19 Junho 2018
Foto: Books Google
Em meio à polarização e à cisão do debate político nacional, Brasil: O Futuro que Queremos é um livro raro para o que ele se propõe às vésperas de uma eleição presidencial: discutir o País e dialogar com o outro, considerando o adversário uma voz dissonante e não um inimigo. A obra reúne textos de 12 especialistas em áreas distintas, mas que se conectam entre si, outro mérito do livro. É clara a ligação entre os temas educação e ciência e tecnologia; cidades e moradia; economia, finanças e relações internacionais; esporte, saúde e segurança pública; agricultura e meio ambiente. Como escreveu na introdução do livro o historiador e coordenador do projeto, Jaime Pinsky, os textos trazem “propostas concretas, sem milagres”.
O artigo é de Vítor Marques, publicado por O Estado de S. Paulo, 17-06-2018.
O capítulos, curtos e didáticos, seguem um padrão e se afastam do estilo acadêmico. O autor apresenta o problema nacional que afeta sua área de pesquisa, descreve como o País chegou ao ponto crítico, segundo sua visão, e apresenta soluções e propostas. De acordo com Pinsky, a ideia foi escolher autores de diferentes campos ideológicos. Alguns deles já ocuparam cargos públicos, como ministérios, outros, não. “Nenhum dos participantes deste livro foi escolhido por sua filiação política, senão por sua competência”, escreveu Pinsky.
Na Saúde, o médico patologista e professor da Faculdade de Medicina da USP Paulo Saldiva propõe uso de big data e tecnologia como forma de reduzir custos na área e sugere algo que se encaixa em uma época em que o conhecimento está integrado: profissionais da medicina devem debater problemas de outras áreas relacionadas à saúde. “É interessante que raramente a Saúde é chamada para discutir temas como desarmamento, as leis do trânsito, os limites da velocidade. No entanto, não é possível ignorar a questão da violência no planejamento e custeio da saúde.”
Ao defender que o Brasil não pode abdicar do Sistema Único de Saúde (SUS), Saldiva compara o investimento do País na área com o de outras nações. “O gasto público per capita (na saúde) no Brasil foi entre 4 a 7 vezes menor que países europeus com sistema universal.” Os dados a que ele se refere são de 2013, anteriores, portanto, à crise econômica, ao atual ajuste fiscal e à PEC do teto, que impõe limite de gastos públicos, inclusive na Saúde. “A não adequação do financiamento público para o SUS, mesmo em tempos de ajuste fiscal, infligirá aos brasileiros um ônus intolerável”, diz.
Como reparar décadas de políticas equivocadas no sistema educacional e preparar a futura geração de adultos para o trabalho em meio à quarta Revolução Industrial é um dos temas centrais do texto da ex-ministra Claudia Costin, especialista em educação. “Isso envolve uma profunda transformação na escola como conhecemos”, afirma. Ao propor o que ela chama de ‘plano de ação’, sugerindo a criação de um Sistema Nacional de Educação Básica, Claudia sustenta que o País precisa de uma escola que “ensine a pensar e (...) desperte dois componentes essenciais para uma aprendizagem consistente: a curiosidade e a imaginação.”
Dois textos discutem fundamentos da economia brasileira, que patina para sair da recessão – o governo já reviu para baixo o crescimento do PIB em 2018 (de 2,97% para 2,5%) e o dólar ronda a casa dos R$ 3,80. O economista e ex-diretor do Banco Central (BC) Luís Eduardo Assis, CEO da Fator Seguradora, oferece como soluções rever o tamanho do Estado, por meio da desestatização de empresas públicas, e garantir a independência do BC. Ao escrever sobre a crise fiscal, defende a Reforma da Previdência. Assis antevê que temas como esses passarão ao largo do debate em ano eleitoral. “Ajuste fiscal não rende votos”, diz.
Já o também economista e professor da PUC Antônio Correa de Lacerda diz que a questão fiscal só se resolverá a partir do momento em que a economia voltar a crescer de modo sustentado. “As tentativas de ajuste não têm atingido o esperado”. Lacerda coloca em dúvida a tese dos que defendem a independência completa dos bancos centrais, “uma visão desconectada da realidade internacional” para ele. “Os bancos centrais vêm atuando de forma coordenada com governos nacionais.” No entanto, Lacerda e Assis convergem em um ponto: é preciso reduzir ou eliminar o grau de indexação da economia, uma herança da hiperinflação dos anos 1980 e 90.
O livro também debate outro problema não resolvido do País e explicitado no desabamento do prédio Wilson Paes de Almeida no centro de São Paulo: a falta de moradia. Especialista em urbanismo e professor da USP, Nabil Bonduki lamenta que o Plano Nacional de Habitação (PlanHab), do qual foi coordenador entre 2007 e 2008, ficou em segundo plano, “atropelado por decisões políticas”. Bonduki cita, por exemplo, o momento em que o Partido Progressista (PP) assume o Ministério das Cidades, em 2005, após o escândalo do mensalão. “O Ministério perdeu a capacidade de articular as políticas setoriais”, diz, antes de apontar um olhar crítico do programa Minha Casa Minha Vida, “estruturado como instrumento para gerar empregos (...), mas incapaz de dar uma resposta adequada à questão habitacional.”
São várias as soluções apontadas por Bonduki para resolver o déficit habitacional do País: desde a articulação entre União, Estados e municípios e a importância de um plano diretor das cidades. A questão urbana também é tratada no texto do arquiteto e ex-prefeito de Curitiba Jaime Lerner, para quem “o que temos feitos com nossas cidades é quebrar o casco da tartaruga e espalhá-lo em várias partes – morar aqui, trabalhar lá, recrear acolá –, do que deriva uma estrutura urbana desconexa.”
Ao englobar 12 áreas vitais para o País, o livro funciona como uma espécie de miniplano de governo para um futuro presidente. Boa parte dos temas debatidos no livro estará presente nos discursos dos candidatos ao Planalto. Como os textos da obra mostram, não há uma ‘bala de prata’ capaz de solucionar problemas sociais e econômicos brasileiros.
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Livro reúne textos de 12 especialistas em áreas como saúde, educação, moradia e economia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU