27 Julho 2018
O cardeal conselheiro do papa afirma que só há procedimentos claros e uma “política de tolerância zero” para os sacerdotes pedófilos ou os acobertadores. Uma catástrofe: a autoridade moral da Igreja está em perigo.
A reportagem é de Gian Guido Vecchi, publicada em Corriere della Sera, 25-07-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Uma “grande lacuna”. Uma brecha, um vazio a se preencher. Existem procedimentos claros e uma “política de tolerância zero” para os sacerdotes pedófilos ou os acobertadores. Mas “quando são feitas denúncias que dizem respeito a um bispo ou a um cardeal, ainda existe uma grande lacuna na política da Igreja sobre a conduta sexual e sobre o abuso sexual”.
As palavras do cardeal Seán Patrick O’Malley, arcebispo de Boston, põe o dedo na ferida: “Esses casos requerem mais do que desculpas”. E são palavras importantes, porque O’Malley foi enviado para Boston há 15 anos para construir sobre os escombros do mais grave escândalo de pedofilia na Igreja estadunidense (que foi contado ao cinema no filme “Spotlight”), preside a Comissão para a Proteção dos Menores, do Vaticano, e faz parte do Conselho dos nove cardeais que ajuda o papa no governo da Igreja.
O’Malley pede “procedimentos mais claros para casos envolvendo bispos”, invoca “protocolos transparentes e coerentes para garantir a justiça às vítimas e para responder adequadamente à indignação legítima da comunidade” nos Estados Unidos, assim como resto do mundo e, em suma, escreve claramente: “A Igreja precisa de uma política forte e abrangente para lidar com as violações dos votos de celibato por parte de bispos em casos de abuso criminoso de menores e em casos envolvendo adultos”
Em Santiago, o cardeal Ricardo Ezzati acaba de receber uma intimação para o 21 de agosto por parte da Procuradoria da região de O’Higgins e está sendo investigado por ocultação de abusos cometidos por sacerdotes chilenos: o escândalo que abalou a Igreja chilena resultou até agora em 158 suspeitos de violência contra menores ou de encobrimentos.
Em Melbourne, o cardeal George Pell está sendo processado por abuso. Do Chile à Austrália, o problema é sério e decorre de décadas de omissão. Foi Bento XVI quem denunciou publicamente e rompeu a mentalidade do acobertamento que pretendia, assim, “defender a instituição”, quem definiu a “tolerância zero” e a prevenção continuada por Francisco.
Mas a Igreja muitas vezes se viu perseguindo escândalos que, frequentemente, emergem do passado. O mais recente e mais surpreendente, a ponto de levar O’Malley a denunciar a “lacuna” quando se trata de altas hierarquias eclesiais, é o caso do cardeal emérito de Washington, Theodore McCarrick, 88 anos, acusado, entre outras coisas, de ter abusado de um adolescente há 45 anos, quando ele ainda era um simples padre em Nova York.
O arcebispo emérito defende a sua inocência, mas as investigações estão em andamento. Enquanto isso, por indicação do papa, o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado vaticano, impôs a McCarrick que “não exerça seu ministério sacerdotal em público”.
Em 2000, McCarrick foi enviado por João Paulo II para liderar a diocese da capital dos Estados Unidos. Nos 15 anos anteriores, ele havia sido bispo em Newark. O cardeal de Newark, Joseph William Tobin, escreveu que sua diocese “nunca recebeu uma acusação de que o cardeal McCarrick tinha abusado de um menor”, mas “houve acusações no passado segundo as quais ele estava envolvido em relações sexuais com adultos”.
Como foi possível que, ao longo do tempo, ele fosse enviado para Washington e criado cardeal no ano seguinte, em 2001? Sobre o caso, a revista dos jesuítas America escreveu um editorial muito duro: “A Igreja e seus líderes deveriam se envergonhar da sua incapacidade”.
As palavras do cardeal O’Malley, além disso, vão além do caso estadunidense. Francisco havia dito com clareza em 2014: “Sobre esse problema, não haverá ‘filhinhos de papai’”. Em 2016, com o motu proprio “Como uma mãe amorosa”, o papa estabeleceu que, entre as “causas graves” que envolvem a remoção de um bispo, há também a “negligência” em relação aos casos de abuso sexual: deve ser expulso não só quem os comete, mas também quem os encobre ou permanece inerte.
Sobre o caso chileno, em 18 de maio, o Papa Francisco impôs a todos os bispos do país que devolvam em suas mãos o mandato deles e, enquanto isso, mandou cinco deles embora.
Em 2015, foi anunciado o nascimento de um “tribunal dos bispos” no Vaticano, uma seção particular a ser instituída na Congregação para a Doutrina da Fé, mas nunca se fez nada com ele. Em março de 2017, o então prefeito, Gerhard Ludwig Müller, disse ao Corriere: “Tratou-se de um projeto, mas, depois de um intenso diálogo entre vários dicastérios envolvidos na luta contra a pedofilia no clero, concluiu-se que, para enfrentar eventuais negligências delituosas dos bispos, já temos a competência do Dicastério para os Bispos, os instrumentos e os meios jurídicos. Além disso, o Santo Padre sempre pode confiar um caso especial à Congregação”.
À cúpula do ex-Santo Ofício, enquanto isso, chegou o cardeal Luis Francisco Ladaria Ferrer. Certamente, tudo o que se fez ainda não é suficiente: “Cada novo relato de um abuso clerical, em todos os níveis, cria dúvidas nas mentes de muitos sobre o fato de estarmos efetivamente enfrentando essa catástrofe na Igreja”, escreve O’Malley. E ainda: “É minha convicção de que três ações específicas são necessárias neste momento. Primeiro, uma justa e rápida avaliação dessas acusações; segundo, uma verificação da adequação de nossos padrões e políticas na Igreja em todos os níveis, especialmente no caso dos bispos; e, terceiro, comunicar mais claramente aos fiéis católicos e a todas as vítimas o processo para apresentar denúncias contra bispos ou cardeais”.
A conclusão do cardeal de Boston é lapidar: “Não tomar essas ações ameaçará e porá em perigo a já enfraquecida autoridade moral da Igreja e poderá destruir a confiança exigida da Igreja para guiar os católicos”.
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Pedofilia: ''Faltam procedimentos claros sobre cardeais e bispos'', afirma cardeal O'Malley - Instituto Humanitas Unisinos - IHU