11 Março 2019
Charles Collins, editor-chefe do Crux, é um cara inteligente. Recentemente, ele escreveu uma análise muito perceptiva, como de costume, sobre os problemas em torno da ideia de usar os arcebispos metropolitanos para prestar contas do abuso sexual clerical, e, por isso, o convidamos para o programa semanal de rádio do Crux do dia 4 de março para falar sobre isso.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada em Crux, 10-03-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Depois que ele terminou de explicar por que o metropolita pode não ser a melhor maneira de fomentar a prestação de contas, eu perguntei a Charles o que as autoridades da Igreja deveriam fazer. Não me lembro de suas palavras exatas, mas a essência era: “Não importa, porque os grandes júris e os promotores públicos farão isso por elas”.
Logo em seguida, três dias depois, o cardeal Philippe Barbarin, de Lyon, na França, foi considerado culpado por um tribunal francês por não ter denunciado o abuso sexual cometido por um de seus padres e recebeu uma sentença de seis meses de prisão. É a terceira vez que um bispo católico na França é condenado por um delito semelhante e a primeira vez para um cardeal.
Barbarin disse que vai recorrer do veredito e declarou no tribunal que “eu nunca tentei esconder, muito menos encobrir, esses fatos horríveis”. Após o veredito, mesmo assim, ele disse que apresentará sua renúncia ao Papa Francisco.
(Presumivelmente, ninguém no Vaticano hoje será tão autodestrutivo a ponto de fazer o que o cardeal colombiano Dario Castrillón Hoyos, na época chefe da Congregação para o Clero do Vaticano, fez em 2001 depois que o bispo francês Pierre Pican foi condenado a três meses de prisão por não ter denunciado um caso de abuso. Castrillón enviou uma carta a Pican congratulando-o por se recusar a entregar um de seus padres, o que um porta-voz vaticano foi forçado a negar quando o fato se tornou público.)
Na sexta-feira, o jornal Parisien descreveu o veredito de Barbarin como um “cataclismo” para o clero francês, já que Barbarin, aos 68 anos de idade, é membro da Legião de Honra e primaz da Gália.
O sociólogo francês da religião Olivier Bobineau descreveu o resultado como um “ponto de virada”.
“Trata-se de um tsunami eclesiástico”, disse Bobineau. “Isso significa que nenhum bispo está a salvo. O mais alto dignitário da Igreja da França desceu de seu pedestal para enfrentar o mesmo julgamento e o mesmo tratamento que seus concidadãos, sejam eles católicos ou não.”
O que é especialmente notável sobre o caso Barbarin é o que o torna diferente dos outros dois príncipes da Igreja que recentemente enfrentaram julgamentos de natureza eclesiástica ou civil.
Tanto Theodore McCarrick, dos EUA, que foi laicizado pouco antes da cúpula do Papa Francisco sobre a crise dos abusos clericais, entre os dias 21 e 24 de fevereiro, quanto o cardeal George Pell, da Austrália, cuja condenação por “crimes sexuais históricos” foi revelada logo depois, foram acusados do crime de abuso sexual.
Barbarin, em contraste, foi acusado não do crime, mas do encobrimento. Especificamente, as vítimas do padre francês Bernard Preynat, nos anos 1980, afirmaram ter informado Barbarin três décadas depois, que não tomou nenhuma medida a respeito.
Quando as acusações surgiram pela primeira vez, um promotor na França recusou-se a levar o caso a julgamento, alegando que as provas eram insuficientes. De acordo com a lei francesa, no entanto, as vítimas tinham o direito de insistir, e assim o caso foi ao tribunal no início de janeiro. Embora Barbarin tenha sido condenado, cinco outros padres indiciados como corréus foram absolvidos.
Barbarin, assim, torna-se o primeiro cardeal católico a ser criminalmente condenado por encobrir o abuso sexual do clero. Resta saber se ele enfrentará qualquer punição eclesiástica, tal como a perda de sua filiação ao Colégio dos Cardeais – presumivelmente, como ocorreu no caso Pell, o Vaticano assumirá a posição de que esperará o resultado do recurso de Barbarin antes.
Ao mesmo tempo em que as notícias sobre Barbarin estavam circulando, promotores públicos da Costa Rica estavam invadindo os escritórios do tribunal eclesiástico e a sede administrativa da Arquidiocese de San José, a capital do país, como parte de uma investigação sobre abusos sexuais.
Também nessa semana, uma suposta vítima de abuso do sexo masculino entrou com uma ação no Chile, com um pedido de indenização de 500 mil dólares, contra o cardeal Riccardo Ezzati, de Santiago, alegando que Ezzati protegeu um padre que supostamente o drogou e estuprou na catedral local quando ele tinha 14 anos. Uma queixa foi apresentada pela primeira vez a Ezzati em 2015, que emitiu uma sentença eclesial contra o Pe. Tito Rivera três anos depois.
Nos Estados Unidos, o procurador geral da Pensilvânia, Josh Shapiro, disse recentemente que, na esteira do seu relatório do Grande Júri sobre o abuso sexual clerical – que, entre outras coisas, levou à demissão do cardeal Donald Wuerl –, os procuradores de pelo menos 45 outros Estados entraram em contato com ele para ouvir conselhos e sugestões sobre a implementação de seus próprios inquéritos.
Essa, aliás, é apenas uma lista parcial dos processos criminais e civis enfrentados pelas lideranças da Igreja em várias partes do mundo nestes dias, o que, sem dúvida, é parte do motivo pelo qual Francisco usou um encontro com o clero romano na quinta-feira passada para reconhecer a “dor” e o “sofrimento insuportável” infligido pelos escândalos de abuso.
Collins, em outras palavras, estava certo: por mais desejável que seja para a Igreja desenvolver mecanismos de responsabilização para os bispos, arcebispos e cardeais em relação ao tratamento dado por eles a denúncias de abuso, fazer isso agora seria contraproducente, em grande parte.
É claro que essa realidade não deixa a Igreja fora de perigo, porque os católicos querem ver as consequências civis e eclesiásticas para a crise dos abusos. Além disso, existem partes do mundo em que o sistema de justiça criminal simplesmente não está preparado para agir, seja por disfunção ou por uma deferência exagerada à Igreja, ou por ambas as coisas. Nesses casos, a Igreja tem a responsabilidade moral e legal de tomar as medidas necessárias por conta própria.
Mesmo assim, a moral da história é que, hoje, pelo menos na maior parte do Ocidente, o mundo exterior não está à espera de que a Igreja Católica assuma as suas responsabilidades. Ele está agindo por conta própria, sem esperar pela permissão de ninguém.
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Queda de cardeal francês é uma lição sobre a responsabilidade da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU