04 Dezembro 2018
“Uma derrota”. É assim que Marcio Astrini, coordenador de políticas públicas do Greenpeace e membro da coordenação do Observatório do Clima, classifica a retirada da candidatura do Brasil para sediar a próxima Conferência sobre as Mudanças Climáticas da ONU no ano que vem, a COP25. Durante a Conferência do ano passado, o Brasil anunciou a candidatura para sediar o evento em 2019. Para isso, teve que negociar ao longo de quase um ano com a Venezuela para que apoiasse a oferta, já que, para receber a COP, é preciso que haja consenso entre o grupo dos países latinos. Com o consenso, o Grupo de Países Latino-americanos (Grulac) confirmou à ONU a candidatura brasileira.
Mas nesta semana, às vésperas do início da COP24, que neste ano ocorre na cidade de Katowice, na Polônia, o Itamaraty anunciou o revés: por meio de nota, afirmou que “restrições fiscais e orçamentárias” e o “processo de transição” de Governo obrigaram o país a retirar a oferta de sediar o evento. De acordo com Astrini, porém, países que não têm condição financeira de sediar a conferência recebem ajuda da ONU.
“O dinheiro não seria o [problema] principal”, afirmou em entrevista ao EL PAÍS por telefone, pouco antes de embarcar para Katowice. A decisão do Itamaraty foi ratificada, em seguida, pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, que afirmou ter recomendado que se evitasse o evento no país. "Houve participação minha nessa decisão. Até porque está em jogo o Triplo A nesse acordo". Ele se refere a proposta de criação de um corredor ecológico que ligaria os Andes, passando pela Amazônia e terminando no Atlântico, que abrangeria mais de 300 áreas protegidas e cerca de 1.000 territórios indígenas.
Embora essa proposta não tenha nenhuma relação com a conferência do clima, ou mesmo com a ONU, Bolsonaro acredita que a criação do Triplo A tem relação com o Acordo de Paris e poderia colocar em risco a soberania brasileira. O Acordo, que tem como objetivo reduzir a emissão de gases do efeito estufa, foi negociado durante a Conferência do Clima de 2015, na cidade francesa, e tem o Brasil como um dos signatários. Para Astrini, a decisão da retirada da candidatura vem exatamente na esteira da possível saída do Brasil do Acordo. “[A retirada da candidatura da COP] é a primeira pedra que ele colocou no muro da vergonha que ele promete para o meio ambiente”, afirmou.
A entrevista é de Marina Rossi, publicada por El País, 03-12-2018.
O que significa, em termos ambientais e em termos diplomáticos, a retirada da candidatura do Brasil para sediar a Conferência do Clima do ano que vem?
É uma derrota. Se você olhar para as promessas de Bolsonaro durante a campanha, já era esperado. Mas é uma derrota do ponto de vista do país. O Brasil é maior do que Bolsonaro e o Governo dele. A gente sempre teve um papel de destaque nessas negociações internacionais e são poucos os pontos diplomáticos onde o Brasil tem destaque. Isso porque, claro, temos a Amazônia, mas temos também uma matriz energética mais limpa que outros países. Além disso, já sediamos outras duas conferências, a Eco 92 e a Rio +20. Fazer a Conferência no Brasil seria uma demonstração do compromisso do país com o meio ambiente e ajudaria na hora das negociações internacionais. Além disso, uma parte grande da nossa economia é baseada na agricultura, que depende basicamente de equilíbrio climático. Países com essas características têm apelo maior nas negociações nessas conferências. Em Copenhague [cidade que sediou a conferência em 2009], o Brasil foi o primeiro país a apresentar metas concretas de redução de gases [de efeito estufa]. Enfim, temos um corpo diplomático excelente nessas negociações climáticas.
Após esse anúncio da retirada, qual clima é esperado nesta Conferência?
O Brasil irá com uma imagem muito delicada para a Conferência. Primeiro, porque o aumento do desmatamento sempre fragilizou o Brasil. É uma coisa meio vergonhosa nessa questão de negociações com a ONU. Aumentar [o desmatamento], em pleno século 21, passa esse ar de incapacidade. Aí você junta no mesmo ano a negativa em sediar [a próxima conferência] por questões políticas. E junto com isso, vem as declarações do novo ministro das relações exteriores [Ernesto Araújo], de que a esquerda criou a ideologia da mudança climática. É meio vergonhoso. Então nesta COP, eu acho que perderemos um pouco o espírito dos negociadores brasileiros. Se você é de um país que faz muito pelo clima, cumpre suas metas e é um exemplo, quando você se senta numa mesa de negociação, você se senta com um certo peso. Mas não adianta ser bom em retórica se você tem dívidas. O que levaríamos para uma mesa de negociação como ativo, agora virou passivo. Todo mundo sabe da importância do Brasil e das promessas do Bolsonaro, mas quando elas começam a ser colocadas em prática, você vê que o que já era ruim, está virando realidade. Bolsonaro antes mesmo de assumir, começa a dar concretude à agenda que prometeu. Isso atrapalha a imagem do país. [A retirada da candidatura da COP] é a primeira pedra que ele colocou no muro da vergonha que ele promete para o meio ambiente.
O Itamaraty utilizou-se de um argumento financeiro para justificar sua decisão. Quanto custa sediar um evento como esse?
Não sei exatamente o valor. Mas alguns senadores conseguiram colocar a previsão dos gastos para o ano que vem, e havia também uma movimentação do Governo Temer para conseguir investimento externo. O dinheiro não seria o [problema] principal, porque caso o país queira sediar uma conferência e tenha alguma dificuldade, a ONU ajuda.
Quais são as consequências dessa retirada?
A retirada da candidatura afeta o nosso poder de negociação internacional. Em termos econômicos, boa parte dos clientes de produtos agropecuários do Brasil exige que a gente dê garantias de sustentabilidade do nosso produto. Ninguém quer comprar um quilo de carne que venha do desmatamento da Amazônia. Então nesse sentido, o Governo está dando um duplo mortal carpado: está voltando atrás sobre a candidatura para sediar a COP, ao mesmo tempo em que os índices de desmatamento estão aumentando. São dois dados que apontam retrocesso no âmbito das mudanças climáticas.
Mas apesar da retirada da candidatura para sediar a Conferência, o Brasil ainda segue como participante dela, correto?
Correto. O Brasil continua participando da COP, porque ainda é parte. Uma coisa é ser signatário do Acordo de Paris, outra coisa é ser membro das discussões de clima da ONU. Por exemplo, Donald Trump disse que sairia do Acordo de Paris, mas continua participando das conferências. O Brasil é signatário e também parte do grupo. Mas Bolsonaro já fez acenos para sair do Acordo, depois voltou atrás...
Acha que ainda está em jogo a saída do Acordo de Paris?
Está sob risco. Bolsonaro declarou que sairia, durante a campanha. E acho que isso teve uma relação direta na retirada da candidatura. Mas os trâmites não são tão simples. Para sair do Acordo, é preciso a aprovação do Congresso. Além disso, pelas regras da ONU, um país só pode romper com o Acordo depois de passados quatro anos da entrada em vigor, ou seja, em novembro do ano que vem. A saída definitiva ocorre depois de um ano da notificação, que seria novembro de 2020.
Se o Brasil sair do Acordo de Paris, o que pode ocorrer, na prática?
Os problemas de imagem e comerciais vão se agravar para o Brasil. Seria como se o Governo dissesse: eu estou dando as costas para qualquer ação em defesa do clima. Para a imagem do país é dizer que está contra o mundo. São 190 países, centenas de cientistas, milhares de estudos nos quais os acordos se baseiam. Sair dele é como o país dizer que não quer ajudar na solução e sim, fazer parte do problema. Isso pode ter um peso muito grande para a economia do Brasil. Inclusive quando Bolsonaro disse que sairia do Acordo de Paris, grandes exportadores do agronegócio se manifestaram contra, porque sabem o peso econômico que essa decisão pode ter.
Quais as expectativas, então, com o novo Governo em relação ao meio ambiente?
As piores possíveis. Nós vamos atuar diariamente para ele não cumprir as promessas que fez na eleição. Entre 2004 e 2014, houve cerca de 80% de redução do desmatamento da Amazônia. Essa redução se deu, basicamente, devido à criação de áreas protegidas, que são terras indígenas e unidades de conservação, e às ações de fiscalização e repressão ao crime. Só que as promessas principais de Bolsonaro para o meio ambiente são desfazer as unidades de conservação e acabar com o poder de atuação do Ibama, ou seja, desmontar o que deu certo no combate ao desmatamento. Fora isso, ainda há a mensagem dele de dizer que o Ibama, que é quem faz a repressão ao crime ambiental, está errado. Esse combo pode fazer explodir o desmatamento na Amazônia. E a última coisa que quem exporta os produtos produzidos na Amazônia quer é que o desmatamento aumente. Se o Estado incentivar o desmatamento, algo que nunca ocorreu de forma deliberada como agora, as empresas não vão conseguir provar que o que elas fazem é o suficiente [pelo meio ambiente].
Durante a eleição, Bolsonaro fez reiteradas críticas ao Ibama e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Acredita que o futuro dessas entidades está em jogo?
Algumas coisas prometidas por Bolsonaro durante a campanha não sei como poderão se concretizar. Por exemplo, ele vai ter que mudar a lei para poder vender terras indígenas. Nem sei se a Constituição permite isso. Mas, por outro lado, para acabar com o poder de ação do Ibama, por exemplo, é da noite para o dia. É só ele cortar orçamento. Então acho que isso está em jogo sim.
Acha que é possível que o Brasil volte atrás quanto à decisão da retirada da candidatura da COP?
Acho difícil. Até porque, se o Governo não é sério para essas coisas, a ONU é.
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“Bolsonaro promete um muro de vergonha para o meio ambiente”. Entrevista com Marcio Astrini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU