13 Março 2019
A deputada estadual Renata Souza (PSOL-RJ) foi acordada hoje por mensagens e ligações no celular. Eram pessoas próximas avisando que haviam sido finalmente presos dois homens acusados de matar a vereadora Marielle Franco (PSOL), sua amiga e de quem foi chefe de gabinete, e o motorista Anderson Gomes. As prisões ocorreram dois dias antes de o crime completar um ano.
A reportagem é de Rafael Barifouse, publicada por BBC Brasil, 12-03-2019.
"Fiquei muito mexida. Liguei para o [deputado federal] Marcelo Freixo, pessoas das famílias. O sentimento geral é de alívio, porque acende uma luz para o esclarecimento de um crime tão bárbaro, mas também há um sentimento de inconcretude. Ainda não acabou. É um passo importante, mas ainda precisamos saber quem mandou matar, isso é fundamental", diz Souza à BBC News Brasil.
Em entrevista coletiva no início da tarde, o delegado titular da Delegacia de Homicídios da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Giniton Lages, afirmou que a identificação de possíveis mandantes está em aberto para uma "segunda fase" do inquérito.
"Mulher, negra e da favela", como se define, Souza conheceu Marielle no Complexo da Maré, onde moravam, e se aproximaram na PUC, universidade em que a deputada estudava jornalismo e Marielle, sociologia. Depois, trabalharam juntas para Freixo enquanto ele era deputado estadual no Rio. Quando Marielle foi eleita, Souza passou a integrar sua equipe. Foram 18 anos de trabalho juntas.
Após tanto tempo nos bastidores da política, Renata Souza passou à linha de frente com a 9ª maior votação para a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) nas eleições passadas. Pouco depois de chegar à Casa, assumiu a presidência da Comissão de Direitos Humanos - é a 1ª mulher negra a ocupar o cargo.
Com o melhor desempenho eleitoral do PSOL no Estado em 2018, a jornalista é considerada uma das herdeiras do legado de Marielle, que foi executada em 14 de março do ano passado na região central da capital fluminense junto com Anderson. O anúncio das prisões fez com que o nome de Marielle ficasse entre os assuntos mais comentados do Twitter em todo o mundo.
"É inconteste que Marielle Francisco da Silva foi sumariamente executada em razão da atuação política na defesa das causas que defendia", diz a denúncia feita contra os dois acusados detidos hoje.
Por defender na Alerj as mesmas pautas da amiga, Souza confessa tomar alguns cuidados com sua rotina e em seu trabalho parlamentar por temer ser alvo de criminosos.
"Não recebi uma ameaça concreta como a Marielle [também] não recebeu, mas precisa haver uma precaução com segurança. Não podemos cometer o mesmo erro."
Ela diz que o anúncio das prisões não muda esse sentimento. "Isso não reduz o medo, porque a gente precisa ainda descobrir o que levou à ação em si. O medo é constante para quem defende o que ela defendia. Inclusive porque as investigações apontam que ele foi cometido por uma máfia que atua no Rio", afirma.
"Enquanto esse crime não for solucionado, qualquer um que levante as bandeiras da Marielle corre risco de ser executado."
Em entrevista à TV Globo, Freixo também cobrou uma solução. "São prisões importantes, são tardias. É inaceitável que a gente demore um ano para ter alguma resposta. O caso não está resolvido. Ele tem um primeiro passo de saber quem executou. Mas a gente não aceita a versão de ódio ou de motivação passional dessas pessoas que sequer sabiam quem era Marielle direito."
Até poucos dias atrás, Renata Souza dizia lutar para manter a esperança de que a execução da vereadora e seu motorista seria solucionada, porque as investigações haviam produzido mais perguntas do que respostas sobre o caso - entre elas as duas mais importantes: quem matou e quem mandou matar Marielle e Anderson?
Hoje, uma destas questões foi respondida. O policial militar reformado Ronnie Lessa e o ex-policial militar Elcio Vieira de Queiroz foram presos e denunciados pelos homicídios qualificados de Marielle e Anderson e a tentativa de homicídio de Fernanda Chaves, assessora parlamentar da vereadora que sobreviveu ao ataque.
As prisões ocorreram por volta das 4h desta madrugada, nas residências dos acusados - um deles, Lessa, vive no mesmo condomínio onde o presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem casa na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio.
As investigações obtiveram provas de que Lessa fez os disparos, e Elcio era o motorista do carro usado para a execução. Para os promotores à frente do caso, o crime "foi meticulosamente planejado" por três meses.
Para Renata Souza, o mais surpreendente do que foi revelado até agora foram os três meses de preparação para o crime. "A gente já sabia que havia sido um crime planejado, mas isso ter ocorrido tanto tempo antes mostra que começou a ser planejado antes da virada do ano um crime contra uma vereadora que tinha menos de um ano de atuação e visibilidade", afirma a deputada.
"Isso gera mais perguntas. Por que logo a Marielle? Qual foi o ponto crítico? O que ela fez especificamente para ser morta? É surpreendente que a Marielle tenha incomodado tanto em tão pouco tempo."
Como amiga pessoal e ex-chefe de gabinete de Marielle, Renata Souza estava com frequência ao lado da vereadora. Ela participou, inclusive, do evento após o qual a amiga acabou sendo executada. A deputada diz que não havia qualquer sinal de ameaça. "Se houvesse, teriam sido tomadas as providências necessárias", afirma.
"Marielle não havia sofrido ameaças [antes de ser executada] porque ela própria era uma ameaça ao status quo e à política tradicional, que não aceita ver a diversidade pautada nas casas legislativas."
Hoje, Renata Souza é tida como uma das pessoas que leva à frente o legado de Marielle, mas diz não ser a única. "Esse legado não pertence a uma pessoa só. Isso seria apequenar Marielle."
Ainda no início do mandato, já se posicionou como uma forte crítica à política de segurança do governador Wilson Witzel (PSC), que defendeu um endurecimento no policiamento e que atiradores de elite e drones sejam usados para abater quem esteja portando fuzis, mesmo que não esteja em posição de tiro.
A deputada criticou o presidente da República, Jair Bolsonaro, por ter se mantido em silêncio sobre o assunto - ele só comentou o caso no começo da tarde.
"Um chefe de Estado não pode se manter em silêncio sobre um caso de repercussão global. É um silêncio ensurdecedor e muito estranho. Espero que ele quebre esse silêncio, tem falado tanto, até de pornografia, é um absurdo e inaceitável que uma pessoa como ele ainda não tenha se posicionado."
Sobre as suspeitas de ligação com milícias, Flávio Bolsonaro disse em nota, na época em que estas informações foram reveladas, que é alvo de "campanha difamatória" e responsabilizou o ex-assessor Fabrício Queiroz pelas nomeações.
Jair Bolsonaro comentou o assunto durante uma entrevista a jornalistas, no Palácio do Planalto.
"É possível que tenha um mandante (do crime), né? Eu conheci a Marielle depois que ela foi assassinada. Eu não conhecia ela, apesar dela ser vereadora com o meu filho lá no Rio de Janeiro. E eu também estou interessado em saber quem mandou tentar me matar", disse ele, referindo-se ao atentado a faca sofrido no dia 6 de setembro, durante um evento de campanha em Juiz de Fora (MG).
Bolsonaro também minimizou a importância da foto na qual aparece ao lado do ex-PM Elcio de Vieira Queiroz. "Eu tenho foto com milhares de policiais civis e militares. Milhares, do Brasil todo", disse ele.
O político do PSL também disse esperar que as investigações tenham sucesso. "Espero que a apuração tenha chegado de fato a esses, se é que foram eles os executores, se foram eles, e o mais importante, a quem mandou matar", disse.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Caso Marielle Franco: enquanto não souber quem mandou matar, o medo não passa, diz ex-chefe de gabinete da vereadora - Instituto Humanitas Unisinos - IHU