31 Janeiro 2010
A fusão da Quattor com a Braskem e o envolvimento da Petrobras na aquisição marca uma nova fase para o setor petroquímico nacional, definida pelo coordenador geral da Confederação Nacional do Ramo Químico – CNQ, como “uma era extremamente triste e preocupante”.
Na entrevista a seguir, concedida, por telefone, para a IHU On-Line, ele diz que a operação gera incertezas entre os trabalhadores e diminui a esperança de ampliação do polo petroquímico do ABC, que desde o governo FHC vem tentando estabelecer um acordo para expandir sua produção. “Já sabemos que na área administrativa teremos um número enorme de demissões, pois eles não vão manter o setor de compras e vendas em dois ou três lugares”, assegura.
Novaes menciona que notícias extra-oficiais informam que o processo de aquisição da petroquímica teve anuência do governo, mas enfatiza que, entre uma informação e outra, “nada fica muito claro”. De qualquer modo, rejeita a transação: “Dar a um grupo econômico privado o poder total de controle da área petroquímica num país do tamanho do Brasil, que está pretendendo ser e será rapidamente a quinta economia do mundo, é um absurdo”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O senhor diz que a Petrobras está financiando o Grupo Odebrecht na fusão da Quattor dentro da Braskem. É possível separar a posição da Petrobras da do governo, considerando que a ministra Dilma também faz parte da direção do Conselho da Petrobras?
Sérgio Novaes – O que nós estamos tentando exatamente, como confederação, é saber disso. Oficialmente tudo nesta operação está sendo conduzido pela Petrobras. O que nos chega são notícias, extra-oficiais, de que isso tem anuência do governo, mas nada fica muito claro. No nosso caso, a nossa confederação sempre fez a defesa do fortalecimento da Petrobras. Nós somos afiliados à FUP - Federação Única dos Petroleiros - e produzimos um projeto de lei em que gostaríamos muito que a Petrobras fosse a gestora do Pré-Sal, se tornando uma grande empresa estatal. Tudo isso nós defendemos. Porém, quando vemos a Petrobras sendo financiadora e conduzindo o monopólio de uma empresa privada, no caso a Braskem, achamos que isso é um erro absurdo. Não somente no que se refere ao uso de recursos públicos para auxiliar essa empresa privada a se tornar monopólio, mas também no reflexo que isso terá em toda a cadeia produtiva, já que essa empresa dominará todos os preços a nível nacional de matéria-prima. Quem mais emprega são as empresas de transformação, e serão elas que sofrerão com isso, pois irão perder competitividade. Já sabemos que, em uma fusão, a primeira coisa que acontece é a queda no número de empregos. Estamos extremamente preocupados com toda essa situação.
"Quando vemos a Petrobras sendo financiadora e conduzindo o monopólio de uma empresa privada, no caso a Braskem, achamos que isso é um erro absurdo"
Quanto à “separação” da Petrobrás do Estado, queremos perguntar ao governo. Estamos provocando uma audiência pública na Comissão de Trabalho. Fizemos o requerimento ao deputado Vicente Paula da Silva, o Vicentinho, e ao senador Paim, para que façam uma audiência na questão de energia no senado, e esperamos que isso se concretize agora no mês de fevereiro. Montamos um comitê na confederação, exatamente no setor petroquímico, pois estamos pensando em ações políticas, não só para defender os trabalhadores, mas para mostrar à sociedade o grande erro que está acontecendo nesta política que a Petrobras está desenvolvendo. Esperamos ser recebidos pelo governo. Estamos esperando uma audiência com a ministra Dilma Rousseff e vamos tentar outros passos políticos para conseguirmos alguma manifestação do governo.
IHU On-Line – O que representa para a sociedade brasileira o envolvimento da Petrobrás no acordo? Segundo o governo, a Petrobras irá regular o mercado.
Sérgio Novaes – Isso é uma grande mentira. Primeiro eles estão usando o argumento errado, de dizer que a Petrobras seguirá o preço internacional porque politileno e poliprotileno são commodities. Isso é uma grande mentira. Imagina que você tenha uma pequena empresa plástica. Se ela fizer qualquer manifestação na imprensa contra a questão dos preços, simplesmente o Grupo Odebrecht não irá mais fornecer nada para ela. Neste caso ela quebra, pois a Odebrecht é a única fornecedora. Teremos dificuldades em gerir e importar matéria-prima, o que também seria um grande erro, já que temos inúmeras refinarias e teríamos condições de montar mais centrais petroquímicas com varias empresas, onde essas concorreriam nos seus preços. Estamos, ao invés disso, fazendo um caminho completamente absurdo.
"Imagina que você tenha uma pequena empresa plástica. Se ela fizer qualquer manifestação na imprensa contra a questão dos preços, simplesmente o Grupo Odebrecht não irá mais fornecer nada para ela. Neste caso ela quebra, pois a Odebrecht é a única fornecedora"
No começo do mandato do presidente Lula, a confederação apresentou uma proposta à Petrobras, e na época, a ministra Dilma Roussef era a ministra de energia, de fortalecimento da Petroquisa, onde esperávamos que a Petroquisa tivesse o papel de pressionar as empresas petroquímicas no que se refere ao preço da matéria-prima. Iríamos dar competitividade às empresas de transformação. Lamentavelmente não houve o fortalecimento da Petroquisa, mas já na época lutávamos para ampliação de todos os polos petroquímicos e, quem sabe também, para a criação de outros polos. O que vimos com tudo isso foi uma operação para ficarem apenas duas empresas, transformando Braskem em Quattor. Agora piorou com essa notícia do monopólio.
IHU On-Line - O que a participação da Petrobras na Braskem, após a incorporação da Quattor Petroquímica, representa para o mercado petroquímico? Quais os impactos para a região do ABC?
Sérgio Novaes – Minha origem é do sindicato dos químicos do ABC, mas na realidade tenho que separar bem da questão da confederação, que envolve todos os polos petroquímicos. Quero deixar claro que, enquanto confederação, não posso defender apenas um polo petroquímico. Porém, no caso do ABC, lá acontece uma situação que se arrasta há muitos anos. Era o menor polo que tínhamos no Brasil, e ainda é, e houve uma grande luta para sua ampliação, que vem desde o governo FHC. Quando se conseguiu, logo no início do governo Lula, a concessão de mais matéria-prima, para que se pudesse ampliar o polo petroquímico, achávamos que tudo estava indo para um caminho de desenvolvimento de todo o setor petroquímico. Hoje, com esta decisão da Braskem, não está claro para nós onde será a sede central, se irão utilizar apenas um local para produzir politileno e onde a Braskem irá priorizar a produção de poliprotileno. Então, é possível que alguma região seja prejudicada, pois como a Braskem detém esse monopólio, ela pode, simplesmente, fechar alguma unidade.
"Esse setor arrecada um volume expressivo de ICMS e não estou vendo nenhuma manifestação do governo de São Paulo, do Rio Grande do Sul e nem da Bahia. Isso me deixa preocupado"
Já sabemos que na área administrativa teremos um número enorme de demissões, pois eles não vão manter o setor de compras e vendas em dois ou três lugares. Também não está claro para nós como ficará cada local. Esse setor arrecada um volume expressivo de ICMS e não estou vendo nenhuma manifestação do governo de São Paulo, do Rio Grande do Sul e nem da Bahia. Isso me deixa preocupado. A Bahia pode ficar achando que tudo será centralizado no nordeste, por ser Braskem, mas pode ser que isso não aconteça. O grande mercado de consumo é a região sudeste e sul. Pode ser até que a Braskem modifique sua forma de comportamento, já que isso não está claro. Mas a Braskem é uma empresa extremamente endividada, que ainda está fazendo mais aquisições no exterior. Não sabemos qual será a solidez dessa empresa, pois até agora ela está sustentada. Quando se tem a Petrobras do lado dizendo que é sua parceira, fica muito fácil adquirir créditos aí fora, mas vai chegar uma hora em que essa divida tem que ser paga. Foi isso que aconteceu com a Quattor. Lamentamos a forma como se comportou a Petrobras.
IHU On-Line - O acordo traz riscos de se gerar um monopólio na produção de resinas termoplásticas no país?
Sérgio Novaes – Sim, claro. Com o domínio desses preços e com o domínio do mercado, estou muito temeroso com isso. Temos 11 mil empresas de transformação, empregando cerca de 300 mil trabalhadores. Dependendo da forma que essa empresa se comportar, corremos o risco de que alguns setores sejam favorecidos e outros não. E nesse levante, que essas empresas que começaram a ser prejudicadas comecem a fazer, eles simplesmente irão cortar matéria-prima. Olha o absurdo que vamos chegar! A Braskem tem um histórico de truculência muito forte. No sul do país as pessoas que eram da antiga Copesul sabem muito bem a violência com que foram tratadas em todo esse processo. Estamos extremamente assustados de como a decisão de uma empresa que defendíamos tanto, a Petrobras, se aliou a um tipo de acordo como esse.
"A Braskem tem um histórico de truculência muito forte. No sul do país as pessoas que eram da antiga Copesul sabem muito bem a violência com que foram tratadas em todo esse processo. Estamos extremamente assustados de como a decisão de uma empresa que defendíamos tanto, a Petrobras, se aliou a um tipo de acordo como esse"
IHU On-Line - Que ameaças a fusão representa aos empregos dos trabalhadores químicos e ao desenvolvimento industrial da região do ABC?
Sérgio Novaes – Quanto aos empregos diretos na área petroquímica, claramente sabemos que o setor administrativo irá sofrer bastante. Isso já está muito claro. Se o grupo Braskem tomar a decisão de fortalecer somente um polo petroquímico, ou no máximo dois polos, o que ficar de fora vai dar um impacto violento, não só naquelas empresas do polo que dependem desse complexo petroquímico, como também na receita dos municípios e o Estado que estarão envolvidos. É um poder muito grande que está sendo dado a um grupo privado. Acho que não é possível que se dê um poder de monopólio privado a alguém, da forma que foi dado, ainda mais utilizando o dinheiro público. Estamos analisando todo esse processo. Não queremos fazer nada com emoção, mas esperamos que essa situação seja revertida. Seja por ações políticas ou judiciais, teremos que encaminhar isso.
IHU On-Line - O senhor disse que os municípios do ABC, trabalhadores e a Unipar (controladora da Quattor) passaram anos negociando com a Petrobras um plano de expansão do complexo. Por que essa negociação não avançou?
Sérgio Novaes – Essa luta vinha de muitos anos. O polo petroquímico tinha uma produção de 500 mil toneladas de eteno. Conseguiu-se, de início, que fosse passado para 700 mil, já com a perspectiva de 1 milhão e 200 mil, muito parecido com o que é o polo do sul. Esse processo foi garantido há seis, sete anos atrás. Com a questão da Quattor, mesmo nós não aceitando e achando um erro dar poder à apenas duas empresas, esse processo de expansão na região do ABC estava garantido de alguma forma. Está certo que aí entrava também o complexo no Rio de Janeiro, o Comperj, que poderia ter um investimento maior direcionado para o Rio, e talvez não acelerasse na região do ABC como estava acontecendo. Com esse fato da Braskem também assumir o polo de São Paulo é possível que esses processos parem. Não sabemos ainda. Claro que em todas as declarações, a Braskem diz que não, que ninguém precisa ficar preocupado, mas sabemos como as coisas funcionam.
IHU On-Line - Podemos dizer que estamos entrando numa nova era do setor petroquímico? Que futuro o senhor vislumbra para o setor com esses monopólios?
Sérgio Novaes – Acho que estamos entrando em uma nova era do setor petroquímico, mas uma era extremamente triste e preocupante. Dar a um grupo econômico privado o poder total de controle da área petroquímica num país do tamanho do Brasil, que está pretendendo ser e será rapidamente a quinta economia do mundo, é um absurdo. Tem-se muita gente boa, que entende da área petroquímica, e que está sendo alijada desse processo há muito tempo. A Braskem é uma empresa extremamente endividada, e carrega a Petrobras do seu lado para conseguir créditos, mas não sabemos até onde vai isso. Daqui a dez anos, no máximo, estaremos sentindo todos os problemas dessa irresponsabilidade.
"Tem-se muita gente boa, que entende da área petroquímica, e que está sendo alijada desse processo há muito tempo. A Braskem é uma empresa extremamente endividada, e carrega a Petrobras do seu lado para conseguir créditos"
IHU On-Line - O senhor disse que o sindicato está preparando ações tanto judiciais quanto políticas para desfazer a fusão. Pode nos dar detalhes?
Sérgio Novaes – Tenho que tomar cuidado com isso. Tem algumas coisas que estamos preparando, e a partir disso preciso de uma aprovação da direção. Ainda não tenho a aprovação de todas as ações, sejam políticas ou jurídicas, que vamos fazer. Não podemos chamar uma reunião com a direção com poucos dados. Por isso vou chamar a reunião a partir de todos os dados e propostas de ações políticas que iremos fazer. Ainda não temos nada de efetivo.
IHU On-Line - O Sindipolo recebeu algumas criticas de sindicatos por terem publicado uma carta nos jornais criticando a participação do governo na venda Quattor. Em discussões como essas, os sindicatos perdem força?
Sérgio Novaes – A nossa confederação, junto com a Central Única dos Trabalhadores, apoiou Lula na época do processo eleitoral. Sabemos, e para nós estava claro, o que cada um defendia como proposta do que era melhor para os trabalhadores. Isso é uma coisa. Agora, mesmo tendo defendido lá atrás a eleição do Lula, nós não abrimos mão de nossa independência política no aspecto de ação política. Hoje, eu seria leviano se dissesse qualquer coisa contra o governo sobre essa opção que houve, sem que eu me certifique claramente onde tem a “mão” da Petrobras e onde tem a “mão” do governo. Por isso estamos procurando conversar com membros do governo. Lamentamos muito que a Petrobra, não nos tenha chamado para essa discussão com os trabalhadores envolvidos neste processo. Esperamos conversar como governo sobre isso, e se vermos claramente que o Estado está apoiando firmemente esta ação, iremos soltar críticas sobre a postura do governo, sem dúvida.
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Novo monopólio petroquímico é preocupante. Entrevista Especial com Sérgio Novaes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU