27 Março 2018
Já foi agora esclarecido que a partir da primeira sessão do Vaticano II foi apresentada a questão sobre a presença no Concílio também dos bispos da China continental. Incluindo aqueles ilegítimos. Isso para evitar o aumento da divisão entre a igreja chamada "clandestina" e a "patriótica" em um momento em que já se estava tentando evitar um possível cisma; e porque, formalmente, como dissemos, tratava-se de bispos ilegítimos, mas de qualquer forma válidos. Claro que, dessa forma, um convite sem distinção poderia chegar a dois prelados titulares da mesma diocese, uma vez que muitos missionários lotados no exterior conservando a sua jurisdição na China, haviam sido substituído por bispos ilegítimos.
A reportagem é de Marco Roncalli, publicada por Vatican Insider, 24-03-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que fazer? "A solução mais simples parecia, portanto, que os bispos missionários expulsos, sem qualquer esperança de poder retornar à China, assinassem sua renúncia, como alguns já haviam feito, assumindo novas atribuições. Também havia casos como das dioceses como Pequim ou Nanjing, onde os prelados legítimos eram chineses, mas, tendo permanecido por cerca de quinze anos no exterior, agora viam suas sedes dirigidas por bispos consagrados autonomamente. Finalmente, em outras dioceses, como a de Xangai, os bispos chineses legítimos estavam na prisão: poderia a Santa Sé convidar ao Concílio Zhang Jiashu enquanto Kung Pin-mei permanecia na prisão" observa Elisa Giuipero em seu ensaio "Igreja Católica e China comunista. Da revolução de 1949 ao Concílio Vaticano II" publicado pela Morcelliana em 2007. Acrescentando que João XXIII, independente do resultado, desejando ainda assim convidar os bispos da China continental para o Concílio, pediu a opinião dos membros do "Coetus". Ele os recebeu em audiência em 26 de novembro de 1962, como pode ser conferido no diário do Papa: "Às 18:30: arcebispos e bispos exilados da China em nr. de 59 e presentes para o Concílio. Eu me informei bastante sobre tudo e amavelmente com cada um deles. Havia também aqueles menos desafortunados e residentes em Formosa".
Sobre a realização dessa audição que durou uma hora também sabemos outras coisas. Através de uma carta - escrita em um italiano rudimentar - enviada pelo padre Pedro Kuo para La Pira, preservada nos Arquivos da Fundação João XXIII de Bolonha e publicada por Mauro Velati em uma nota das agendas papais "Pater amabilis", constata-se que à pergunta de Papa Roncalli: "O que vocês pensam sobre o convite dos bispos chineses da China comunista?", "todos disseram estar de acordo com tal propósito", desejando um convite oficial para dar "um pouco de esperança e consolação". Outras notícias a esse respeito vêm das atas da reunião publicada por Elisa Giunipero em seu livro. Ao pedido do Papa para saber mais dos bispos recebidos em audiência sobre as ordenações episcopais ilegítimas, a resposta do Bispo de Hong Kong, Lorenzo Bianchi, membro do Pontifício Instituto para as Missões Exteriores, foi a seguinte: "Nós sabemos que alguns entre eles que foram ilegalmente consagrados, sem dúvida eram bons, aliás, excelentes sacerdotes; na ausência de informações concretas, não podemos expressar nenhum juízo de condenação".
Quando perguntados sobre a oportunidade de convidar a Roma todos os bispos da República Popular Chinesa, as respostas dos presentes, de acordo com esta fonte, não foram inteiramente unânimes: "O franciscano Monsenhor Ferruccio Ceol, bispo de Qizhou (Hubei), lembrou que semelhante convite podia acarretar o risco de exacerbar a perseguição aos católicos, enquanto monsenhor Paulo Yu Pin, Arcebispo de Nanking, mesmo considerando as dificuldades de confirmar as notícias divulgadas pelas fontes comunistas, argumentou que tal convite seria um grande conforto para os fiéis chineses. Dom Faustin Tissot, bispo de Zhengzhou, sugeriu transmitir esses convites através de algum governo disposto a cooperar com a Santa Sé e o Papa, mesmo recordando o fracasso de tentativas anteriores semelhantes, se mostrou disposto a tentar essa via".
Deve ser notada, em especial, a posição do próprio Arcebispo de Nanking que, em uma carta de Helder Câmara, escrita de Roma na noite entre 19 e 20 de novembro de 1963 (publicado no epistolário editado pela San Paolo em 2008), assim é lembrada depois de uma reunião no jantar: "Quanto eu sofri e rezei pela China e pela Igreja. Por favor, ouça-me com espírito de fé, sem julgar, mas apenas tentando entender o quão complexa é esta amada Igreja de Cristo ... Monsenhor Yü Pin tinha ao seu lado dois bispos chineses (também de Formosa), e um amigo chinês do governo, que ensina contra-guerrilha nos EUA. O Arcebispo de Nanking me disse que viaja frequentemente para a Europa e Estados Unidos, angariando dinheiro para ajudar Chiang Kai-Shek para preparar a invasão da China ... Ele se opôs à Pacem in terris e ao esquema XVII, que cometem a loucura de combater as armas nucleares: sem a bomba atômica, como poderemos vencer a China vermelha? [...] Enquanto isso, prosseguia o jantar (que contou com oito pratos antes da sobremesa). Eu decidi voltar a ser criança e, enquanto o professor de guerrilha (que pagou o jantar) ao meu lado, em excelente inglês, fazia o possível e o impossível para me converter ao anticomunismo, eu me divertia a comer com os pauzinhos [... ]".
Mas vamos retornar ao convite. Como não havia relações diplomáticas entre Roma e Pequim (a Santa Sé apenas mantinha relações com o governo nacionalista de Taiwan), foram experimentados vários canais. Após a indicação de Giorgio La Pira, foram iniciadas conversações junto à embaixada chinesa no Cairo e o prefeito de Florença operou concretamente. Também se empenhou Mattei a pedido de La Pira que convocou Beppe Ratti a intervir, via o embaixador da China em Berna, junto ao vice-presidente chinês Chen Yi que havia encontrado em Pequim. O embaixador, relembra Ratti em um memorando para o engenheiro Mattei de 8 de setembro de 1962 (relatado no volume de Giuseppe Accorinti "Quando Mattei era l’impresa energetica. Io c’ero", editado pela Hacca em 2007) havia relatado: "Eu não compreendo a ligação entre o petróleo e a religião, mas por ter sido um pedido de Mattei, amigo sincero da Republica Popular Chinesa, e só por esta razão, eu vou entrar em contato com Pequim". Ele acrescentou também uma reflexão em puro estilo diplomático oriental: "O governo em Pequim não deseja interferir em questões religiosas: se os bispos chineses foram convidados pelo Vaticano e decidem aceitar o convite, eles são totalmente livres para fazê-lo e, sem dúvida, terão a permissão para vir a Roma; mas se os bispos não aceitarem o convite, o governo não poderá forçá-los a aceitar".
O relato continua apresentando as preocupações que surgiram entre alguns cardeais no Vaticano. E sobre estas, um relato foi apresentado a quem aqui escreve, em um memorando, pelo ex-secretário do Papa Roncalli, afirmando que o desejo do Papa de ter na grande assembleia todos os bispos isolados pela cortina de "bambu": "Tanto aqueles nomeados pelo Papa como os outros da chamada Igreja patriótica". Mas as cartas de convite, a ser encaminhadas através da Embaixada de Mao Tse-Tung no Cairo, nos Emirados ou em outra embaixada europeia - como sugeria Giorgio La Pira no final do ano - nunca saíram da Secretário de Estado. Escreveu Capovilla, mais tarde cardeal por indicação do Papa Francisco: "A questão foi submetida ao órgão pontifício competente: a Congregação para Assuntos Eclesiásticos Extraordinários, que tinha como seu prefeito o Secretário de Estado, cardeal Amleto Cicognani, secretário o Arcebispo Antonio Samoré e subsecretário monsenhor Agostino Casaroli. Também eram membros os cardeais Eugenio Tisserant, Clemente Micara, Giuseppe Pizzardo, Benedetto Aloisi Masella, Giuseppe Ferretto, Giacomo Luigi Copello, Gregório Pietro Agagianian, Valerio Valeri, Pietro Ciriaci, Giovanni Battista Montini, Paolo Marella, Gustavo Testa, Ildebrando Antoniutti, Efrem Fornis Alfredo Ottaviani [...] Na reunião realizada em junho de 1962 estavam presentes 12 membros. A votação final resultou dividida da seguinte forma: nove votaram negativamente à pergunta se era adequado transmitir os convites através de uma das poucas embaixadas da República Popular na Europa; três positivamente. Os noves temiam que o convite assim enviado pudesse parecer um reconhecimento para aquele governo".
E assim termina o memorial Capovilla com uma referência autobiográfica: "Ao relatar o resultado da consulta a João XXIII, o arcebispo Dell'Acqua, visivelmente entristecido, me disse: "Coloque-se de joelhos diante do papa e peça-lhe para seguir o conselho da minoria". Fiz isso. O Papa ouviu amavelmente, elogiou a "paixão" de Dell'Acqua e a minha, e concluiu: "Nessa questão eu não tenho o dom da infalibilidade. Não posso acompanhar três contra nove". Eu nunca vou esquecer todas as vezes em que, mesmo como cardeal, voltando a esse episódio, Don Loris dizia: "Quanto tempo foi perdido desde então!". Ressaltando que a oposição interna ao mundo católico havia tornado vãos até os passos sucessivos, feitos na mesma direção, pelo sucessor Paulo VI. O resultado foi que, naqueles anos, em que a Igreja universal respirava um clima de renovação e aberturas também para os países do leste, os cristãos da China entraram em um longo inverno que alguém gostaria que jamais acabasse, ignorando a necessidade de unidade em um imenso país onde vivem pelo menos doze milhões de fieis: sete "patrióticos" e cinco "clandestinos". Uma divisão herdada da Guerra Fria há muito acabada, da qual sofre toda a Igreja chinesa, incluindo seus bispos ilegítimos, a grande maioria perdoados por todos os papas, incluindo João Paulo II e Bento XVI.
Escreveu o historiador Agostino Giovagnoli na última edição de "Vita e Pensiero": "Agora, os últimos sete ilegítimos fizeram as mesmas solicitações e o futuro está sendo discutido sobre a possibilidade de que seja o Papa a nomear os novos bispos católicos na China, ouvindo o governo chinês: seria este o principal conteúdo do acordo. Não haveria mais bispos ilegítimos, mesmo no futuro (o problema dos "clandestinos" seria gradualmente resolvido). Em suma, curar esta ferida profunda parece possível. O Papa Francisco decidiu tentar e muitos bispos chineses, mesmo "clandestinos", concordam com ele. Afinal, não é a primeira vez que a Igreja Católica estipula um acordo com um governo ou um estado [...] Por que não seria possível tentar um acordo também com aqueles que governam a República Popular da China (justamente quando ao presidente Xi Jinping é dada a possibilidade de um terceiro mandato, e, assim, assegura-se uma prolongada estabilidade do regime atual)? O discurso deveria terminar aqui".
Mas, infelizmente, não é assim e estão diante dos olhos de todos as fake newa usadas por aqueles que querem parar o Papa e impedir o acordo. Não estava equivocado Roger Etchegaray, o primeiro cardeal a visitar a China popular no tempo de João Paulo II que deu ao primeiro opúsculo nascido dessas viagens - o primeiro de 1980, outros seguiram em 1996, 2000, 2003 ..., e outros teriam visto novos enviados papais - o título "Para os cristãos na China. Vistos por um sapo do fundo de um poço". Naquele memorial publicado pela Mondadori treze anos atrás, o cardeal se inspirava em um antigo provérbio chinês: "Para o sapo no fundo do poço o céu não é grande", mas acrescentava: "O céu da China é grande, Cristo é ainda maior".
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Quando os Papas queriam no Concílio todos os bispos da China - Instituto Humanitas Unisinos - IHU