15 Outubro 2018
Novos santos proclamados nesse domingo, 14, em São Pedro pelo Papa Francisco. Sete no total. Entre eles, Paulo VI, o papa do Concílio Vaticano II e da encíclica Populorum progressio sobre o desenvolvimento e a libertação dos povos oprimidos, mas também da Humanae vitae e da ruptura com a “dissidência católica”. E Dom Oscar Romero, o “bispo feito povo”, morto em 1980 por um assassino dos esquadrões da morte no El Salvador da ditadura militar.
A reportagem é de Luca Kocci, publicada por Il Manifesto, 14-10-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Se existem poucas dúvidas sobre a “santidade” do mártir Romero (já santo para o seu povo há 40 anos. O Vaticano demorou mais, tendo que vencer as resistências daqueles que o rotulavam, como se fosse um pecado mortal, de “bispo vermelho”), a figura de Paulo VI é mais controversa.
Para o movimento internacional de reforma Nós Somos Igreja, a sua canonização é um “erro”. E permanece a forte crítica sobre a corrida a proclamar os papas santos, com a clara intenção de fortalecer e santificar o próprio papado: de fato, todos os do século XX, exceto os “inapresentáveis” Pio XI e Pio XII – mas nada exclui que isto ocorra no futuro – e Bento XV, muito subversivo por ter definido a Primeira Guerra Mundial como um “massacre inútil”.
Falamos sobre isso com Sergio Tanzarella, professor de História da Igreja na Faculdade Teológica da Itália Meridional, em Nápoles, e na Gregoriana, em Roma.
Paulo VI e Romero canonizados juntos. A escolha revela a vontade de temperar o radicalismo do bispo de San Salvador com o “moderacionismo” do Papa Montini? Um pouco como ocorreu em 2014, com a dupla João XXIII e João Paulo II...
Neste caso, parece-me uma feliz coincidência. Foi Paulo VI quem escolheu Romero como bispo e quem, depois, o transferiu para San Salvador. Associá-los me parece uma confirmação do reconhecimento do martírio de Romero, canonizado junto com o papa que o quis bispo e que, se não tivesse morrido, certamente o teria apoiado e defendido, como, ao contrário, João Paulo II não fez.
Paulo VI levou a termo o Concílio Vaticano II, mas também o levou de volta para trilhos mais tranquilizadores, após a fase de João XXIII. Qual sua opinião?
A ideia de um Paulo VI que normaliza o Concílio é uma lenda historicamente inconsistente. O Vaticano II parte de uma extraordinária intuição de João XXIII, da sua vontade de vencer as resistências curiais, das diretrizes delineadas no discurso de abertura, Gaudet mater ecclesia. Mas a primeira sessão foi interlocutória: era algo muito novo e grande para que se soubesse naqueles primeiros meses aonde se chegaria. Após a morte de Roncalli, nada era evidente sobre a continuação do Concílio, ao contrário, alguns o consideraram encerrado. Paulo VI o retomou firmemente, não se limitou a levá-lo a termo, mas o conduziu na sua fase mais longa e crucial até a sua conclusão.
Paulo VI tinha uma relação complexa com o mundo católico de base, tomou medidas contra o abade Franzoni e outros padres e comunidades da “dissidência”. Foi uma escolha de “moderacionismo” (democrata-cristão) contra as reivindicações radicais que pediam a plena implementação do Concílio? Ou a incapacidade de gerir uma temporada particularmente efervescente?
Foram anos muito bonitos e muito difíceis. O Concílio chegou depois de décadas de aparente imobilidade, colocou em movimento processos que, na Igreja, haviam sido por muito tempo negados e subestimados. Isso foi uma enorme dificuldade para Paulo VI. As duríssimas contraposições políticas, a Guerra Fria, as reivindicações sociais muito justas também abalaram a Igreja e a puseram em um terreno que, em parte, era totalmente novo para ela. O caso do Isolotto talvez seja a prova mais dolorosa, com a manutenção em Florença de um bispo inadequado para as exigências dos tempos e as demandas de maturidade e autonomia do laicato. No entanto, se lermos a Octogesima adveniens de 1971, descobrimos um Paulo VI clarividente e capaz de traduzir a experiência do Concílio diante da variedade das condições do mundo: “Perante situações, assim tão diversificadas, torna-se-nos difícil pronunciar uma palavra única e propor uma solução que tenha um valor universal. Mas isso não é ambição nossa, nem mesmo a nossa missão”.
Romero, já santo para o povo salvadorenho e latino-americano, também é reconhecido pela Igreja, após décadas de frieza e hostilidade. O Papa Francisco queria isso?
A causa foi desbloqueada por Bento XVI e levada a termo por Francisco. Hoje podemos reiterar, sem a possibilidade de sermos desmentidos, que houve mais de 30 anos de resistências e de calúnias contra Romero, primeiro vivo e, depois, após ter sido morto. Um certo episcopado local e alguns cardeais curiais tentaram apagar e ignorar os traços de sangue do seu martírio, mas fracassaram miseravelmente. No entanto, resistências e calúnias não param nem mesmo diante da canonização. Diversos estudantes me dizem que, nas suas dioceses, o nome de Romero ainda é “proibido”. E também em Roma, em um certo alto clero ou entre os intelectuais católicos, sente-se claramente que São Romero mártir nunca entrará no seu calendário.
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Paulo VI e Romero: ''Uma feliz coincidência'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU