23 Fevereiro 2017
"O que está oculto na boa vontade de nossos representantes é que a estrada viabiliza um porto e indústrias petrolíferas. Esta é uma condição imposta pelos grupos econômicos para levar adiante os projetos portuários e industriais na região, mas que não se traduzirá em desenvolvimento local, entendido como melhoria da qualidade de vida. Talvez para uma minoria, mas não para a comunidade. E sem todos esses itens, o investimento da estrada não é factível nem interessa ser realizado pelo Governo do Paraná. Por isso, que a demanda dos moradores e veranistas até hoje nunca foi atendida por nossos representantes. Vale ressaltar que este tipo de indústria é relativamente instável, e Pontal do Paraná já conhece esta realidade, em um ano o setor realiza contratações, mas no outro, demite quase a totalidade ou mesmo desativa os empreendimentos. E aí, qual destino dos trabalhadores? É fundamental que haja uma profunda ponderação da sociedade sobre o que realmente está em jogo com a boa intenção do Governo do Paraná", escrevem Dailey Fischer, Junior Ruiz Garcia e Clóvis Ricardo Schrappe Borges*, em artigo publicado por EcoDebate¹, 22-02-2017.
Eis o artigo.
No dia 23 de janeiro de 2017 foi realizada audiência pública em Pontal do Paraná para discutir a instalação da Faixa de Infraestrutura, que inclui, nesta fase, obras no canal de drenagem e a construção de uma nova estrada no interior do continente, ao custo total de R$ 369 milhões, incluindo as desapropriações. O objetivo apresentado pelo Governo do Paraná, responsável pela obra, seria acabar com os congestionamentos da temporada, suposta redenção para os veranistas e moradores de Pontal. Contudo, conforme divulgado no RIMA – Relatório de Impacto Ambiental da Faixa de Infraestrutura, apenas parte dos recursos necessários para a execução da obra está previsto no Orçamento do Paraná. Na Proposta de Lei Orçamentária Anual do Governo do Paraná, exercício 2017, consta na página 457 a previsão de apenas R$ 46.872.000 para a implantação de infraestrutura viária de acesso à zona especial portuária de Pontal do Paraná, representa 12,7% do montante requerido para realização do projeto. Considere que o prazo para construção da rodovia e do canal de drenagem está estimado em 24 meses.
Cabe destacar que não há informação sobre como será realizado o financiamento do restante da obra.
Apesar da proposta não apresentar a origem de todo o financiamento, cabe destacar que em tempos de crise fiscal, de onde vem tanta disponibilidade política e orçamentária para atender a demanda dos veranistas? Seriam moradores e veranistas tão influentes a ponto de garantir milhões de reais em meio a uma crise fiscal para uma solução definitiva do estrangulamento da atual estrada, a PR-412? Essa situação fica mais intrigante quando consideramos que o Governo do Paraná suspendeu os aumentos nos salários dos professores acordados justamente por falta de recursos. Quando a esmola é demais, o santo desconfia. A “música” tocada no início da divulgação para vender a proposta da nova estrada era atender a demanda dos moradores e veranistas em relação à mobilidade, omitindo uma mudança radical do perfil da região. O que realmente está em jogo é o início de um processo para tornar Pontal do Paraná um movimentado porto, atrelado a indústrias poluidoras associadas à exploração de petróleo. o Governo do Paraná revelou que o objetivo da nova estrada é para atender os empreendimentos portuários e industriais previstos para Pontal do Paraná.
Isso significa que a nova estrada não será construída para atender a antiga demanda dos moradores e veranistas, mas sim para atender as condições impostas por grupos econômicos interessados em explorar os recursos naturais e os baixos salários praticados na região. Desse modo, a nova estrada receberá intenso e permanente tráfego de caminhões para atender a um complexo industrial-portuário fonte de poluição química, desmatamento e degradação ambiental e social a partir da precarização da ocupação urbana, violência entre outros. Segundo estimativas apresentadas no RIMA do Porto Pontal Paraná, o fluxo previsto de caminhões será de 200.995 caminhões por ano ou 550 caminhões por dia, considerando taxa de retorno de 80%. Se nem a manutenção adequada da PR-412 tem sido realizada, qual a garantia de que a nova estrada terá sua devida manutenção? Os estudos de tráfego apresentados no EIA da Faixa de Infraestrutura previram oito faixas de tráfego, quatro na nova rodovia e quatro com a duplicação da PR-412, isso nos seus dois primeiros trechos, os demais contariam com seis faixas, sendo quatro na nova rodovia e duas na PR-412, mantida a partir do trecho 3 em pista simples. No entanto, diante da falta de recursos, o Governo do Paraná cogita construir uma rodovia de pista simples e manter a PR-412 como está.
Conforme o próprio estudo de tráfego apresentando no EIA, essa não seria a solução para os problemas de mobilidade de moradores e veranistas na alta temporada. Como uma pista simples atenderia o aumento no fluxo de caminhões, de veranistas e de moradores sem a ocorrência dos tradicionais problemas de mobilidade?
Cabe destacar que o efeito imediato das notícias das intenções de investimento em Pontal do Paraná pode contribuir para um aumento no fluxo migratório no curto prazo, apenas em função do falso atrativo de novos empregos vinculados as indústrias e ao Porto. Estima-se que serão empregados na construção de Faixa de Infraestrutura apenas 500 trabalhadores por um período máximo de 24 meses. Depois da construção, qual será o destino desses trabalhadores?
Diante da relação entre os empreendimentos, e dado que o objetivo apresentado pelo Governo do Paraná é o desenvolvimento econômico de Pontal do Paraná, o mais correto seria a realização de um estudo sinérgico para avaliar os impactos sociais e ambientais da construção e operação da nova estrada, do Porto, das indústrias e da expansão urbana em função do fluxo migratório. Será que os benefícios para moradores e veranistas serão maiores que os custos sociais e ambientais impostos pela proposta de desenvolvimento do Governo do Paraná? Neste sentido, usar a antiga demanda local apenas para viabilizar a construção da Faixa de Infraestrutura, talvez em pista simples, apenas para atender as condições impostas por grupos econômicos em um momento de crise fiscal é uma postura que amarga a fútil sensação de que a comunidade local e os veranistas aceitaram o cavalo de troia. Apenas para ilustrar a analogia, no RIMA são apresentados os impactos sociais e ambientais decorrentes da construção e operação da rodovia e do canal de dragagem. O RIMA apresenta pelo menos 33 impactos negativos (ver quadro a seguir) e, destes, 25 são impactos ligados à operação da Faixa de Infraestrutura, portanto, impactos permanentes!
Vale ressaltar que esse conjunto de impactos negativos sociais e ambientais reconhecidos no RIMA representa o custo para a comunidade local e para os veranistas terem acesso ao suposto desenvolvimento defendido pelo Governo do Paraná e pelos investidores. No entanto, nos parece contraditório uma proposta de desenvolvimento regional impor um amplo conjunto de impactos negativos, ou custos, em nome da melhoria da qualidade de vida da comunidade local e dos próprios veranistas. O desenvolvimento deveria ser sinônimo de melhoria na qualidade de vida das pessoas. Mas será este o entendimento do Governo do Paraná e dos investidores? Infelizmente não, para o Governo do Paraná e investidores o desenvolvimento é entendido apenas como o aumento do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, um benefício puramente econômico. Acontece que o aumento do PIB não se converte automaticamente em ações que possam melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Apenas para ilustrar esta situação, o PIB per capita (PIB dividido pela população total da região) de Paranaguá em 2014, última informação disponível no IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), era R$ 42.192 (média mensal de R$ 3.516), mas o salário médio mensal era R$ 2.316. Isto ocorre, porque temos uma distribuição desigual do PIB para a população, resultado da desigualdade. O Coeficiente de Gini de Paranaguá era 0,52 em 2010 (Atlas Brasil). Desse modo, esse amplo conjunto de impactos negativos representaria o custo necessário para o aumento do PIB de Pontal do Paraná, que não significa, em absoluto, garantia de melhoria da qualidade de vida.
Outro aspecto importante é que o objetivo do Governo do Paraná é atender as condições impostas pelos grupos econômicos, o problema relacionado aos congestionamentos de temporada poderá não ser resolvido, já que a nova estrada estará prestando seus serviços ao pesado fluxo de caminhões que atenderá as indústrias. Vale recordar que o Governo do Paraná cogita construir uma rodovia de pista simples em função da falta de recursos! Como a construção e operação da estrada, segundo o RIMA, aportará mais de 30 impactos negativos para a comunidade local e para os veranistas, será que vale a pena correr esse risco? Desse modo, estamos sendo enganados pela ambição isolada de grupos econômicos e os interesses políticos dos representantes do Governo do Paraná que se arvoram em direcionar, a seu gosto, ações de um governo sem interesse pelo bem comum. Não seria a proximidade das eleições de 2018 um elemento que estaria por detrás de tanta vontade política?
Se a preocupação do Governo do Paraná é de fato promover o desenvolvimento local, entendido como melhoria da qualidade de vida das pessoas, por que até agora ignorou os inúmeros pedidos dos moradores e veranistas? Na região são frequentes os problemas relacionados ao saneamento básico, tais como falta de água e do acesso aos serviços de esgotamento sanitário. Em Pontal do Paraná pouco mais de 15% a 25% dos domicílios têm acesso à rede de esgotamento sanitário, por que o governo não aporta esse recurso na universalização do acesso aos serviços de esgotamento sanitário? Esta não seria uma demanda mais urgente? Embora tenha um plano de investimentos em saneamento básico em curso no município (clique aqui para ver notícia), ainda assim não será universalizado o acesso. O plano estima que, apenas 75% dos domicílios de Pontal do Paraná, após sua implantação, terão acesso aos serviços de saneamento básico. Considere que a execução das obras previstas iniciará um intenso processo de emigração, no curto prazo, para a região, reduzindo novamente a taxa de acesso aos serviços de esgotamento sanitário. Esta não seria uma demanda mais urgente quando consideramos as ações que realmente impactam na melhoria da qualidade de vida e de estímulo ao turismo? Quantas vezes na temporada a região enfrenta problemas com a falta de água, esgoto nas ruas, contaminação do solo e da água, mau cheiro, entre outros problemas relacionados a falta de coleta e tratamento adequado do esgotamento sanitário? Alguém já se perguntou para onde vai o esgoto sanitário não coletado e não tratado em Pontal do Paraná? Mesmo que o município venha alcançar a universalização do acesso aos serviços de esgotamento sanitário, o aumento da população e das atividades industriais, conforme já reconhecido no RIMA, comprometerá a qualidade da água. Apenas para ilustrar essa situação, a capital do Paraná, Curitiba, apresenta uma taxa de acesso aos serviços de esgotamento sanitário superior à 98%. Mesmo assim, segundo dados do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) disponíveis, praticamente todos os corpos d’água de Curitiba são impróprios para consumo ou contato humano direto! Qual veranista teria interesse em passar suas férias em um balneário impróprio para banho ou para a prática de atividades aquáticas?
Outra demanda dos moradores e veranistas ignorada é a construção de acostamento entre os Balneários de Sangri-lá e Pontal do Paraná. O atendimento desta demanda é relativamente baixo comparado a Faixa de Infraestrutura, mas o impacto social seria imenso. Para melhorar a mobilidade na PR-412, em especial no período da alta temporada, por que não foram instaladas rotatórias nas entradas dos principais balneários? Nem mesmo ciclovias foram construídas ligando os balneários. Por que não é realizada a duplicação simples da estrada já existente, a PR-412, sem gastos estratosféricos e sem o comprometimento de paisagens como a Ilha do Mel, e do mangue e da restinga que margeiam as praias de Pontal do Paraná e da própria qualidade de vida da comunidade local? Existem tantas outras prioridades que poderiam melhorar a qualidade de vida dos moradores e veranistas, mas a solução apresentada pelo Governo do Paraná é a instalação de indústrias ligadas ao setor petrolífero em uma região turística! Quem estaria disposto a passar suas férias em um parque industrial? Quem estaria disposto a enfrentar uma rodovia com pista simples repleta de caminhões pesados para passar suas férias?
Cabe ainda ressaltar a necessidade de uma reflexão cuidadosa e isenta sobre as reais aptidões dos municípios da região costeira do Paraná. Paranaguá, por motivos óbvios, destina-se a estruturação de uma zona portuária com ampla capacidade de expansão que pode representar a não destinação de outros locais para a mesma finalidade, como é o caso de Pontal do Paraná. Com uma dotação claramente voltada ao turismo, incluindo a existência de uma atração internacional como a Ilha do Mel, essa porção do litoral paranaense pode ser planejada para receber incrementos turísticos relevantes, capazes de garantir empregos e melhores condições de balneabilidade e proteção dos últimos remanescentes de Mata Atlântica que ainda cobrem boa parte desse território. Com esses elementos naturais mantidos e preservados, o potencial de expansão das atividades de turismo pode representar uma atividade economicamente mais atraente do que um destino a espelho de Paranaguá. Com imensas vantagens no que se refere aos impactos ambientais e sociais decorrentes de cada uma dessas escolhas.
O que está oculto na boa vontade de nossos representantes é que a estrada viabiliza um porto e indústrias petrolíferas. Esta é uma condição imposta pelos grupos econômicos para levar adiante os projetos portuários e industriais na região, mas que não se traduzirá em desenvolvimento local, entendido como melhoria da qualidade de vida. Talvez para uma minoria, mas não para a comunidade. E sem todos esses itens, o investimento da estrada não é factível nem interessa ser realizado pelo Governo do Paraná. Por isso, que a demanda dos moradores e veranistas até hoje nunca foi atendida por nossos representantes. Vale ressaltar que este tipo de indústria é relativamente instável, e Pontal do Paraná já conhece esta realidade, em um ano o setor realiza contratações, mas no outro, demite quase a totalidade ou mesmo desativa os empreendimentos. E aí, qual destino dos trabalhadores? É fundamental que haja uma profunda ponderação da sociedade sobre o que realmente está em jogo com a boa intenção do Governo do Paraná.
*Dailey Fischer, Coordenadora Executiva do Observatório de Conservação Costeira do Paraná – OC2 e doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR.
Junior Ruiz Garcia, professor do Departamento de Economia da UFPR e doutor em Desenvolvimento Econômico Espaço e Meio Ambiente pelo Instituto de Economia da Unicamp.
Clóvis Ricardo Schrappe Borges – Diretor Executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental – SPVS.
1 Esta é uma versão modificada do artigo publicado no Caderno de Opinião da Gazeta do Povo. Disponível aqui.
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Um Cavalo de Troia para Pontal do Paraná - Instituto Humanitas Unisinos - IHU