22 Mai 2019
As palavras do Papa Francisco, dirigidas aos bispos italianos, sobre o "boicote" da reforma do processo matrimonial da declaração de nulidade não surpreendem. Tanto porque tinha ficado claro, já em agosto de 2015, que o mundo dos canonistas não havia digerido a iniciativa e a velocidade de sua realização. Tanto porque a lógica da "simplificação" contrasta com um mundo que - também pelas necessárias exigências de justiça - produz "complicações" em abundância.
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Justina, em Pádua, em artigo publicado por Come se non, 21-05-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em suma, mesmo na pequena horta do "processo matrimonial", acontece o que aconteceu com a Evangelii Gaudium após 2013, ou com a Gaudium et Spes depois de 1965: de um lado a abertura para uma mudança, pelo outro o fechamento e inércia do modelo anterior. É óbvio que a inércia, especialmente no mundo eclesial, mas não apenas nele, é uma força poderosa. Mas não é apenas inércia. É também uma omissão, explícita e direta. Eu ouvi falar de um caso que pode parecer cômico, mas que também deve fazer pensar.
Em uma diocese italiana, diante da vontade de ativar um "processo breve", foi oposta uma razão muito banal, mas insuperável: ainda não havia sido estabelecido, pelo órgão competente, o montante da taxa a ser paga. "Até que tenhamos os boletos para o pagamento, o procedimento não pode começar." Assim é possível esperar por anos ... Enquanto isso, é melhor escolher o "caminho longo", garantido, ao invés de esperar por um "caminho curto" cheio de armadilhas.
Mas esse é apenas um pequeno caso marginal. A questão é muito maior e nem sequer diz respeito apenas ao "processo breve". É claro que esta é uma inovação importante, que deveria ser implementada o mais rápido possível. Mas isso ainda incidiria, mesmo quando fosse perfeitamente aplicada, em um número muito limitado de casos, precisamente por causa das condições excepcionais de "não conflitualidade" e de "evidência da prova" que requer. As próprias condições, que dão direito de acessar o processo breve, a tornam um fato excepcional. Mas é significativo que o boicote também atinja um plano de reforma que altera apenas parcialmente o "sistema processual" em questões matrimoniais.
Na realidade, é preciso reconhecer que a iniciativa do Papa, ocorrida há quatro anos na pausa entre o Sínodo Extraordinário e o Sínodo Ordinário sobre a Família, em 2015, abriu uma "fresta" no sistema processual, à qual não se pode remediar apenas no plano processual. Se, de fato, lemos juntos o duplo evento da Reforma do Processo, com o Motu Proprio Mitis Iudex, e da Exortação Apostólica Amoris Laetitia, publicada 10 meses depois, compreendemos perfeitamente que em jogo não estão apenas os procedimentos, mas o direito substancial.
A mudança de mentalidade e perspectiva, que esses dois documentos exigem, implica um "processo de recepção" que inevitavelmente terá que passar por um profundo repensamento do direito canônico matrimonial. No qual terá que entrar não só a "estipulação do vínculo", mas também a sua "história". De fato, o que Amoris Letitia introduziu, saindo do modelo do direito matrimonial do século XIX, é a ideia histórica e escatológica de matrimônio. Uma Igreja que caminha em direção ao ideal matrimonial, que não está no começo, mas no final, pensa o matrimônio de maneira nova, mais realista e, ao mesmo tempo, mais exigente. Torna-a uma questão de vocação antes que de lei.
Por essa razão, uma adaptação do direito substancial mudará o processo matrimonial não apenas porque "pode prever um processo breve", mas porque redimensionará a própria ideia de "processo de declaração de nulidade". Este ponto é decisivo, em face do qual não há boicote, mas remoção. Depois de Amoris Laetitia é a própria ideia de processo de declaração de nulidade que sofre uma releitura bastante profunda e que mostra os limites intrínsecos da instituição jurídica da nulidade, quando considerada em si, breve ou longo que for o procedimento para acertá-la.
Tentemos explicar melhor: o processo de nulidade, como instituição que remedia não um "vício de consenso", mas uma "crise" e um "fracasso" do matrimônio, não responde mais às exigências do povo de Deus. É um instrumento que foi aperfeiçoado pela perícia dos juristas medievais e modernos. Nos últimos 100 anos, essa instituição foi obrigada a cobrir casos cada vez mais amplos, ao custo de forçar cada vez mais suas categorias de implantação. Hoje chegamos, razoavelmente, ao momento em que é necessário preparar, ao lado dele, um instrumento diferente, que possa constatar não a nulidade originária, mas o fracasso histórico de um vínculo.
Sem questionar a indisponibilidade do vínculo, mas constatando, na realidade, sua frangibilidade. O casamento indissolúvel não é infrangível.
Por isso hoje, as causas de nulidade, seguindo uma realidade que lhes escapa, são cada vez mais forçadas a recorrer a ficções. Tal prática jurídica já atingiu limites de mistificação que não são mais toleráveis. A reforma começou com o procedimento, mas deve chegar à substância.
Não é suficiente um processo breve, é preciso um processo diferente. Para o qual torna-se necessário o aporte decisivo de canonistas dotados de inquietude na relação com a realidade, de sentido de incompletude do sistema jurídico e de imaginação ao configurar soluções alternativas. Como fez a Igreja 100 anos atrás, escrevendo o Código de Direito Canônico, devemos projetar uma solução jurídica à altura da vida dos batizados e das batizadas de nosso tempo.
Tentar fazer frente à realidade com ferramentas antigas é uma maneira de complicar ainda mais questões que, já em si mesmas, são tudo menos que simples. Boicotar o início dessa reforma é um sinal da distância que separa boa parte do mundo jurídico católico daquela realidade familiar complexa, a cujo serviço deveria exercer o seu ministério.
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Sobre a nulidade: boicotar o pouco ou reformar o muito? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU