05 Outubro 2017
A construtora Odebrecht, considerada a maior empreiteira da América Latina, se valeu da Banca Privada de Andorra (BPA) – uma unidade que foi alvo de intervenção em 2015 por suposta lavagem de fundos – para ocultar a trama da compra da petroquímica Quattor-Unipar, segundo um informe da Polícia do Principado ao qual El País teve acesso. O documento faz parte de uma investigação em mãos da juíza Canòlic Mingorance.
A reportagem é de Joaquín Gil e José María Irujo, publicada por El País, 05-10-2017.
A aquisição da Quattor-Unipar foi concluída em janeiro de 2010. A Odebrecht e a petroleira estatal brasileira Petrobras desembolsaram mais de 500 milhões de dólares (1,57 bilhão de reais). A transação transformou a Braskem, uma das unidades da holding da Odebrecht na qual a estatal petroleira é sócia, na primeira petroquímica da América Latina: uma gigante com 26 fábricas e infraestrutura para processar 5,5 toneladas de resina por ano.
A operação da Braskem resultou no pagamento de 150 milhões de dólares (470 milhões de reais) na Suíça ao então presidente da Unipar Carbocloro, Frank Geyer. Os investigadores sustentam que esse desembolso foi armado sem o conhecimento dos demais acionistas da empresa.
A polícia explica assim a suposta mecânica fraudulenta: “Para concretizar o negócio, a Odebrecht criou a fundação (Lodore), de onde autorizaria um pagamento oculto aos demais sócios da Braskem de 100 milhões de dólares (313 milhões de reais) dos 150 milhões de dólares acordados em favor do principal acionista da Quattor e ex-presidente da Unipar Carbocloro, Frank Geyer Abubakir, que recebia essa quantia em troca de autorizar a venda da Quattor em favor da Odebrecht. O pagamento devia ser feito de forma a não aparecer nem ser conhecido pelos demais acionistas do consórcio (Unipar, Petrobras, outros acionistas minoritários) e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica-CADE”. Geyer reconheceu à Procuradoria brasileira os pagamentos ocultos pela venda da empresa.
A polícia destaca a participação da BPA na transação. E põe o foco na sociedade panamenha Lodore Foundation. Trata-se de uma empresa representada por Cristina Lozano, ex-diretora da filial da entidade andorrana BPA Serveis, e o agente do banco no Uruguai, Andrés Norberto Sanguinetti Barros, conhecido como Betingo. “Com o consentimento e beneplácito de seus superiores hierárquicos, tiveram um papel importante na logística, formulação e construção das estruturas societárias para operações triangulares em benefício da Odebrecht por intermédio da BPA”, assinala o documento.
A compra da petroquímica Quattor foi disfarçada em uma operação complexa. A mecânica incluiu a aquisição de quase 100 milhões de dólares em títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Segundo a Polícia de Andorra, a Lodore Foundation foi constituída com a finalidade de executar um investimento milionário de compra de ativos (títulos) do Tesouro norte-americano denominados Tbills e “tinha como principal finalidade ocultar ou obstruir a identificação do verdadeiro mandante ou proprietário dos fundos, neste caso, a empresa Klienfeld (construtora Odebrecht)”.
A Klienfeld faz parte do emaranhado societário utilizado pela Odebrecht para pagar subornos a altos funcionários, presidentes e primeiros-ministros de uma dúzia de países da América Latina em troca da concessão de obras que veio à tona na Operação Lava Jato, a maior investigação contra corrupção da história recente do Brasil.
No contrato de gestão firmado entre a Klienfeld e a BPA Serveis para a compra dos títulos se estabelece que os papéis adquiridos pela Lodore, a sociedade que a direção da BPA administrava, deveriam ser transferidos em favor de uma empresa suíça denominada Gestar Financial Services. E, a partir daí, o banco português Espíritu Santo. De acordo com a polícia, foi o ex-diretor da Odebrecht Luiz Eduardo da Rocha Soares, “utilizando recursos (fundos ilícitos procedentes de obras superfaturadas) do chamado Departamento de Operações Estruturadas, que em colaboração com a BPA criou uma fundação constituída no Panamá para formalizar o pagamento”. A BPA Serveis cobrou uma comissão de 2,5 por cento dos títulos adquiridos.
Por outro lado, a juíza andorrana Canòlic Mingorance colherá em breve o depoimento do ex-gestor da BPA no Uruguai Andrés Sanguinetti (Betingo). O advogado, que também é dirigente do clube de futebol uruguaio Peñarol, deverá responder ante a magistrada por sua suposta vinculação com a estrutura de lavagem de dinheiro da Odebrecht na entidade do Principado. Betingo foi detido em agosto, pagou uma fiança de 30.000 dólares (94.000 reais) e se encontra à espera de sua extradição para Andorra.
O funcionário do Ministério de Transportes e Comunicações (MTC) do Peru, Santiago Chau Novoa, ocultou 373.014 euros (equivalente a 1,3 milhão de reais), em uma conta do Banco Privado de Andorra (BPA), de acordo com um relatório da Polícia do Principado, ao qual o El País teve acesso.
Chau Novoa foi membro do Comitê de Licitação da Linha 1 do metrô de Lima, organismo que concedeu essa obra de mais de 400 milhões de dólares (1,25 bilhão de reais) à construtora Odebrecht. A decisão foi tomada durante o segundo mandato presidencial de Alan García (2006-2011).
A menção ao funcionário, que ocupou a gerência do organismo público Provías Descentralizado (MTC), consta em um relatório policial de 10 de maio, encomendado pela juíza Canòlic Mingorance.
A investigação liga Chau Novoa à empresa offshore Aeon Group, uma das firmas utilizadas pela gigante brasileira da construção para pagar propina a altos funcionários, presidentes e primeiros ministros de uma dúzia de países da América Latina.
Chau Novoa aparece em uma tabela da entidade de Andorra - onde, até o último mês de janeiro, estava vigente o sigilo bancário - vinculado ao número de cliente 10096822.
As atas internas da BPA também mostram um pagamento de 500.000 dólares (1,5 bilhão de reais) a Edwin Martin Luyo Barrientos, ex-presidente do Comitê de Licitações do metrô de Lima, que foi preso, no último mês de janeiro, porque teria recebido suborno da Odebrecht.
Enquanto isso, a promotoria peruana está investigando Gabriel Prado Ramos, ex-diretor de Segurança Cidadã de Lima e ex-responsável pela empresa municipal de pedágios Empae, durante o mandato da ex-prefeita Susana Villarán (2011-2014), de acordo com o jornal El Comercio. O ministério público abriu processo contra Prado Ramos depois que o El País publicou que esse ex-funcionário público tinha uma conta na BPA, administrada por uma empresa da Odebrecht.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Como a propina da Odebrecht criou a maior petroquímica da América Latina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU