11 Fevereiro 2019
Várias agências de notícias informaram, e o Crux confirmou, que o Vaticano anunciará em breve uma decisão sobre o caso do ex-cardeal Theodore McCarrick, acusado de abusar sexualmente de um menino de 16 anos há mais de 50 anos, assim como de vários incidentes com padres e seminaristas adultos.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada em Crux, 10-02-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Segundo todos os relatos, McCarrick perderá seu status clerical, mais comumente conhecido como “laicização” ou “destituição”. Quando essa decisão é involuntária, ela é considerada como uma pena de morte para um clérigo segundo a lei da Igreja, a punição mais severa que pode ser imposta. por ofensas especialmente hediondas.
McCarrick já recebeu uma sanção incomum em julho, quando se tornou o primeiro cardeal em um século a perder seu barrete vermelho. Assumindo que a laicização aconteça, ele também será o clérigo católico de mais alto escalão nos tempos modernos a sofrer essa penalidade.
Grande parte das reportagens indica que o momento do anúncio é deliberado, no sentido de que o Papa Francisco e sua equipe vaticana querem que o caso McCarrick seja resolvido antes de uma cúpula de presidentes das Conferências Episcopais de todo o mundo sobre os escândalos de abuso clerical, marcada para os dias 21 a 24 de fevereiro.
Aqui está a questão, no entanto: mesmo que McCarrick seja destituído, isso dificilmente significará que seu caso acabou.
Na verdade, o fantasma de um ex-cardeal que sofre a penalidade máxima da Igreja enviaria um sinal importante antes da cúpula papal, sugerindo que Francisco está comprometido com uma política de “tolerância zero”, independentemente de quem esteja envolvido.
Com toda honestidade, no entanto, tudo o que se conseguiria é confirmar algo que a maioria dos observadores acredita que deveria ter sido resolvido há muito tempo: que, nas palavras de São João Paulo II, “não há lugar no sacerdócio e na vida religiosa para aqueles que prejudiquem os jovens”.
Sabemos há algum tempo que, pelo menos na maior parte do Ocidente, a Igreja Católica adotou severas medidas de responsabilização para os clérigos que cometem o crime de abuso de menor. Diante de tal acusação, um clérigo será imediatamente suspenso do ministério, enquanto uma investigação da Igreja se desdobra, e o seu caso é denunciado às autoridades civis. Se for considerado culpado, ele provavelmente sofrerá a perda do estado clerical, o que significa que ele será destituído.
Isso já é verdade há mais de uma década, e a única coisa que tal decisão acrescentaria no caso McCarrick é que os cardeais também não estão isentos disso.
Mas isso é apenas metade da batalha, porque o que os sobreviventes e os reformadores realmente querem não é apenas a responsabilização pelo crime, mas também pelo acobertamento.
O que tem irritado as pessoas desde o início em torno do escândalo McCarrick não é simplesmente o padrão de comportamento que ficou exposto, que pode ser especialmente irritante porque envolve um ex-cardeal, mas que, por si só, é tristemente familiar. O que criou o profundo sentimento de frustração que se sente na base católica é a percepção de que figuras de grande autoridade na Igreja estavam cientes das preocupações em torno de McCarrick, mas continuaram fazendo-o subir os degraus da hierarquia, muitas vezes por motivos políticos e de interesse pessoal.
Desde o início, o clamor não tem sido apenas por uma ação disciplinar contra McCarrick, por mais bem-vinda que algumas pessoas achem que ela seja (com toda a honestidade, a laicização neste ponto é em grande parte simbólica, já que McCarrick tem 88 anos e foi mantido em segredo em um convento dos capuchinhos no oeste do Kansas – ironicamente, a apenas 25 quilômetros de onde eu cresci).
A demanda real tem sido pela revelação completa sobre quem sabia o quê e quando – quem impulsionou a sua ascensão ao poder, e o que eles sabiam sobre os rumores e relatos sobre McCarrick na época?
No início, Francisco parecia entender que lidar com o acobertamento seria tão importante quanto lidar com o crime. Um comunicado vaticano disse que ele ordenou um “estudo completo de toda a documentação presente nos arquivos dos Dicastérios e Escritórios da Santa Sé”, a fim de “apurar todos os fatos relevantes, situando-os no seu contexto histórico e avaliando-os com objetividade”.
Como ou quando os resultados dessa revisão poderão ser comunicados não ficou claro, embora uma declaração vaticana tenha dito que as conclusões serão reveladas “no tempo devido”.
Naquele momento, o Vaticano também parecia disposto a ir até as últimas consequências, sinalizando que a investigação poderia colocar algumas lideranças da Igreja em maus lençóis.
“A partir do exame dos fatos e das circunstâncias, poderiam vir à tona escolhas que não seriam coerentes com a abordagem contemporânea para tais questões”, dizia a declaração.
Por fim, o Vaticano explicou as razões para tal revisão de seus arquivos nos termos mais claros possíveis: “Tanto os abusos quanto o seu acobertamento não podem mais ser tolerados”, afirmava-se.
Precisamente... há responsabilizações a serem feitas tanto pelo crime quanto pelo encobrimento, ou o trabalho não está sendo bem feito.
Já se passaram mais de quatro meses desde que o Vaticano emitiu essa promessa de um estudo minucioso e, até agora, “o tempo devido” parece ainda não ter chegado, já que nenhuma informação sobre as descobertas do estudo foi divulgada.
Certamente, os especialistas alertam que quase certamente não haverá uma “arma fumegante” nos arquivos, no sentido de haver uma prova indiscutível de que alguém tinha conhecimento firme dos pecados de McCarrick e, mesmo assim, fez avançar a sua carreira. No máximo, provavelmente obteremos pistas e seremos levados a conectar os pontos por conta própria, e nada mais – mas, é claro, até mesmo para isso seriam necessários mais dados do que temos agora.
Se Francisco e seus conselheiros querem que o caso McCarrick seja encerrado antes da cúpula do fim deste mês, portanto, apenas laicizá-lo não fará essa mágica. Eles também precisarão explicar como chegamos ao ponto em que tal mudança é necessária – e, é claro, precisarão oferecer algumas razões para acreditar que não voltaremos a estar aqui de novo.
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Cardeal McCarrick: uma simples ''destituição'' não significará o fim do caso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU