09 Março 2019
Beatriz Sánchez, "a Bea", como os chilenos a chamam, se define como feminista e de esquerda. A jornalista de programas políticos de rádio e televisão invadiu o cenário político nas eleições presidenciais do final de 2017 à frente de uma nova aliança, a Frente Ampla. A partir desse espaço, se coloca como uma oposição ao governo de direita de Sebastián Piñera, e como alternativa ao bipartidarismo que governa o Chile desde a queda da ditadura de Augusto Pinochet. Um Chile que ficou preso nas profundas raízes do modelo neoliberal.
A reportagem é de Mercedes López San Miguel, publicada por Página|12, 08-03-2019. A tradução é do Cepat.
"Somos uma alternativa de esquerda que amplia seu espectro, nos aglutinamos na defesa dos direitos humanos, buscamos um caminho alternativo ao neoliberalismo, com uma barreira intransponível entre os negócios e a política", argumentou para o Página/12 a mulher de 48 anos e mãe de três filhos.
Sánchez deixou sua marca nos editoriais das rádios mais importantes do Chile, inclusive se demitiu de uma delas em defesa de um dirigente sindical, em um país onde tal ato é uma exceção. Originária de Viña del Mar, é reconhecida como a novidade dentro de uma classe política que historicamente tem sido um clube fechado de homens brancos e urbanos, a maioria de Santiago. Isso foi até que Michelle Bachelet chegou ao Palácio La Moneda, a quem Beatriz Sánchez não votou, mas cujo segundo mandato (2014-2018) lhe gerou expectativas.
"Fomos todos iludidos pelo segundo governo de Bachelet, porque se propôs a ser um governo de mudanças estruturais, focado na educação. Bachelet leva muitas bandeiras de movimentos sociais: o conceito de educação gratuita, que o Chile não tem em mente, porque o comportamento cultural também é neoliberal. Quando os estudantes conseguem fazer com que o senso comum entenda a importância da educação gratuita como um direito, para resgatar a educação pública, onde termine a segregação, Bachelet promete essa mudança. Finalmente, não conseguiu a profundidade que se necessitava, e poderia ter feito, porque tinha uma maioria parlamentar".
A ex-candidata à presidência atribui esse meio caminho às próprias dissidências e oposições dentro da Nueva Mayoría (ex-Concertación). "Isso custou à Concertación hoje em dia ser inexistente como um conglomerado", afirma conclusivamente.
Beatriz Sánchez usava um lenço verde em seu pulso, adquirido quando participou em Buenos Aires do Primeiro Fórum Global de Pensamento Crítico do CLACSO. Perante o público, argumentou com veemência: "Sempre fui ativista pelo aborto em um país como o Chile. Em uma das primeiras entrevistas fui perguntada como candidata, se eu ainda acreditava no aborto legal, eu disse sim, e houve 20 segundos de silêncio. Parece que isso não pode ser considerado no Chile".
Durante o segundo governo de Bachelet, o Congresso aprovou a interrupção da gravidez em três casos: estupro, risco de vida da mãe ou do feto, as mesmas que supostamente regem na Argentina desde 1921. Nas ruas de Santiago foi ouvido um grito coletivo que atravessou gerações. A maré verde transandina recuperou força com as denúncias de assédio sexual nas instituições educacionais.
Beatriz Sánchez argumenta que quando a mulher deixa o papel designado pelo patriarcado, ela é colocada à prova. Conta que quando decidiu se candidatar, começou a importar se chorava, se fazia bico, se conhecia os temas, pois não havia estudado em uma das quatro universidades mais prestigiadas - ela se formou na Universidade de Concepción.
O fato de hoje haver na região uma restauração conservadora é explicado, segundo Sánchez, porque o poder reage para preservar o poder. "Os governos progressistas foram uma esperança, mas também um parêntese, aquela década conquistada. Nós tínhamos conservadores, latifundiários, patrões sempre, de uma elite determinada, que mudou com esse parêntese. Hoje, a explicação é: o poder cuida do poder, reage. O que aconteceu na América Latina também tem a ver com uma resposta do poder ".
Crítica de projetos personalistas, já que "se esgotam na pessoa". Sánchez elogia a experiência de Rafael Correa no Equador e o conceito de "economia do bem viver".
No livro Apuntes para las militancias, a socióloga María Pía López aponta que a direita constrói um modo punitivo de cuidar da vida, "um modo reacionário de lidar com o medo de perder a vida". Vale dizer, a direita apresenta como válido o direito de exercer a violência para enfrentar o fantasma de que somos vítimas.
Beatriz Sánchez afirma que um desafio da esquerda é precisamente se conectar aos medos dos cidadãos, em um dos países mais neoliberais do mundo, como define o Chile. "A vulnerabilidade é alta, as pessoas têm medo de perder seus empregos, ficar doentes, ou de ter filhos. Como você educa seu filho, se você tem que pagar por tudo no Chile? A nova esquerda, com um projeto de mudança estrutural, deve aproximar as pessoas deste sentido comum: queremos um país que funcione e também estamos preocupados com a segurança pública ", disse Sánchez, sem aspirações de dar lições.
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Chile. Uma voz feminista contra os medos da direita - Instituto Humanitas Unisinos - IHU