história" E é essencial que seja a primeira e última palavra do vocabulário dos cristãos; no meio está toda a liberdade, a autonomia e a laicidade das mulheres e dos homens de fé, na companhia de todos os outros homens".
Mariano Borgognoni, é formado em Sociologia e Teologia, doutor em Teologia Fundamental pela Faculdade Teológica da Itália Central, ensina Filosofia e Ciências Humanas no Liceu Clássico Properzio de Assis e Teologia e Sociologia das Religiões no Instituto Teológico de Assis e no Instituto Superior de Ciências Religiosas - ISSRA. Foi presidente da Provincia di Perugia e vicepresidente da região Umbria.
A intervenção do Papa Francisco no dia 21 de junho na Faculdade Teológica da Itália Meridional em Nápoles representa, juntamente com o Proêmio à Constituição Apostólica Veritatis Splendor sobre a Universidade e as Faculdades Teológicas, um extraordinário e corajoso ponto de referência para a futuro da pesquisa teológica e, de maneira mais geral, para a organização de estudos nas Faculdades Teológicas e nos Institutos Superiores de Ciências. Não seria errado, no entanto, acreditar que essas intervenções não falem apenas aos teólogos, professores e estudantes das academias, mas ao conjunto dos católicos de vários tipos engajadas na vida da Igreja e inseridos no complexo tecido das sociedades contemporâneas para que mantenham seus ouvidos bem em contato com a terra, para escutar (quase auscultar) suas perguntas e compartilhar suas feridas e esperanças no poliedro do mundo. Naturalmente, toda intervenção do Papa, devido à natureza universal do papel, descarta de saída a complexidade da recepção em mundo cujas culturas são profundamente diferenciadas e em uma realidade eclesial marcada, por sua vez, pela encarnação concreta em uma rede diferenciada por fortes conotações específicas.
E, aliás, esse pluralismo, esse poliedro para usar um termo caro a Francisco, marca sociedades cada vez menos homogêneas e cada vez mais articuladas dentro de si mesmas. Mas esta é a carne a partir da qual surgem perguntas sempre novas e que exigem respostas que a cada oportunidade justificam a esperança que está em nós, gestis verbisque, com as palavras e um estilo de vida comunicáveis e compreensíveis.
Certamente o discurso sobre Deus (a teologia) está dentro de uma tradição longa, articulada e diferenciada e, a partir dela, a fé deve ser pensada e repensada. A tradição está no caminho vivo da Igreja: “Muitas vezes pensamos na tradição como um museu. Não! (...) Gustav Mahler dizia: a tradição é a garantia do futuro, não o guardião das cinzas. Vivemos a tradição como uma árvore que vive e cresce". Sem enraizamento na tradição, nenhuma novidade é criada, mas mais frequentemente se descobrem "novas" velhíssimas novidades. Somente a partir de dentro é possível oferecer o ancoradouro para as transformações necessárias, sobre as quais outras gerações poderão fazer florescer seu próprio testemunho de vida e pensamento. Nesse percurso o Papa, mais uma vez, convida ao aprofundamento e à perseverança, sem a pressa dos fogos fátuos: "trata-se de iniciar processos, não ocupar espaços". Quase sempre a rapidez habita a superfície e apenas arranha a crosta da realidade sem modificá-la. Nesse sentido, o esforço de discernimento dos sinais dos tempos é decisivo: quão oportuno e concreto foi João XXIII ao identificá-los no surgimento da questão feminina, na vontade de justiça do mundo operário, na emancipação do colonialismo como condição da pacem in terris! É necessário, diz o papa Bergoglio, "apreender qual luz cristã ilumina as dobras da realidade e quais energias o Espírito do Crucifixo Ressuscitado está despertando, a cada oportunidade: aqui e agora". Nessa direção, o Papa indica quatro critérios de "renovação sapiente e corajosa que é exigida pela transformação missionária de uma Igreja em saída".
Um verdadeiro Pentecostes teológico, isto é, a capacidade de falar de Deus, do Reino, da revelação que fez Jesus de Nazaré, na língua das mulheres e dos homens de hoje, das perguntas que se fazem, do desejo de plenitude que habita neles. Mesmo nas profundezas que não conseguimos facilmente desvendar. Era inevitável que o pontificado de Jorge Mario Bergoglio tivesse impacto sobre a maior das questões teológicas: o "quem é" de Deus. Esse é o elemento de origem do qual tudo resulta: a eclesiologia, a moral, a política. É exagerado dizer que Francisco (como Francisco) reabriu a questão de Deus? Por outro lado, a Igreja nasceu dela: Jesus reabriu a questão de Deus, fez a exegese dela (João 1, 18). Em seu séquito, Francisco (como Francisco) volta a colocar a ponta do compasso no coração da fé, consciente de que Deus sempre foi também um lugar de mal-entendidos e que na história da Igreja há momentos importantes em que se impõe a reatualização de uma hermenêutica evangélica. que volte a revelar sua face paradoxal e desconcertante da misericórdia, que é acima de tudo solidariedade com todos os crucificados e os "náufragos da história" E é essencial que seja a primeira e última palavra do vocabulário dos cristãos; no meio está toda a liberdade, a autonomia e a laicidade das mulheres e dos homens de fé, na companhia de todos os outros homens.
Portanto, os quatro critérios, coerentes com as premissas e a partir dos quais depende uma reorganização radical, mas dificultosa e não óbvia dos estudos nas Faculdades Teológicas, capazes de ir além da apologética dos manuais, filha nobre e às vezes grandiosa de outra época, são: a escuta, o diálogo, a interdisciplinaridade e a rede.
A escuta é principalmente ouvir o Evangelho de Jesus, ouvi-lo no âmbito de nós como Igreja que sai de si mesma, segundo a sua natureza mais autêntica (quem perde a própria vida, a salva). Uma escuta que é, acima de tudo, ouvido aberto à palavra de Deus assume o clamor que vem dos pobres da terra. O Senhor é principalmente goel, libertador, que se encarrega das razões de sua esperança em um mundo mais justo e fraterno, portanto mais feliz para todos. Rezar e combater pela justiça pode ser faces da mesma moeda, para evitar o risco sempre presente de estetizar o sofrimento e a pobreza sem combatê-los.
O papa pede "diálogo em todos os aspectos". Não um diálogo entre surdos, mas baseado na capacidade de escutar as questões que surgem da realidade, mesmo das periferias sociais e das periferias do pensamento. Não se deve responder às perguntas que ninguém faz. Não, precisamos dialogar entre nós, com nossos parceiros de outras religiões e crenças, com o mundo laico, com os jovens que cada vez mais se afastam da prática religiosa, mesmo mantendo uma forte reserva espiritual, com as mulheres colocadas às margens da igreja e da teologia, mas que, ousaria dizer, estão entre os poucos sujeitos da cultura cristã aptos a oferecer uma verdadeira contribuição, um novo ponto de vista sobre Deus, capaz de apreendê-lo como matriz e acolhimento, além de determinações inevitavelmente masculinas da imagem de Deus historicamente sedimentadas na abordagem teológica predominante.
O diálogo é um esforço sério e exigente de compreensão das razões dos outros e de apropriação, aprofundamento e eventualmente mudança de nossas posições. Também, quando é necessário o reconhecimento dos nossos erros. O diálogo é também uma renúncia ao "estilo de conquista" e uma vida fraterna de partilha e de mansidão. É uma decidida colocação no centro de todos aqueles esforços, até então periféricos na teologia e também na organização dos estudos que alimentaram o diálogo ecumênico com o conhecimento dos tesouros intelectuais, espirituais e teológicos presentes nas outras denominações cristãs, no diálogo judaico-cristão, no diálogo cristão-islâmico, nos diálogos monásticos entre o Ocidente e o Oriente hindu e budista. Esse esforço capilar e às vezes subterrâneo, feito também de tantas experiências de vida concretas e amizade, alimentado pelo impulso conciliar e presente há muito tempo de forma profunda na vida da Igreja, hoje é chamado para colocar em fruto as energias e experiências amadurecidas ao longo do tempo.
É muito interessante a passagem de Francisco sobre "a não-violência como horizonte e saber do mundo, ao qual a teologia deve olhar como seu elemento constitutivo". A não-violência que não é rendição ou diplomatização, basta pensar em dois nomes que o Papa indica como referência: Martin Luther King e dom Peppino Diana.
O caráter interdisciplinar da pesquisa teológica e a dimensão de rede são as condições para o desenvolvimento de uma "apologética original". Uma razão que habita a fronteira, o limiar, a ponte, o nó, como lugares privilegiados do confronto, do desenvolvimento das ideias, de criatividade.
Por outro lado, isto também foi fisicamente, e mais culturalmente, o caminho do cristianismo em seu encontro com línguas, culturas, medos, esperanças e expectativas do mundo. Para habitar a fronteira e para compreendê-la é preciso tantas sondagens: as dos diferentes ramos da teologia e também das diferentes escolas teológicas, plurais desde o começo, basta pensar em algumas cartas de Paulo e a de Tiago e até na Idade Média profunda caracterizada por disputationes entre diferentes teses; aquelas do pensamento filosófico; aquelas do direito; aquelas relacionados com a abordagem das ciências humanas. Mas acima de tudo, existe a exigência de que esses saberes saiam de sua separação e, ao interagir, deem origem a uma compreensão autêntica da realidade e a uma expressão de fé através de categorias, conceitos e linguagens que cheguem até a mente e o coração de nossos contemporâneos. Nesse confronto, corpo a corpo, ad intra e ad extra, deve-se prosseguir com liberdade.
"Entre os estudiosos, deve-se prosseguir com liberdade, depois, em última instância, será o magistério que dirá algo, mas não é possível fazer uma teologia sem essa liberdade". A única recomendação do Papa Francisco é assim explicitada: "na pregação, por favor, não ferir a fé do povo de Deus". Essa recomendação, em seu tom e conteúdo, também deve ser aceita com inteligência. Seu significado parece transparente: colocar um limite metodologicamente apropriado à pretensão intelectualista de um saber completo e fechado (para um saber aberto e incompleto como o chama o Papa) e ter cuidado com aquela primazia do tempo que conhece e respeita os ritmos do amadurecimento do coisas novas e autênticas na consciência dos homens.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Por um pentecostes teológico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU