23 Agosto 2018
"O entendimento da Igreja sobre quem ministra, como se ministra e como ela treina e dá suporte a uma gama muito maior de pessoas para ministrar precisa de uma reformulação total", escreve Terry Laidler, que foi padre católico e agora é psicólogo em prática forense em Melbourne, Austrália, em artigo publicado por La Croix International, 22-08-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
A carta do papa de 20 de agosto de 2018 condenando o abuso sexual por parte do clero e seu encobrimento sistemático começa a demonstrar verdadeira compaixão pelos maltratados e por algumas das perplexidades e exasperações que mesmo as pessoas que apoiaram a Igreja experimentaram à medida que a crise se desenrolava sem solução:
Claro, há menção de "pedir perdão" e "penitência e oração", olhar para Maria como um modelo, "conversão", "unção interior" e "resolver", mas isso soa tão oco quanto "pensamentos e orações" diante dos tiroteios em massa nos EUA!
O papa Francisco está indo agora para a Irlanda, a Igreja mãe de muitas Igrejas de língua inglesa e onde o abuso floresceu.
Ele é um homem corajoso: entra em um microcosmo da crise que confronta o catolicismo mundial, a desautorização e o declínio de sua Igreja acarretados por essas revelações de abuso generalizado e encobrimentos sistêmicos por parte daqueles encarregados da proteção e do cultivo da fé.
Há algo que ele possa dizer ou fazer enquanto estiver lá para abordar a escala e a profundidade do problema? Eu penso assim: ele deveria convocar o Concílio Vaticano III.
Duas vezes nos últimos 150 anos, diante das crises evidentes, os papas fizeram exatamente isso: primeiro, para enfrentar as ameaças do Iluminismo (que ironicamente a própria Igreja havia gerado); e então quase um século depois, quando isso não teve sucesso, realocar a Igreja no mundo moderno, em meio a “as alegrias e esperanças, as aflições e ansiedades do povo desta época”.
Isso também fracassou, pelo menos em parte, na minha opinião, por causa das políticas de restauração seguidas pelos dois predecessores de Francisco.
Diante da atual crise existencial, qual deveria ser a agenda de um terceiro Concílio Vaticano? Eu vejo três áreas cruciais de teoria e prática que precisam ser abordadas com urgência:
1. O apego equivocado e inflexível da Igreja Católica a noções desatualizadas da natureza humana, e especialmente a compreensões binárias prescritivas de sexo, gênero e sexualidade, que são tão insustentáveis à luz do conhecimento científico moderno quanto o criacionismo ou a teoria da Terra plana. As consequentes distorções no entendimento das relações humanas e do comportamento sexual, casamento e criação dos filhos, celibato e virgindade impedem discussões honestas, permitem que o sexismo e a homofobia prosperem e evita mudanças necessárias.
2. Essas distorções são reforçadas pelo perigoso equívoco da Igreja sobre a natureza e o propósito do ministério e da autoridade que permitiu a retenção do sistema de governo quase feudal e patriarcal que é incompatível com as expectativas razoáveis de igualdade e participação em uma comunidade global interconectada. Esta é a pedra fundamental do clericalismo que o próprio papa denuncia. Eu considero importante o compromisso do papa Francisco com o que ele chama de sinodalidade ao pensar que um movimento além desse mal-entendido disfuncional poderia ter começado em algumas partes da Igreja.
3. O clericalismo também é causado e sustentado ao escolher apenas homens solteiros e treiná-los para o ministério nos seminários ou em regimes monásticos. Não deveria ser uma surpresa para ninguém que as sementes plantadas ali fazem florescer uma casta exclusiva e autoritária. O entendimento da Igreja sobre quem ministra, como se ministra e como ela treina e dá suporte a uma gama muito maior de pessoas para ministrar precisa de uma reformulação total.
Para um Vaticano III ter alguma chance de sucesso, não poderia ser um Concílio como os anteriores, ou seja, milhares de padres treinados, como este que vos fala, magistralmente definindo o que um leigo complacente deveria fazer.
Primeiro, os católicos não mais aceitarão complacentemente o que for dito; a confiança que eles tinham em sua liderança se foi. E em segundo lugar, eles não deveriam fazê-lo, pois isso apenas reforçaria as próprias fontes da crise atual.
O Vaticano III precisaria extrair da grande riqueza da experiência vivida pela Igreja e a especialização que está em seu meio: bispos em diálogo com mulheres, jovens, líderes não-ordenados em desenvolvimento, saúde, educação, ciências, direito e economia.
Isso daria certo? Eu não sei! O velho ditado inglês diz que muita água pode ter fluído sob a ponte. Mas, ao meu ver, é o único caminho de volta do precipício para o qual as estratégias anteriores levaram as coisas.
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Eis o que faltou na carta do Papa Francisco: Convocar o Vaticano III - Instituto Humanitas Unisinos - IHU