27 Junho 2018
Embora tenha partido como uma ideia que gira há alguns dias pelas redes sociais, diferentes grupos de leigos no Chile a acolheram e estão se esforçando para que seja uma realidade: tornar esse lugar um Memorial do Abuso Sexual Eclesiástico em nosso país. Já se conversou em diferentes reuniões e a iniciativa caminha de boca em boca com o objetivo de simbolizar um novo “Nunca Mais”.
A reportagem é de Alejandra Carmona López, publicada por El Mostrador, 26-06-2018. A tradução é do Cepat.
“E se organizarmos uma campanha para tornar a igreja de El Bosque um Memorial do Abuso Sexual Eclesiástico no Chile? Compartilhe!”, diz a fotografia que começou a circular pelas redes sociais com a imagem que é o ícone do pior registro para os sacerdotes no Chile: a paróquia de Fernando Karadima, onde começou a se desmoronar a credibilidade e a confiança pública que a Igreja católica havia tecido durante décadas no país.
É muito mais que um meme caprichoso. É uma ideia que encontrou especial acolhida entre os grupos de leigos que se reúnem permanentemente em diferentes cidades e que se tornaram uma voz cada vez mais importante na rota que a Igreja católica tomou, após os escândalos de abusos sexuais.
“Homologando o que é o tema da memória com os casos de Direitos Humanos – que são perpetrados pelos estados – queremos que a igreja de El Bosque se torne o símbolo do ‘Nunca Mais’”, disse Osvaldo Aravena, integrante da Coordenação Nacional de Leigos.
Para Carol Crisosto – leiga dos Sagrados Corações de Concepción –, a campanha pela transformação no papel da paróquia de El Bosque é também uma oportunidade para apoiar simbolicamente a mudança que a instituição deve sofrer por dentro. “Para a sociedade, é um ícone do abuso e da mudança de eclesialidade que permitiu atentar contra os direitos humanos das crianças e jovens, a partir do clero”, precisa.
Crisosto explica que “queremos pedir que seja destinada para outro uso, talvez um museu da memória, para que jamais esqueçamos como, em nome de Jesus, houve um criminoso que dominou a partir de uma eclesiologia perversa chamada reino de Karadima... que atraía vocações entre a elite, algumas com unção episcopal, que serviram para substituir essa Igreja que tanto trabalha pelos direitos humanos”.
Após o terremoto que significou o caso Karadima para os fiéis da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus - conhecida como El Bosque -, a igreja continuou funcionando. Há aqueles que se distanciaram para sempre, mas outros continuam acreditando nesse lugar como um motor de sua fé.
Embora agora o pároco seja Carlos Irarrázaval, que no ano de 2011 sucedeu Karadima por mandato do arcebispo de Santiago, Ricardo Ezzati, para aqueles que propõem transformar o lugar, este continua sendo uma espécie de ‘zona zero’ da dor vivida por dezenas de pessoas abusadas sexualmente.
A importância dos diferentes movimentos de leigos parece incipiente no processo que a Igreja no Chile está vivendo, mas sempre esteve presente. Foi mais visível pós-Concílio Vaticano II – um evento que marcou a abertura da instituição, em fins dos anos 1950 – e se fez ainda mais forte durante a ditadura de Pinochet.
Então, era muito comum encontrar párocos trabalhando de mãos dadas com os vizinhos, igrejas fazendo oficinas de carpintaria para entregar ferramentas de trabalho e um longo etc., que se camuflou na agenda da elite da Igreja, já com a entrada da democracia. No entanto, nunca desapareceu.
Agora, os leigos estão retomando esse espaço de poder para o tornar visível no interior da instituição. Neste fim de semana, reuniram-se na paróquia da Villa Francia e compareceram cerca de 50 pessoas. Há duas semanas, reuniram-se aproximadamente 75 em Chillán; e de um encontro anterior, em Osorno, participaram 150.
O porta-voz do grupo Igreja contra o Abuso, Marcelo Salinas, comenta que a importância dos leigos é fundamental, porque as pessoas, os católicos batizados, são a Igreja e não estão submetidos a uma hierarquia clerical: “O clero é uma instituição a qual se conferiu de alguma maneira nos aproximar e nos dar a possibilidade de viver em comunidade, não são patrões e nem são donos de uma verdade. A Igreja somos nós”, enfatiza.
“Na verdade, esta crise da Igreja é a crise de um clero perverso e elitista”, acrescenta.
A Rede Laical começou a se organizar no ano 2010 e agrupa, sobretudo, as comunidades de base da Igreja católica, como Cristo Libertador, de Villa Francia; São Pedro - São Paulo, de La Granja; e São Caetano, de La Legua. Mas também de outras cidades, como Temuco, Talca e Osorno. “Sem dúvida, o principal incentivo à reorganização laical é o exemplar testemunho dos sobreviventes de abuso, que reivindicaram sua fé no Cristo da história”, disse Osvaldo Aravena, que participa na paróquia de Villa Francia.
“Nosso principal objetivo é organizar, unir, ativar e articular o laicato de todo o Chile para que se torne um ator com protagonismo e vigilante desta etapa de reconstrução da Igreja”, destaca.
Crisosto comenta que as comunidades históricas dos leigos estão mais vivas que nunca e uma mostra disso foi Osorno e o papel crucial que cumpriram no momento de pressionar para conseguir a saída do bispo Juan Barros. “O clero tem medo das comunidades cristãs de base, porque não querem que vivam na Igreja comunidades autônomas fora de seu controle, mas as leigas e os leigos devemos continuar nos organizando para retirar a podridão e a criminalidade que atenta contra os direitos humanos de todos que abraçam a religião católica”, sentencia.
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Chile. Retirar os lobos de El Bosque: a intenção de tornar a paróquia de Karadima um ícone contra o abuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU