26 Setembro 2018
"Para desenvolver uma verdadeira Pastoral Familiar não podemos partir da “família ideal” (a família em si), mas das “famílias reais” (as famílias que de fato existem); apresentar a proposta de vida de Jesus e respeitar (sem condenações) as etapas de crescimento das famílias, sabendo que - no mundo - nenhuma família vive de maneira plena o ideal de Jesus. Ele é uma busca contínua", escreve Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e professor aposentado de Filosofia da UFG, 15-08-2018.
No documento “Família e Demografia” - que é o terceiro - a II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e Caribenho de Medellín começa afirmando: “Nesta tomada de consciência da Igreja a respeito de si mesma, enquanto inserida na realidade latino-americana, é-lhe indispensável a reflexão sobre a realidade da família”.
Reconhece, pois, que esta reflexão não é fácil, por várias razões. “Porque a ideia da família encarna-se em realidades sociológicas sumamente diversas. Porque a família tem sofrido, talvez mais que outras instituições, os impactos das mudanças e transformações sociais. Porque na América Latina a família (reparem!) sofre de modo especialmente grave as consequências ‘dos círculos viciosos’ do subdesenvolvimento: más condições de vida e cultura, baixo nível de salubridade, baixo poder aquisitivo etc., transformações que nem sempre se podem captar adequadamente”.
Na América Latina e Caribe, como também em outras partes do mundo, a família encontra-se “em situação de transformação” e sofre “a influência de quatro fenômenos sociais fundamentais”:
1. “Passagem de uma sociedade rural a uma sociedade urbana, o que leva uma família de tipo patriarcal a um novo tipo de família, de maior intimidade, com melhor distribuição de responsabilidades e maior dependência de outras micro - sociedades.
2. O processo de desenvolvimento (reparem novamente!) implica em abundantes riquezas para algumas famílias, insegurança para outras e marginalidade social para as restantes (que, infelizmente, são a maioria).
3. O rápido crescimento demográfico, que não deve ser tomado como a única variável demográfica e muito menos como a causa de todos os males da América Latina (e Caribe), engendra vários problemas tanto de ordem socioeconômica como de ordem ético-religiosa.
4. O processo de socialização, que subtrai à família alguns aspectos de sua importância social e de suas zonas de influência, mas deixa intactos seus valores essenciais e sua condição de instituição básica de sociedade global”.
Estes fenômenos - afirmam os bispos - “produzem na família concreta da América Latina (e Caribe) algumas repercussões que se traduzem em problemas de certa gravidade”. Na impossibilidade de catalogá-los todos, apontam “os que parecem ter maior transcendência, incidência mais frequente ou maior repercussão sócio - pastoral”:
Os participantes da Conferência concluem dizendo: “Nosso dever pastoral é fazer um premente apelo aos que governam e a todos os que possuem alguma responsabilidade a respeito, para que deem à família o lugar que lhe corresponde na construção de uma cidade temporal digna do ser humano, ajudando-a a superar os graves males que a afligem e impedem sua plena realização.
Como é atual essa análise e interpretação da realidade da família na América Latina e Caribe! Ah, se hoje os Encontros ou Congressos de Pastoral Familiar começassem - como nos ensina Medellín - com “a reflexão sobre a realidade da família”! Os resultados seriam outros.
Para desenvolver uma verdadeira Pastoral Familiar não podemos partir da “família ideal” (a família em si), mas das “famílias reais” (as famílias que de fato existem); apresentar a proposta de vida de Jesus e respeitar (sem condenações) as etapas de crescimento das famílias, sabendo que - no mundo - nenhuma família vive de maneira plena o ideal de Jesus. Ele é uma busca contínua.
Tomar consciência da situação de injustiça em que vive a maioria das nossas famílias e lutar por seus direitos a fim de que todas as famílias tenham o necessário para uma vida digna, não é parte integrante da Pastoral Familiar? Lendo certos textos sobre Pastoral Familiar ou relatórios de Encontros e Congressos tem-se a impressão que essas questões de direitos humanos e de justiça não têm nada a ver com a Pastoral Familiar. Não é uma atitude - ingênua ou não - que legitima a situação de injustiça institucionalizada e legalizada, na qual vive a maioria de nossas famílias? Não é essa uma fuga dos reais problemas das famílias? Não seria bom que a Pastoral Familiar retomasse o ensinamento de Medellín vivenciando o método “ver, julgar, agir” (analisar, interpretar, libertar) e “celebrar”?
Como diz o Documento de Aparecida (e não somente Medellín), ele "nos permite articular, de modo sistemático, a perspectiva cristã de ver a realidade; a assunção de critérios que provêm da fé e da razão (ou seja, da razão iluminada pela fé) para seu discernimento e valorização com sentido crítico; e, em consequência, a projeção do agir como discípulos/as missionários/as de Jesus Cristo" (19).
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Medellín em gotas. 16º- Realidade da família - Instituto Humanitas Unisinos - IHU