17 Março 2019
No período pré-eleitoral, a educação serviu de gatilho para Jair Bolsonaro tratar de temas-chave de sua campanha: kit gay, doutrinação política por parte dos professores e o Escola sem Partido estiveram entre as pautas do campo ideológico exploradas por ele e seus parceiros. No terceiro mês de mandato, o presidente volta a mirar o setor para propor uma megaoperação de investigação de indícios de corrupção e desvios no Ministério da Educação em suas autarquias e gestões anteriores. A “Lava Jato da Educação” surge em meio a um contexto que já é de grande desafio para a arquitetura de financiamento da educação pública do Brasil.
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) – responsável por custear, em 2018, cerca de 60% dos recursos destinados à educação básica – chega às vias da expiração, ao final de 2020, sem conseguir implantar uma distribuição equânime do aporte de dinheiro. Apesar de ser a maior arrecadadora de impostos, a União oferece aproximadamente 10% do custeio total da educação. Diante da recessão econômica, estados e municípios, que carregam o rojão, sobrevivem em grave crise na educação básica e fundamental.
O financiamento público da Educação também já sofre as consequências da Emenda Constitucional 95/2016, que estabeleceu um teto de gastos públicos, e se depara agora com a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, de desvincular receitas e despesas do Orçamento, o que representaria o fim da garantia do suporte de recursos advindos dos impostos arrecadados. “Se isso acontecer, é a tragédia da tragédia. Hoje, isso (a desvinculação) não altera muito a realidade, porque está tudo uma desgraça... Mas na hora que a economia começar a crescer, e uma hora ela vai crescer, todo esse ganho econômico deixa de ir para educação. Está aí uma questão-chave. É o fim do mundo do fim do mundo. A ideia é pagar a reforma da Previdência, que vai tirar o futuro da juventude e dos velhos de hoje, com o dinheiro da educação e da saúde...
É um complô”, avalia o professor da Universidade de São Paulo (USP), José Marcelino de Rezende Pinto. Em entrevista ao Portal EPSJV/Fiocruz, o especialista em financiamento da educação aponta as meias verdades criadas em período de reacertos institucionais, como a crença de que o Brasil não gasta pouco com educação, mas gasta mal. Marcelino também analisa os últimos anos de políticas públicas educacionais; explica como se dá hoje a divisão do bolo de fundos entre união, estados e municípios; desmistifica os rankings internacionais que colocam o país nos últimos lugares em desempenho (“Só serve para humilhar, não existe política pública que se faça em cima disso”); e indica a via mais importante para gerar qualidade e resultados na educação brasileira: “Há um consenso mundial do que o que faz diferença na educação é o professor. É preciso valorizá-lo. Não com flor nem maçã, mas com salário. É preciso mexer na remuneração dos profissionais, ao menos dobrar o salário inicial dos professores. Não adianta aumentar 10%, tem que fazer um choque de fato na produção”.
A entrevista é de Beatriz Mota, publicada por Portal EPSJV/Fiocruz, 15-03-2019.
Em declaração recente, via Twitter, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o Brasil gasta mais em educação do que a média de países desenvolvidos, em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Esta informação está correta?
O presidente mostra que ele tem pouco conhecimento nesse assunto. Relacionar percentual do PIB com gastos de educação é uma confusão induzida, em geral, por economistas ligados ao mercado. O Banco Mundial difunde muito isso e, aqui no Brasil, o pessoal ligado ao Insper. E a partir de meias verdades criam-se grandes mentiras.
Pra começar, é importante sempre dizer que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) não levanta dados, são os países que mandam. E a organização não tem nenhum mecanismo para aferir.
Depois, vamos lá: o Brasil gasta 6% do PIB com educação e os Estados Unidos gastam 5,4%. Então o Brasil gasta mais, certo? Errado. Há uma grande diferença no tamanho do PIB. O que tem ser levado em consideração é o gasto por aluno. E se você analisa os dados da própria OCDE por essa perspectiva constata que, em média, os países da OCDE gastam três vezes mais por aluno do que o Brasil. Os Estados Unidos gastam quatro a cinco vezes mais, a Finlândia e o Canadá gastam quatro vezes mais por aluno do que o Brasil. Então dizer que o Brasil gasta mais, pela porcentagem do PIB, é claramente uma estratégia de confundir a opinião pública. Este erro já estava no programa de governo do Bolsonaro.
Os números mostram que houve um aumento significativo no suporte financeiro destinado à educação desde o início dos anos 2000. Bolsonaro destaca este crescimento, também via Twitter, apontando que “em 2003, o MEC gastava cerca de R$ 30 bilhões em educação e, em 2016, passou a gastar quatro vezes mais, chegando a cerca de R$ 130 bilhões”. Este crescimento é real? O que o ocasionou?
Houve um aumento significativo em reais, embora a gente tenha que deflacionar... Neste ponto, temos que ver a relação com o PIB. Durante o segundo governo do presidente Lula e começo do mandato da Dilma, o Brasil teve de fato um crescimento real em relação ao PIB no gasto com a educação. A gente saiu de mais ou menos 0,5% para 1,1%, o que é um grande ganho. A economia cresceu e, como a educação tem uma vinculação constitucional, quando a economia cresce, a arrecadação de impostos cresce e, automaticamente, o gasto com educação também. O grosso da ampliação se deu principalmente nos anos de Lula (2002-2010). Mas, para além disso, houve também um entendimento de prioridade do olhar do governo sobre o tema.
Em termos de políticas públicas? Houve, no decorrer desses anos, investimentos sociais que justificassem o aumento de gastos com educação?
Claramente. Foram duas linhas políticas nesse sentido. Uma se deu pela via da situação da rede federal, principalmente através do Reuni, programa do Governo Federal de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras. Criaram-se vários campus, novas universidades, antigas escolas técnicas foram transformadas em institutos federais. Praticamente dobraram as matrículas na rede federal. Este é um elemento extremamente positivo e que deixa efeitos de longo prazo. Mas houve também políticas às quais eu sou muito crítico, principalmente na educação básica, como o aumento das transferências voluntárias para estados e município, para construção de creches e pré-escola. Qual é o problema dessas transferências voluntárias? É que elas são voluntárias... Então o que aconteceu? O governo que entrou em seguida, do Michel Temer, teve facilidade de cortar isso.
De que forma este montante poderia ser mais bem investido para educação pública neste período?
No âmbito da educação básica, em vez de transferências voluntárias, poderiam ter investido, por exemplo, no Custo Aluno-Qualidade inicial (CAQi), que é uma demanda histórica da sociedade brasileira, está no Plano Nacional de Educação. Isso implicaria em ampliar a participação da União no Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), uma estratégia a longo prazo que viabilizaria um padrão de ensino de qualidade para todo o Brasil. E que não poderia ser facilmente derrubada... Se tivéssemos colocado mais recursos da união dentro do Fundeb, qualquer presidente ou ministro da Fazenda que quisesse mexer nisso teria todos os municípios e estados contra.
De fato houve mudanças estruturais durante o governo Lula e Dilma, como a própria ampliação do Fundeb, que tem muito a ver com a pressão da sociedade. No último ano do Fernando Henrique Cardoso, a união colocou 300 milhões de reais na educação. Depois o complemento federal cresce para a ordem de 12 bilhões, que é 40 vezes mais. Mas isso ainda é muito pouco.
A fala do Bolsonaro no Twitter induz à noção de que temos hoje um alto recurso disponível para educação...
O gasto não é alto. O indicador do PIB não é o melhor indicador, o melhor indicador seria o gasto por aluno. Nós precisamos limpar o meio de campo: o percentual do PIB é um indicador apenas de esforço. A Bolívia, por exemplo, tem aplicado 8% do PIB, só que em termos de gasto/aluno isso é uma merreca, porque o PIB da Bolívia é uma merreca! Como o nosso PIB está caindo - o Brasil tem hoje um dos piores PIBs do mundo -, o investimento em educação está caindo também.
Qual a porcentagem que união, estados e municípios colocam hoje na educação, a partir da arrecadação de impostos? Qual seria o ideal de contribuição da união para viabilizar uma divisão equitativa de financiamento?
Quando se pensa em financiamento de educação no Brasil, não podemos olhar apenas para o MEC (Ministério da Educação) – e está aí um outro erro da declaração do Bolsonaro. Pois mesmo que haja um aumento grande da verba da união, não necessariamente isso vai repercutir em toda a situação brasileira. Quem banca educação no Brasil são os estados e municípios. O governo federal, que tem o maior bolo de arrecadação, é quem menos contribui. Por isso, o Plano Nacional de Educação sempre colocou a importância de ampliar a participação da União, é uma briga antiga.
Hoje, o governo federal coloca 10% do que estados e municípios colocam. Toda discussão em torno de viabilizar o CAQi aponta que o governo federal deveria colocar pelo menos 50% do que estados e municípios colocam. Quer dizer, ainda é muito pouco dinheiro. Com relação ao financiamento vinculado aos impostos arrecadados, a União investe 18% para manutenção e desenvolvimento do ensino, e no caso estados e municípios, 25%.
Você pode explicar melhor no que consiste o CAQi?
O CAQi é um grande conceito desenvolvido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. As primeiras discussões começaram em torno de 2002 e ele foi incorporado pelo Conselho Nacional de Educação em 2010. O Plano Nacional de Educação mandou que o CAQi fosse implementado em 2016, o que não aconteceu.
Qual é a ideia? O CAQi não é a escola dos sonhos, mas o mínimo que toda escola deveria ter: uma biblioteca, um laboratório de informática, um laboratório de ciências, um limite na razão de alunos por turma, o quadro de funcionários completo.
Para isso, comparando ao que temos hoje... A gente teria que praticamente dobrar o valor mínimo do Fundeb para praticar o CAQi nos anos iniciais e triplicar ou quase quadruplicar o que ele garante para creche. O grande problema do Fundeb é que o valor aluno/creche é muito baixo. Por isso o governo liberou uma grana altíssima para construir creche no Pró-infância e as prefeituras simplesmente não construíram, porque elas falaram: como vamos manter? Assim como o Fundeb, o CAQi também cria um valor adequado para cada etapa: creche, infância, fundamental...
O modelo atual do Fundeb vence em 2020 e há dois projetos em trâmite no Congresso. Quais pontos precisam estar contemplados pela nova proposta, na visão dos estudiosos de financiamento da educação?
Acredito ser fundamental um Fundeb permanente. Se o Fundeb acaba hoje, acaba a educação do Nordeste. Em estados como Maranhão e Piauí, os municípios teriam em torno de 1/4 a 1/5 dos recursos por aluno que eles têm hoje.
Mas não basta manter o Fundeb permanente prolongando seus elementos negativos, além dos positivos. Então o que a gente defende? Primeiro: tem que colocar o CAQi dentro do Fundeb e pôr um gatilho de que o complemento da União seja de 50% do que os estados e os municípios colocam em recursos.
Outro elemento que eu acho que não está sendo discutido, mas que é fundamental, é que precisaria ter algum mecanismo que estimulasse a ampliação da matrícula. Imagine que o fundo é um bolo. É óbvio que, quanto mais gente eu colocar para comer esse bolo, menor o pedaço de cada um. O que os estudos mais recentes têm mostrado é que a política de fundos desestimula a ampliação da matrícula. Mas o Brasil precisa ampliar a matrícula em creche, ensino médio... Hoje, mesmo que um prefeito queira ampliar, ter mais alunos significa ter um pedacinho menor do bolo para cada criança, é quase uma “escolha de Sofia”. Precisamos pensar, dentro do Fundeb, um mecanismo que premie a ampliação da matrícula, sem que isso signifique reduzir o valor aluno, percebe?
Qual a expectativa de caminhar em sentido propositivo diante do panorama econômico brasileiro e da Emenda Constitucional 95/2016, que mantém um teto de gastos públicos? A Emenda já causa reflexo hoje no financiamento da educação ou será mais a médio/longo prazo?
O contexto é o pior possível. Nós estamos vivendo dois problemas. O primeiro é a recessão econômica, acentuada agora com políticas recessivas que empobrecem a população. Queda na economia, queda na arrecadação de contas, queda na educação. Os municípios e estados que aguentam o rojão da educação estão com a arrecadação em termos reais caindo e, na crise econômica, gente que estava com filho na escola privada vai procurar o sistema público. Então é o pior dos mundos.
Outro problema é a Emenda 95, que já está impactando negativamente a educação. Inicialmente, via rede federal. Os orçamentos do MEC já estão caindo em termos reais. Cortaram primeiro em bolsas de estudantes, depois em realização de concursos. Em pessoal, no primeiro momento, não tem como cortar. As primeiras perdas são: deixar de comprar papel higiênico, de pagar conta de água... Isso já está acontecendo.
A medida também impacta estados e municípios, mas indiretamente. Hoje, o que afeta mais estados e municípios é a recessão econômica.
E aí, neste contexto, surge essa última proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, de fazer a desvinculação do Orçamento... É a tragédia da tragédia.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que não deve esperar a aprovação da reforma da Previdência para enviar ao Congresso proposta que prevê ampla desvinculação de receitas e despesas do Orçamento. De que forma esta ação do Governo afeta a educação hoje e no futuro?
Ao trocar a reforma da Previdência pela oneração da vinculação, ele está vendendo algo que ele não tem para vender. Isso significa mudar a constituição. Assim, os 18% garantidos à educação deixam de valer. Qual é o problema disso? Hoje não altera muito, porque está tudo uma desgraça... Mas na hora que a economia começar a crescer, e uma hora ela vai crescer, todo esse ganho do crescimento econômico deixa de ir para educação. Está aí uma questão-chave.
É o fim do mundo do fim do mundo. A ideia é pagar a reforma da Previdência, que vai tirar o futuro da juventude e dos velhos de hoje, com o dinheiro da educação e da saúde... É um complô!
À parte das perspectivas de financiamento para educação nos próximos anos, o presidente Bolsonaro olhou para trás ao fazer uma relação entre financiamento x qualidade, em sua declaração via Twitter. Ele afirma que, apesar do crescimento em investimento, nos últimos anos, o Brasil ocupa as últimas posições entre os países que participam do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). É correto fazer o cruzamento de dados desta forma?
O que os dados da OCDE mostram sobre o Pisa é que as notas do programa estão associadas prioritariamente a três questões: o gasto/aluno, o PIB e a desigualdade do país. Ou seja, os países mais desiguais tendem a ter nota mais baixa. Os países que têm uma nota razoável no Pisa, girando em torno dos 500, gastam na faixa de 80 mil dólares para formar um aluno de 6 a 15 anos, para formar educação básica. No Brasil, o valor é de 20 mil dólares.
O que o OCDE mostra, então, é que o dinheiro faz diferença, sim. Mas a partir de um determinado patamar (alto), o dinheiro deixa de impactar tanto.
Faz sentido, para criação de políticas sociais, os apontamentos de um ranking que reúne países em patamares sociais, econômicos e culturais tão distintos?
Antes, apenas o hemisfério norte participava do Pisa, só entrava o México de país pobre. Depois o OCDE começou a convidar os mais pobres, que obviamente foram ficando lá atrás. O Brasil costuma ficar embolado com Chile e México. Com notas mais baixas e com um gasto muito mais baixo.
O Pisa é uma prova feita para países ricos, com interesse dos países ricos... E os estudos mostram que 70% de uma nota qualquer, seja na Cesgranrio, seja na Fuvest, ou no Pisa... têm a ver com questões políticas e socioeconômicas e culturais da família. Fatores extra-escolares têm um baita de um impacto na nota. A prova é um indicador do que o aluno acertou e do que o aluno errou. Prova são elementos diagnósticos e não servem indicadores de qualidade da educação de um país, de uma escola. Rankings não dizem nada.
Se eu tiver duas escolas com clientes muito parecidos, faz sentido estudar. Mas se eu pego uma escola de classe média e comparar a nota dela no Enem com a de uma escola pública, eu estou comparando batata com cenoura. É o mesmo quando o Pisa compara o Brasil com a Finlândia. Só serve para humilhar, não existe política pública que se faça em cima disso.
São realidades absolutamente distintas. Nos EUA, onde estão gastando na faixa de 7,8 mil dólares por ano com alunos, a discussão é se o menino vai ter um notebook para levar para escola ou não. E o que nós estamos discutindo aqui no Brasil é que o professor ganha metade do que ganha um advogado, um economista...
Movimentos de educadores se debruçam entre diferentes análises a respeito da situação atual da educação no Brasil. De um lado, alega-se a falta de recursos, de outro, a má gestão deles. O quanto há de verdade em cada um desses lados?
Há os dois problemas, mas tudo que eu disse até aqui mostra que o grande problema é a falta dinheiro. Um professor no Brasil ganha menos do que um policial, e não que fosse para o policial ganhar pouco. Há um consenso mundial do que o que faz diferença na educação é o professor. É preciso valorizar o professor, não com flor nem maçã, mas com salário.
A chave é: para melhorar a educação é preciso mexer na remuneração dos profissionais, todos os estudos mostram que seria necessário ao menos dobrar o salário inicial dos professores. Para fazer com que aquele menino que entra na Biologia querendo ser biólogo, pesquisador, queira se tornar professor de Biologia. Não adianta aumentar 10%, tem que fazer um choque de fato na produção.
É assim na Coréia, na Finlândia. Por lá, quem vai ser professor? Os que desejam as melhores carreiras. Por lá, não é como no Brasil, onde há milhões de cursos que formam (mal) os professores. É feito com muito cuidado. A quantidade de vagas de Ensino à Distância para pedagogia neste país é uma vergonha... O Brasil tem dois milhões de professores, em média. E mais de três milhões de vagas de formação de professor em EAD. É uma prostituição.
Mas e a má gestão? Não tem impacto significativo?
Sim, isso ocorre nas manipulações de financiamento. O Brasil contabiliza em muitos estados, como São Paulo, Rio Grande do Sul, o pagamento de professor aposentado como gasto com educação. Isso aí é uma manipulação, dizendo o que se está gastando é com educação, quando se está gastando com Previdência. É um desvio de dinheiro.
O segundo elemento é: temos corrupção na educação? Sim. E onde se dá? No setor de obras e compras de equipamentos. Mas isso representa menos que 5% do gasto total. Claro que, mesmo que fosse 1%, qualquer corrupção é inaceitável... Mas ainda assim, Nós estamos discutindo migalhas.
E é importante dizer que essa corrupção também está muito associada à política que é defendida pelo mercado... que é a terceirização. A corrupção ocorre onde tem mais dinheiro, então está muito associada à lei de responsabilidade fiscal, que impede de fazer concurso público e entrega à terceirização. O que as prefeituras fazem? Terceirizam merenda, o transporte escolar, obras... em contratos de alguns milhões. Aí pronto: está aberto o caminho da corrupção.
Por último, como problema de gestão, há também os mecanismos de escolha de diretor no Brasil, que são os piores possíveis. Em boa parte dos municípios brasileiros, o diretor é escolhido em cargo de confiança, o que se torna moeda de troca com a Câmara dos Vereadores. Ou então, ocorre concurso, o que também não funciona. Como é que você vai medir a competência de um gestor de escola numa prova? É um negócio estúpido. Mas os maiores roubos não são do diretor, esse rouba esmola. O roubo pra valer se dá nos grandes contratos federais, nos grandes contratos estaduais e nos grandes contratos municipais, que é de onde vem merenda, transporte escolar, livro didático...
O Governo anunciou a criação da Lava-Jato da Educação, que reunindo o Ministério da Educação, Ministério da Justiça, Polícia Federal, Advocacia e Controladoria Geral da União. Segundo Bolsonaro, “dados iniciais revelam indícios muito fortes que a máquina está sendo usada para manutenção de algo que não interessa ao Brasil. Sabemos que isto pode acarretar greves e movimentos coordenados prejudicando o brasileiro”. No seu entender, é necessária uma medida neste patamar, e ela pode solucionar problemas de má gestão e desvio?
A Lava Jato da Educação surge como uma cortina de fumaça, em momento que a gente tem vivido aí a desmoralização da big Lava Jato. Isso obviamente não significa que não tenha que ter fiscalização. Os Tribunais de Contas estão avançando, existe a Atricon (Associação dos Tribunais de Contas), que está exatamente procurando moralizar as investigações.
Mais importante do que uma Lava Jato da Educação, seria fortalecer os Tribunais de Contas que estão procurando cumprir o seu papel. E também fortalecer os conselhos do Fundeb, que são órgãos de fiscalização. Essas megaoperações são boas para conseguir um cargo de ministro, né? Mas não são eficientes no longo prazo. A experiência italiana mostrou isso.
É obvio que cada centavo tirado da educação é criminoso e as pessoas têm que ser punidas, mas o que ocorre é que as pessoas que estão propondo medidas como essas são exatamente as pessoas que estão criando mecanismos estruturais que fomentam a corrupção. Pois a terceirização fomenta a corrupção, a privatização fomenta a corrupção... Então, esta é uma contradição intrínseca para o discurso da Lava Jato, que vem de pessoas e de segmentos que estão diretamente ligados aos setores corruptores.
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'Lava Jato da Educação é uma cortina de fumaça'. Entrevista com José Marcelino de Rezende Pinto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU