Por: João Vitor Santos | 18 Agosto 2018
Seja no trabalho, na família ou na confraternização entre os amigos, quando o assunto das eleições deste ano entra na conversa, surge a frase: “está difícil de escolher um candidato”. E não é por acaso. O pleito de 2018 se dá ainda na reverberação de uma crise política e de representatividade que tem sacudido o mundo. No Brasil, além desse contexto global, a crise econômica, escândalos de corrupção e fissuras institucionais contribuem para que o eleitor, que já se deu conta de que a velha política não é mais capaz de atender as necessidades desses tempos, sinta-se incomodado com o “cardápio” de candidatos que têm se apresentado para a corrida eleitoral. Para tentar iluminar um pouco esse quadro, o professor do curso de Relações Internacionais da Unisinos Bruno Lima Rocha apresentou sua análise política sobre o cenário eleitoral. “Estamos num cenário muito difícil de fazer qualquer previsão. Mas, pelo que temos visto hoje, é possível fazer algumas projeções”, destacou, na conferência Os projetos políticos da eleição brasileira de 2018. (Im)previsões e análises, realizada na tarde de quinta-feira, 16/08, dentro do espaço do IHU Ideias.
Bruno percorre os principais nomes da disputa presidencial e observa quais seriam, hoje, as chances de sucesso e no que, numa possível vitória na corrida ao Planalto, implicariam esses próximos dois anos do novo governo. “O que está mais claro é que, se a eleição fosse hoje e Lula fosse candidato, sairia vitorioso. Mas isso provoca um grande paradoxo”, observa. Para ele, mesmo Lula sendo um grande pactuador nacional, não teria condições de acalmar os ânimos e, além disso, poderia provocar uma convulsão ainda maior. “Ele poderia fazer um novo pacto? Poderia, mas só se tivesse a maioria dos votos no parlamento e não tivesse o veto do Judiciário e dos grandes grupos de mídia que promoveram o golpe”, analisa.
Entretanto, é sabido que Lula tem grandes chances de ser impedido de concorrer. Nesse caso, a grande aposta do PT é a transferência de votos para Fernando Haddad. “Só que pode não haver essa transferência de votos que se espera. Talvez consiga 1/3, mas isso também não é certo”, completa. Mas esse não é o único elemento controverso das eleições de 2018. A esquerda está dividida e mesmo a direita não consegue de imediato uma unidade. Além disso, Jair Bolsonaro, apesar de odiado por muitos, tem despontado nas pesquisas de intenção de voto, perdendo só para Lula. Esse cenário traz ainda mais dúvidas: num segundo turno entre Lula ou Haddad contra Bolsonaro, os votos da direita migrariam para o candidato do PT? E num segundo turno entre Geraldo Alckmin, o terceiro nas pesquisas, e Bolsonaro, como ficam os votos da esquerda?
Bruno: “Estamos num cenário muito difícil de fazer qualquer previsão. Mas, pelo que temos visto hoje, é possível fazer algumas projeções”
(Foto: João Vitor Santos/IHU)
Para Bruno, a questão não é defender ou não a ideia de voto útil, aquele em que o eleitor escolhe entre os candidatos que têm mais chance de vitória. Mas é preciso ter consciência dos cenários possíveis e das consequências da escolha. “Como analista, minha proposta é que cada um se organize da forma política que mais se sentir seguro e mobilize suas forças nisso”, aponta. Agora, se a pergunta for qual o desejo de Bruno, que conselho ele daria para orientar a escolha de um candidato, o analista não se furta: “acho que tem que pensar em algo mais à esquerda. É a única forma de conceber alguma chance de virada de mesa”.
No intuito de promover uma reflexão sobre o atual quadro, Bruno tece seus comentários acerca de diversos cenários possíveis. Confira:
Caso Lula não possa concorrer, Haddad seja candidato e consiga a vitória, uma questão se coloca: qual o futuro do ex-presidente Lula? Para Bruno essa é uma questão crucial e tem impacto direto nesse novo governo. “Será que o presidente da República indultaria o ex-presidente Lula? Imagine se isso ocorrer. E mais: Lula assumiria um cargo ministerial? A única chance de Lula não ser preso seria ter um cargo no governo ou ser exilado. Mas, em qualquer uma dessas possibilidades, haveria reação muito forte”, aponta.
Bruno ainda lembra que o PT teria que partir ofensivamente para a busca de terreno para assegurar sua governabilidade. Isso, na prática, seria promover uma nova coalizão a qualquer preço. Nesse caso, as reformas tão esperadas ficariam em segundo plano. Para ele, se o PT, mesmo com esse cenário de reação à suposta vitória eleitoral, bancar as reformas, estaria arriscando mais do que arriscou nos seus 13 anos de governo. “Lembre que depois das Jornadas de Junho, Dilma Rousseff tentou colocar em pauta uma reforma constituinte quando tinha 79% de aprovação popular. Mas, na época, o PMDB reclamou e ela retirou o projeto. Imagine isso num cenário em que a aprovação popular não chegue a índices tão altos?”, questiona.
Se imaginarmos que Lula realmente fique alijado da disputa, Jair Bolsonaro assume a liderança das intenções de voto. Para Bruno, numa suposta vitória dele, não terá condições de governar “porque ele não tem um projeto de pacto nacional”. Além disso, para Bruno, pensar num suposto governo Bolsonaro é muito difícil em razão de suas instabilidades. “Bolsonaro cresce no debate quando ele prega o ódio, mas isso é performance. Não tem a consistência de um projeto político”, pontua. O analista reconhece que muitos são eleitos sem um programa claro; o próprio Barack Obama apostou muito mais em slogans do que na apresentação de um projeto claro e consistente. “Mas, no caso de Bolsonaro é diferente. Ele prega uma coisa, mas segue outra linha quando se aproxima de generais importantes, condecorados, que foram para a reserva”, destaca. Bruno ainda se arrisca a afirmar que “Bolsonaro cresce quando consegue traçar linhas similares com o que foram as perspectivas econômicas do Regime Militar. O Regime foi ruim, mas houve perspectivas econômicas que foram interessantes”.
Na prática, Bruno demonstra como o candidato conquista adesão ao falar em políticas econômicas mais liberais, reduzindo a ação do Estado. Mas essa é justamente uma linha contrária a que defendem os generais, que já pensam na maior intervenção estatal. Isso pode provocar rachas e disputas muito sérias. “Além disso, no Congresso ele terá o quê? 100 votos? Como vai governar assim? Apoiado em generais? E se rachar com eles?”, problematiza.
Para Bruno, todo o esquema que culminou no impeachment e as ações do governo Temer são uma espécie de preparação para um programa de governo do PSDB. “A cama está pronta para Geraldo Alckmin. Se ele reproduzir as alianças eleitorais que fez também no Congresso, consegue governar. Fará o de sempre, nada de novo, mas pode conseguir governar”. O problema é que essa mesma “cama que está sendo preparada” engessaria o possível Governo Alckmin. Afinal, segundo Bruno, reeditaria a velha política brasileira de troca de favores com parlamentares em nome da governabilidade.
Para Bruno, Ciro Gomes e Marina Silva se aproximam muito quando a questão é a articulação, o traquejo político. “Mas o PDT de hoje não se difere de qualquer partido oligárquico que conhecemos. É mais ou menos o que o PT também está se tornando”, aponta. Para o analista, um dos exemplos mais claros é que no Rio Grande do Sul, o PDT esteve em todos os governos. “Esteve, foi governo e depois saiu”, completa. Além disso, essa perspectiva oligárquica e de conciliação fica mais clara quando se olha para a sua vice, Kátia Abreu, grande ícone do agronegócio.
Candidatos ao Governo Federal (Imagem: Roma News)
Sobre a política econômica de um possível governo Ciro, Bruno o define como “um oligarca esclarecido que foi para o nacional-desenvolvimentismo”. Ou seja, não romperia com o financiamento do mercado em nome de uma ideia de desenvolvimento. Para Bruno, esse também seria um ponto de encontro com Marina. “Ela busca alianças, tem programas muito interessantes na área do meio ambiente e também na área social, mas se percebe que o financiamento para isso continua atrelado ao mercado”.
Marina ou Ciro teriam suas dificuldades para governar com o parlamento. A diferença, para Bruno, é que Ciro Gomes teria o trunfo de “jogar com os governadores”. “Faria uma política voltada para os estados, repactuaria suas dívidas e estimularia os governadores para que pressionassem suas bancadas no Congresso”, projeta.
Bruno não esconde que a chamada “crise da esquerda” desanima aqueles que têm esperança nas reformas. Para ele, seja com Ciro, Marina ou mesmo com o PT, a esquerda, ou centro-esquerda, tem viabilidade eleitoral. “Mas é impossível fazer um governo reformista com virada de mesa”, reconhece. Para ele, se o eleitor quer reformas, o caminho é pensar no PSOL de Guilherme Boulos e dali para a extrema esquerda. “Mas é preciso que fique claro que poderá haver respostas no sentido de um contragolpe”, acrescenta.
Bruno Lima Rocha reconhece que, diante desse cenário que constituiu, uma escolha do eleitor fica ainda mais complexificada. Por isso, aponta que é importante ter algumas questões de horizonte. “Qualquer um que assumir o Governo Federal, na realidade do Brasil de hoje, precisa de capital político porque, senão, vai dormir em ‘cama de faquir’”. Assim, se a intenção do eleitor é pensar em estratégias para reverter as ações do governo Temer, é preciso ter isso em mente. Por mais que Marina, Ciro, o PT e Boulos queiram reverter o quadro atual, isso só será possível com base no Congresso. Além disso, mesmo candidatos como Alckmin e Henrique Meirelles, que pensam na mesma linha do governo Temer, é preciso adesão para reverter algumas ações. Afinal, a PEC 55, entre outras medidas, engessa o governo. “Não adianta, o governo tem que ter espaço fiscal para governar”.
Para Bruno, um caminho que revisaria essas medidas com chance se sucesso seria na via do trabalhismo. “Embora cometa o astericídio, faria com mais flexibilidade”. “Se Alckmin ganhar, vai torrar todo seu capital político para fazer o que Temer tentou fazer e não conseguiu, como a reforma da previdência, a privatização da Petrobras”. Sobre Bolsonaro, em tese, acredita que faria a mesma coisa que Alckmin. “Mas não dá para afirmar. Ele é muito imprevisível”, considera.
Graduado em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Atualmente realiza estágio pós-doutoral em Economia Política pela UFRGS. É professor de Relações Internacionais e Jornalismo na Unisinos.
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Voto por ideologia, útil ou de protesto? Os desafios do eleitor em 2018 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU