Não peçamos que as fotografias façam o que nós deveríamos fazer. Mudar a política

Foto: Vatican News

Mais Lidos

  • “A América Latina é a região que está promovendo a agenda de gênero da maneira mais sofisticada”. Entrevista com Bibiana Aído, diretora-geral da ONU Mulheres

    LER MAIS
  • A COP30 confirmou o que já sabíamos: só os pobres querem e podem salvar o planeta. Artigo de Jelson Oliveira

    LER MAIS
  • A formação seminarística forma bons padres? Artigo de Elcio A. Cordeiro

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

27 Junho 2019

"Deveríamos colocar em nossas cabeças que a política muda de ideia apenas quando lhe convém e, no máximo, usa fotos como pretexto e desculpa, quando lhes convém. Não peçamos que as fotografias façam o que nós deveríamos fazer. Mudar a política."

O comentário é de Michele Smargiassi, jornalista italiano, apaixonado pela história e cultura da imagem, publicado por La Repubblica, 26-06-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o comentário.

Outra foto que "indigna as consciências", outra foto que "muda as escolhas políticas". Outra foto que não o fará. Oscar Alberto Martinez e sua filha Angie Valeria estão de rosto para baixo na água barrenta do Rio Grande, como Aylan Kurdi estava naquela cor de esmeralda do mar Egeu. Falou-se sobre essa foto que ela mudou a política europeia em relação aos migrantes.

É muito fácil, anos depois, concordar com Abdullah Kurdi, pai do pequeno Aylan, quando disse que a retórica sobre a fotografia de seu filho afogado era vazia, "os políticos disseram nunca mais, mas as pessoas continuam a morrer e ninguém faz nada”. A prova é o horrendo retorno daquela morte icônica. Deveríamos colocar em nossas cabeças que a política muda de ideia apenas quando lhe convém e, no máximo, usa fotos como pretexto e desculpa, quando lhes convém. Não peçamos que as fotografias façam o que nós deveríamos fazer. Mudar a política.

Oscar Alberto estava com medo de perder Angie naquela confusão. Ele literalmente tinha enfiado a menina dentro de sua camiseta. Ele ainda a abraça. Ela veste shorts vermelhos e sapatos, talvez com velcro como os de Aylan. A história se repete em farsa, mas os ícones se repetem em ferocidade. Centenas morrem ao longo daquela fronteira. Alguém escreveu que a morte é um assunto privado. Mas Oscar Alberto e Angie não morreram de um acidente de natação, morreram tentando escalar um muro construído pela política. Não há fato mais público do que a morte de um migrante morto pelo muro que o repele.

Que pelo menos não se peça para censurar a imagem. Por medo do que possa fazer para nós. Vamos nos perguntar o que poderíamos fazer para evitar outras imagens como esta. Uma tarja preta aparece nas mídias sociais quando você tenta compartilhar a foto: "Atenção! Esta imagem poderia ferir sua sensibilidade!” Vamos esperar que o faça. Que a fira muito, mas muito, que a faça sangrar. Melhor os pesadelos que provoca ter visto esta fotografia, do que aqueles que podem ocorrer por tê-la ignorado.

Leia mais