19 Março 2019
Em busca de mais informações, clareza e transparência na proposta apoiada pelo governo do Paraná, que prevê a construção de um porto privado em frente à Ilha do Mel, no litoral do Estado, no município de Pontal do Paraná, e de uma rodovia que, só para ser feita, derrubaria cinco milhões de metros quadrados de Mata Atlântica em bom estado de conservação, mais de 20 organizações que trabalham pela conservação da biodiversidade e instituições de pesquisa se uniram e criaram a campanha #SalveAIlhaDoMel.
A reportagem é publicada por Conexão Planeta, 27-02-2019.
O movimento busca estimular a população a exigir, por meio do site da campanha, esclarecimentos do poder público sobre o modo duvidoso e antidemocrático com que a viabilização de um gigantesco complexo industrial em Pontal vem sendo defendida. Até agora, mais de 210 mil e-mails já foram enviados pela sociedade.
Entre os apoiadores da causa, então nomes como SOS Mata Atlântica, Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), Observatório de Justiça e Conservação (OJC) e até a norte-americana, Sea Shepherd. A instituição é mundialmente conhecida pelos confrontos que trava contra navios noruegueses e japoneses caçadores de baleias e golfinhos nas águas geladas do Oceano Ártico. Uniu-se ao grupo, por entender o grande impacto dessas propostas que, até agora, não foram devidamente debatidas com a sociedade.
No site da campanha, um vídeo também denuncia a manobra, conduzida por representantes do governo do Paraná, para aprovar a licença de construção da chamada “Faixa de Infraestrutura” – que inclui a nova rodovia e um canal de dragagem.
A manipulação desconsiderou um pedido de vista feito por membros do Conselho de Desenvolvimento Territorial do Litoral Paranaense (COLIT), entre eles, um representante da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Eles pediam vista defendendo que mais de 100 questionamentos da sociedade civil sobre os impactos sociais e ambientais causados pelas obras ainda não haviam sido respondidos. Por ser um direito previsto no regimento interno do COLIT, o pedido chegou a ser aceito, mas pouco tempo depois, acabou cassado de modo opressor e ilegal.
Do modo como estão sendo propostas, as obras gerariam prejuízos incalculáveis e irreversíveis à região. Mais de 170 danos socioambientais foram listados pelos Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) feitos para a construção do porto e da Faixa de Infraestrutura, entre eles, a diminuição da qualidade de vida da população, a inibição de novos investimentos em turismo devido às atividades portuárias, redução da disponibilidade de água subterrânea de boa qualidade, contaminação dos recursos pesqueiros, maior ocorrência de problemas de saúde, aumento da criminalidade e até, do trabalho e da prostituição infantil.
A piora das condições de trafegabilidade na região em função do maior número de caminhões é outro dano reconhecido pelas análises. Na operação do novo porto, milhares de contêineres precisariam ser transportados e, para cada contêiner, seria necessário um caminhão. No próprio relatório técnico, estima-se a previsão de 138.240 viagens de caminhões por ano ou, aproximadamente, 388 por dia. Um volume elevadíssimo de carga pesada para uma estrada de pista simples e que também teria a prometida função de atender a veranistas e pontalenses.
“A estrada está sendo vendida à população como a solução para os congestionamentos que predominam na PR-412, que dá acesso a Pontal do Paraná. O que não está sendo considerado, no entanto, é que a nova rodovia proposta seria de pista simples, como a PR-412, e sua construção tem como maior objetivo avalizar, como condicionante dos órgãos ambientais, o licenciamento do porto privado e do conjunto de outras empresas ligadas ao pré-sal”, lembra o diretor do Observatório de Justiça e Conservação, Giem Guimarães. “Certamente, haverá ainda mais trânsito e congestionamentos caminhões de carga para a população local enfrentar”, completa.
Só a construção da Faixa de Infraestrutura vai ter custo de R$ 369 milhões. Depois, seriam feitos, ainda, um gasoduto, uma ferrovia e uma linha de transmissão de energia. Fala-se até da possível instalação de uma termelétrica no local. Toda essa estrutura para atender ao novo porto privado, construído muito próximo do porto estadual de Paranaguá, onde existem condições amplas de expansão e melhor aproveitamento de sua capacidade logística.
A localização pretendida para o porto é em frente – mais especificamente a 3 km – da Ilha do Mel, o segundo local turístico mais visitado no Paraná, atrás apenas do Parque Nacional do Iguaçu, e um “Patrimônio da Humanidade” reconhecido pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). O mesmo título também já foi concedido pela organização a Fernando de Noronha, um dos destinos mais procurados e valorizados do Brasil. Com a proximidade da Ilha e diante dos prejuízos ambientais gerados ao entorno, haveria risco de a perda do reconhecimento por parte da UNESCO ocorrer.
A empresa acionista-majoritária da construção do porto é o Grupo JCR, do empresário João Carlos Ribeiro. Ele também é dono de outras corporações e atua no ramo imobiliário na região há décadas. Empresas como Techint, a construtora Odebrecht, a Melport Terminais Marítimos (controlada da Cattalini) e a Subsea 7 também têm interesses diretos na viabilização do complexo industrial.
Além de estarem envolvidas em sérias denúncias de corrupção – a exemplo da Odebrecht – corporações como a Cattalini carregam um histórico nada positivo na região. O navio Vicuña, que explodiu três vezes e afundou em 15 de novembro de 2004, causando pânico na população, danos a residências próximas, sérios prejuízos financeiros a pescadores e a morte trágica de incontáveis animais, era da Cattalini.
O acidente foi causado durante a operação de descarga de onze mil toneladas de metanol. Camila Domit, bióloga e pesquisadora da UFPR, trabalhou no resgate da fauna depois da explosão recorda o drama do que viu. “Muitas tartarugas e mamíferos foram encontrados já mortos e encalhados nas praias com óleo na parte interna da boca e orifício respiratório, no caso dos golfinhos. Também achamos muitas aves com os corpos tomados de óleo e peixes agonizando, com óleo nas brânquias. Foi uma das situações mais tristes que já vivemos”.
Após o incidente, dúvidas sobre o cumprimento efetivo das indenizações e compensações que a Catallini foi obrigada a fazer ainda permanecem e os prejuízos da explosão do navio à biodiversidade e à sociedade são tão grandes, que se tornam impossíveis calcular. “A chegada de mais um porto na região, com novos e maiores navios, é inegável, aumenta significativamente a chance de que tragédias parecidas com aquela voltarem a ocorrer”, lembra Camila.
De tão grandes, são impossíveis de calcular os prejuízos causados pela explosão do Vicuña em 2004. Até hoje, a efetividade das compensações ambientais que foram feitas gera muitas dúvidas.
As obras expulsariam comunidades tradicionais que ocupam a região há séculos. No contato com elas, são comuns relatos de ameaças de grileiros e funcionários dos maiores interessados na viabilização das obras para que deixem o lugar onde vivem. Com os prejuízos que vai gerar à fauna marinha, o complexo industrial também comprometeria até mesmo a pesca artesanal, de subsistência.
Outra possibilidade que precisa ser levada em conta é a chance real de, depois de finalizado, o Porto Pontal ser vendido a corporações estrangeiras. Os chineses, por exemplo, há anos já viram no litoral do Paraná oportunidades de lucro fácil. A gigante CMPORT, por exemplo, uma das maiores operadoras de terminais de contêineres do mundo, é grande interessada na compra de portos no Estado.
De acordo com Glavio Leal Paura, professor da Universidade Positivo (UP) e especialista em trânsito, logística de estradas e planejamento de cidades, é contraditório e questionável que “um projeto que acumula incoerências relativas a questões básicas de engenharia de trânsito e logística vá adiante”.
“O inchaço populacional, os impactos ambientais e a utilização além da conta da infraestrutura local provocados pelo porto também trariam desvalorização imobiliária para muitos proprietários, além do aumento da criminalidade, como, infelizmente, ainda ocorre na vizinha Paranaguá”, explica.
Para o diretor-executivo da SPVS, Clóvis Borges é fundamental alertar a sociedade para que faça resistência à proposta de construção desse complexo industrial no litoral do Paraná, que pretende ser aprovado às pressas, sem considerar a opinião da sociedade.
Para ele, permitir que esses empreendimentos sejam viabilizados é ser conivente com verdadeiros crimes contra a sociedade e a natureza. “Não podemos consentir com a destruição de um patrimônio natural com características tão únicas, assistindo sem reação a perda de ambientes naturais protegidos por lei e colocando em risco espécies raras. É preciso fazer frente a propostas abusivas e exigir investimentos sérios e planejados em turismo para a região”, defende.
“Infelizmente, a história revela, não são incomuns tentativas que envolvem alternativas abusivas de empreendimentos de alto impacto social e ambiental sejam expostas como a salvação para todos os problemas”, conclui.
A licença prévia e o licenciamento ambiental da Faixa de Infraestrutura estavam suspensos até o dia 12 de fevereiro, quando, após solicitação do Governo do Paraná, o ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) derrubou a liminar que suspendia o licenciamento concedido pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP) para a construção da Faixa de Infraestrutura, em Pontal do Paraná.
Em novembro de 2018, o desembargador Cândido Alfredo Leal Júnior, do Tribunal Regional Federal da 4ª região (TRF4), havia concordado com os argumentos do Ministério Público do Paraná (MP-PR) – que apontava diversas nulidades no caso – e suspendido a concessão para a licença e a abertura dos licenciamentos. Isso para “evitar a ocorrência de danos ambientais e prejuízos às comunidades envolvidas (inclusive indígenas) e ao erário”, que se refere às finanças públicas.
A decisão do dia 12 foi mais uma amostra de que a opinião da sociedade não está sendo considerada no processo. Mais de 210 mil e-mails já foram enviados pela população ao poder público, que não retornou com mensagens de consideração. Mas continua a responder com condições como essa.
O que a campanha #SalveAIlhaDoMel pretende é reforçar a ideia de que a sociedade não pode permitir que interesses individuais predominem sobre os coletivos, nem aceitar discursos de “ganância disfarçada de desenvolvimento”.
Para entender melhor a polêmica e enviar um e-mail a representantes do Governo do Paraná sobre o abuso que representa a situação, acesse aqui.
A campanha #SalveAIlhaDoMel lançou, em dezembro de 2018, uma linha de camisetas e ecobags para dar fôlego às ações e incremento de recursos a novos trabalhos conduzidos pelo movimento – na área jurídica, de comunicação e parcerias estratégicas, por exemplo -, que busca conscientizar a opinião pública sobre os riscos e prejuízos que seriam causados ao litoral do Paraná, caso o complexo industrial portuário se instale em Pontal.
São camisetas e Ecobags com duas opções de ilustrações diferentes, disponíveis em algodão cru (produzidas com mínimo impacto ambiental) ou pretas. Elas são feitas com algodão orgânico e 100% certificado.
Toda renda obtida com a venda dos produtos será dedicada ao apoio de novas ações favoráveis à conservação e proteção dos patrimônios natural e cultural, tremendamente ameaçados pela possibilidade de construção do complexo. Parte dos recursos também vai ser destinada a ações em benefício da comunidade e de crianças da Ilha.
A expectativa da campanha é de que televisores, projetores e outras necessidades das escolas locais possam ser atendidas com esses recursos. As opções podem ser conhecidas no site da campanha.
Os produtos já podem ser encontrados em Pontal do Paraná, na loja FOLKS, em Nova Brasília, nas lojas, BeeHouse, Pousadinha, Pousada das Meninas, Pousada das Gêmeas, Pousada Treze Luas e no Canto da Vó Maria e, na Encantadas, na Pousada Fim da Trilha.
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Paranaenses pedem proteção da Ilha do Mel e condenam construção de agressivo complexo industrial no litoral do estado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU