01 Mai 2018
“Marx destaca nos Grundrisse que quando a maior parte da riqueza for produzida por máquinas, então a apropriação do tempo de trabalho alheio aparecerá como uma base insignificante da riqueza frente a esta nova fonte que é o complexo de máquinas criado pela grande indústria. Nesse momento, continua Marx, quando o trabalho em sua forma direta deixar de ser a grande fonte de riqueza, o tempo de trabalho deixará de ser a medida do valor de troca. Mas, nesse caso, ainda existirá a exploração? E se a lei do valor de Marx desaparece, isso seria antes ou depois do capitalismo ter desaparecido?”, questiona o economista mexicano Alejandro Nadal, em artigo publicado por Naiz, 29-04-2018. A tradução é do Cepat.
A automatização preocupa os economistas desde o alvorecer dessa disciplina. A inquietação é que as máquinas roubam ou destroem empregos, com todas as suas implicações sociais. Em sua obra, David Ricardo introduziu um capítulo para descartar estes medos, afirmando que a destruição de empregos era acompanhada, por fim, de uma maior criação de postos de trabalho.
Muito tempo depois, John Maynard Keynes escreveu em seu ensaio sobre as possibilidades econômicas de nossos netos que o progresso técnico na economia levaria a um aumento sem precedente do bem-estar da população mundial. Segundo ele, em alguns anos, a semana de trabalho poderia ser reduzida para umas 15 horas. Nas sociedades humanas, haveria mais tempo para o cultivo das belas artes e as disciplinas da ciência. Contudo, cuidado, advertia Keynes: durante alguns anos, ainda necessitaremos que a avareza e a usura continuem sendo nossos deuses, pois só assim poderemos sair do túnel da necessidade econômica e descobrir a luz do dia.
Mas, as máquinas não são construídas pela natureza, destacou Marx nos Grundrisse. Em resposta às ingênuas considerações de John Stuart Mill (e de Keynes), explicou que tampouco têm por objeto reduzir o esforço físico que os seres humanos realizam. Seu destino é extrair a maior quantidade de mais-valia sob o sistema de exploração capitalista.
Hoje, estamos diante de uma nova onda de inovações que está substituindo a força de trabalho com máquinas, em um ritmo inusitado. Esta automatização toma a forma da robotização nas atividades mais diversas, desde a aplicação de uma soldagem ultrafina até a preparação de um hambúrguer, passando pela mudança de lâmina em uma prensa ou o uso de algoritmos na especulação financeira. Calcula-se que nos Estados Unidos mais de 50 milhões de empregos diretos estão ameaçados pela crescente robotização. Isso é equivalente a um terço da força de trabalho. Os números, em escala mundial, são também esmagadores: os cenários contemplam a substituição de 400 a 750 milhões de postos de trabalho no próximo decênio. Em um processo no qual boa parte da força de trabalho se torna redundante, o que acontecerá em países como a China?
A geração de emprego para uma economia capitalista é chave por várias razões. A primeira tem a ver com a criação de valor, pois sozinhas até as máquinas mais sofisticadas são incapazes de criar algo. Contudo, embora o trabalho direto continue sendo um componente chave no processo de produção, cada vez é menos na automatização. E, aqui, surge a segunda razão que está relacionada ao que Marx chamava de a “pequena circulação”: os salários adiantados pelos capitalistas retornam a suas mãos quando os trabalhadores em seu conjunto compram as mercadorias que produziram. Ou como diz um aforismo atribuído a Kalecki, quando os trabalhadores gastam o que recebem, os capitalistas recebem o que gastam. O problema é que se os trabalhadores intervêm cada vez menos no processo de trabalho, quem irá comprar as mercadorias produzidas pela economia capitalista? Pode-se pensar que este problema poderia ser resolvido com um mecanismo que distribua poder de compra à população para garantir uma demanda agregada suficiente e lucros adequados para os capitalistas. Mas, tudo isto requer uma arquitetura macroeconômica distinta. Sem dúvida, o futuro do capitalismo se anuncia complicado.
Hoje, a chamada inteligência artificial não vai além da fase em que um computador realiza milhões de operações em um milésimo de segundo. Isso serve para a especulação financeira, para distinguir visualmente a forma de um objeto para o manipular ou para identificar a rota mais rápida dadas as condições de tráfico. Mas, isso é suficiente para substituir milhões de operadores humanos em funções muito diversas. No entanto, está muito distante o dia em que poderemos ter uma discussão significativa com uma máquina. É possível fantasiar sobre a chegada no futuro da singularidade, palavra alcunhada por Von Neuman para denotar o momento em que os computadores/máquinas tiverem consciência de si mesmos, mas o processo pode demorar centenas ou milhares de anos. Ainda existirá capitalismo nesse dia?
Para abordar essa pergunta vale a pena considerar o que acontecerá quando se aprofundar o processo de produção de máquinas por máquinas. Marx destaca nos Grundrisse que quando a maior parte da riqueza for produzida por máquinas, então a apropriação do tempo de trabalho alheio aparecerá como uma base insignificante da riqueza frente a esta nova fonte que é o complexo de máquinas criado pela grande indústria. Nesse momento, continua Marx, quando o trabalho em sua forma direta deixar de ser a grande fonte de riqueza, o tempo de trabalho deixará de ser a medida do valor de troca. Mas, nesse caso, ainda existirá a exploração? E se a lei do valor de Marx desaparece, isso seria antes ou depois do capitalismo ter desaparecido?
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Máquinas, inteligência artificial e o futuro do capitalismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU