17 Abril 2018
Há quase 150 anos, o Papa Pio IX liderou a Igreja Católica ao declarar o dogma da infalibilidade papal aplicado a declarações solenes de fé e moral, de acordo com o qual os papas eram preservados da possibilidade de erro. Era o ápice de séculos de esforços crescentes para fornecer um senso de certeza absoluta de que os papas não iriam – nem poderiam – errar quando se tratasse de magistério.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 16-04-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quase sem dizer isto abertamente, os três últimos papas foram pioneiros de um dogma da falibilidade papal secundário, quando se trata de prática.
Durante séculos, os sumos pontífices nunca pediram desculpas publicamente por nada; quase literalmente, ser papa significava nunca ter que pedir desculpa. Certamente, isso não significava que eles não tivessem motivos para fazer isso, mas isso era considerado impróprio, não real. Era visto como um sinal de fraqueza, impróprio ao sucessor de Pedro.
São João Paulo II, no entanto, quebrou o molde, dando o pontapé inicial quando se trata de desculpas papais. Em 1998, o jornalista italiano Luigi Accattoli catalogou pelo menos 94 desculpas pedidas pelo papa polonês, no livro When a Pope Asks Forgiveness.
Durante os 27 anos de seu pontificado, João Paulo II pediu muitas desculpas, falando em nome da Igreja. A ampla gama de mea culpa incluía pessoas específicas que foram prejudicadas pela Igreja, como Galileu Galilei, a grupos de pessoas como os condenados pela Inquisição, muçulmanos mortos nas Cruzadas e africanos escravizados com a ajuda da Igreja.
Indo ainda mais longe, no ano 2000, durante o Grande Jubileu, em um “Dia do Perdão”, João Paulo II pediu desculpas em nome da Igreja pelos pecados de seus filhos e filhas contra os judeus, hereges, mulheres, ciganos e povos originários.
O então cardeal Joseph Ratzinger, que mais tarde se tornaria o Papa Bento XVI, ajudou a fornecer um marco teológico para o pedido de desculpas através de um documento chamado “Memória e reconciliação: a Igreja e as culpas do passado”.
O documento servia como um lembrete de que, embora o pedido de desculpas fosse feito em nome da Igreja, ele se devia às injustiças de cristãos individuais, porque a Igreja em si mesma é sempre santa.
Pode-se argumentar que, por mais revolucionários que esses pedidos de desculpas tenham sido, João Paulo II não estava se desculpando pelos seus fracassos pessoais. Em vez disso, ele estava tomando a decisão institucional de pedir perdão em nome da Igreja pelos pecados e erros do passado.
O Papa Emérito Bento XVI levou adiante essa tradição, emitindo aquele que na época foi definido como um pedido de desculpas histórico às vítimas de abuso sexual cometido por padres católicos na Irlanda.
Dirigindo-se às vítimas e a suas famílias diretamente, em uma carta pastoral de oito páginas, Bento XVI escreveu: “Vocês sofreram imensamente, e eu sinceramente peço desculpas”.
“Sei que nada pode desfazer o mal que vocês suportaram”, escreveu ele em 2010. “A confiança de vocês foi traída, e a dignidade de vocês, violada.”
Mas o pontífice alemão não se desculpou apenas pelos fracassos institucionais da Igreja, mas pelos seus próprios.
A primeira vez que ele fez isso foi em 2006, depois de um famoso discurso sobre o estado do cristianismo no mundo moderno, que ele proferiu na Universidade de Regensburg, na Alemanha. A conferência, intitulada “Fé, razão e a universidade: memórias e reflexões”, versava sobre a tendência do Ocidente de separar razão e fé.
No entanto, durante seu discurso, ele citou um imperador bizantino do século XIV que alegou que Maomé trouxe “apenas coisas más e desumanas”, e que a violência “está em contraste com a natureza de Deus e a natureza da alma”.
Tirado do contexto, isso foi visto como um ataque contra o Islã, o que provocou amplos protestos em todo o mundo árabe. Pessoas foram mortas como resultado.
Cinco dias depois, durante seu discurso semanal no Ângelus do domingo, proferido na residência papal de verão em Castel Gandolfo, Bento XVI pediu desculpas pelos seus comentários, dizendo que estava “vivamente entristecido” com a reação que algumas de suas passagens causaram.
“Tratava-se de uma citação de um texto medieval, que não expressa de modo algum meu pensamento pessoal”, disse.
Em 2009, como parte de um esforço mais amplo do homem outrora apelidado de “Rottweiler de Deus” de ir ao encontro de todos os dissidentes, incluindo o grupo tradicionalista conhecido como Fraternidade São Pio X, ele removeu a excomunhão de quatro bispos que tinham sido ordenados validamente, mas não legitimamente.
Entre eles, estava o negacionista do Holocausto, o bispo Richard Williamson. Manchetes sobre o papa que “reabilitou um negacionista do Holocausto” foram lidas em todo o mundo.
Semanas depois, Bento XVI publicou uma carta angustiante a todos os bispos do mundo, pedindo desculpas pela ferida causada pelo caso, expressando “profundo pesar” pelos erros cometidos no processo de ir ao encontro da fraternidade e de seus membros. Ele até admitiu que grande parte da confusão poderia ter sido evitada se o Vaticano tivesse usado a internet para pesquisar sobre os quatro homens em questão.
Na semana passada, com um pedido de desculpas a um grupo de sobreviventes chilenos de abusos sexuais clericais, o Papa Francisco foi ainda mais longe ao institucionalizar a tradição do pedido de desculpas papal.
“Reconheço e assim quero que vocês transmitam fielmente que incorri em graves equívocos de avaliação e percepção da situação, especialmente por falta de informação verdadeira e equilibrada”, escreveu Francisco em uma carta dirigida aos bispos chilenos.
No fim deste mês, o papa deve se reunir com os três sobreviventes do abuso, James Hamilton, Juan Carlos Cruz e José Andrés Murillo, que têm sido os mais francos sobre o abuso sexual clerical no Chile e sobre o sistemático acobertamento, mas a carta divulgada na quarta-feira, 11, incluiu um pedido de desculpas “a todos aqueles a quem ofendi”.
Nas palavras de Cruz, Francisco parece ter “aberto seus olhos para uma realidade (…) sobre milhares de vidas que foram crucificadas” por padres que estupram e acariciam crianças.
Embora seja um exercício de humildade, os pedidos de desculpas podem não ter sentido sem um acompanhamento, e ainda há muito a ser feito no caso da Igreja chilena e de sua resposta ao abuso sexual clerical.
Aqueles que lutam para responsabilizar a Igreja no que diz respeito à proteção dos menores fazem bem em ter boas expectativas, mas também reservas quando se trata do encontro do mês que vem entre Francisco e os 32 bispos chilenos, aos quais ele convocou a Roma para enfrentar a crise.
No futuro, a maioria das pessoas provavelmente dirão que Francisco e seus sucessores deveriam estabelecer a meta de nunca mais ter que se desculpar por esses erros colossais.
Sendo a humanidade o que é, no entanto, sem dúvida, ainda haverá a necessidade de “desculpas” papais. Mas, em um mundo onde reconhecer erros está se tornando rapidamente uma arte moribunda, pelo menos quando se trata do líder da Igreja Católica, por enquanto há um modelo para se fazer isso e uma expectativa de que isso seja feito.
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Últimos três papas foram pioneiros em um novo dogma da falibilidade papal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU