15 Março 2018
A globalização e a informática revolucionaram o trabalho. Os mais qualificados souberam tirar proveito, mas a introdução de robôs inteligentes pode mudar a situação.
A reportagem é de Gregory Verdugo, publicada por Alternatives Économiques, 13-03-2018. A tradução é de André Langer.
O trabalho passou por uma nova transformação nas últimas três décadas. Se depois da Segunda Guerra Mundial observamos uma diminuição das desigualdades salariais, a partir da década de 1980, a disparidade volta a crescer. Nos Estados Unidos, um executivo ganha hoje cinco vezes mais do que um operário, quando em 1970 essa diferença era de apenas três vezes. A esse crescimento das desigualdades soma-se uma profunda recomposição de empregos em um sentido favorável aos mais qualificados e desfavorável aos menos qualificados. Os economistas falam, portanto, em polarização para designar esse movimento em que crescem simultaneamente, por um lado, os empregos pouco qualificados e mal remunerados e, por outro, os bons empregos altamente qualificados, mas que se tornaram dificilmente acessíveis.
A mudança tecnológica contemporânea provocada pela informática e que revolucionou a organização das empresas é o principal culpado pela polarização. Na década de 2000, o grande avanço no comércio internacional acelerou a polarização ao levar as empresas dos países desenvolvidos a se especializarem nas tarefas mais sofisticadas da produção. Mas, embora essas mudanças tenham afetado o conjunto dos países desenvolvidos, alguns países conseguiram proteger os baixos salários. Os economistas não conseguem explicar o porquê disso.
Para estudar a evolução da qualidade dos empregos, os economistas Alan Manning (London School of Economics) e Maarten Goos e Anna Salomons (Universidade de Utrecht) debruçaram-se sobre os riquíssimos dados da Pesquisa Europeia sobre as Forças de Trabalho, que reúne informações de 16 países europeus no período que compreende o período 1993-2010. Eles definem três grandes categorias com base no salário médio por emprego em 1993: os empregos pouco qualificados, os empregos intermediários e os empregos altamente qualificados. Os empregos pouco qualificados são encontrados principalmente no setor de serviços pessoais, ao passo que os empregos intermediários reúnem os empregos operários e funcionários. Os empregos altamente qualificados são aqueles de engenheiros e executivos.
Alan Manning e seus co-autores calculam como evolui a participação desses três grupos no emprego total. Os resultados indicam que o emprego está polarizado na maioria dos países (ver gráfico). A participação dos empregos intermediários está em forte queda a favor de um aumento dos empregos pouco qualificados e dos altamente qualificados. A queda é clara: o emprego intermediário caiu 8 pontos percentuais na França, 12 pontos na Espanha, 11 pontos no Reino Unido, 10 pontos na Suécia e na Dinamarca, 6 pontos na Alemanha e 5 pontos percentuais em Portugal.
(Fonte: Alternatives Économiques)
Por outro lado, as proporções dos empregos pouco qualificados e altamente qualificados estão em franca expansão. Na França, esses dois grupos aumentam simetricamente em cerca de 4 pontos percentuais. Com outras palavras, para cada dois empregos intermediários que desaparecem, é criado um emprego altamente qualificado e um emprego pouco qualificado.
As capacidades cada vez maiores da inteligência artificial estão alimentando o medo de que as máquinas do futuro, sob a forma de robôs inteligentes e autônomos, assumirão a maioria dos empregos e tornem o trabalho inútil. Mas o fim do trabalho nem sempre foi temido. No artigo "Possibilidades econômicas para os nossos netos", publicado em 1931, John Maynard Keynes congratulava-se com o fato de que a ciência e a tecnologia poderiam satisfazer a nossa sede de consumo enquanto libertava a humanidade do trabalho esgotante. Ele previa, dessa maneira, que, no futuro, o maior desafio da humanidade seria usar de maneira inteligente esse tempo recuperado.
Para Richard Freeman, professor da Universidade de Harvard, outro grande desafio será a redistribuição. Se os robôs produzem a maior parte da riqueza, resta saber como distribuí-la. Se o capital dos robôs não for distribuído de forma equitativa entre a população, os trabalhadores se tornarão os servos dos novos senhores dos robôs.
Devido ao seu custo e à sua eficiência, os computadores provaram ser muito bons na realização das chamadas tarefas “rotineiras” – básicas e repetitivas – que caracterizam o trabalho humano nos empregos intermediários. Essas máquinas podem controlar um robô industrial, fazer as folhas de pagamento, distribuir dinheiro... Os empregos mais destruídos pela informatização foram, assim, aqueles dos operadores nas linhas de produção, massivamente automatizados, mas também aqueles dos funcionários dos escritórios.
Pelo contrário, os mais qualificados foram os vencedores do progresso tecnológico. Ao multiplicar a quantidade de informações ao seu alcance, a internet facilita a expertise e permite concentrar-se nas tarefas analíticas. Os computadores não apenas não substituíram os seus trabalhos, como tornaram-nos mais produtivos. Graças aos avanços na tecnologia da informação, as empresas passaram a exigir sempre mais trabalho qualificado e absorveram, assim, cortes de diplomados com ensino superior sempre maiores, sem que seus salários fossem afetados.
A abertura ao comércio internacional tem a virtude de multiplicar as escolhas dos consumidores e de moderar os preços. Ao liberar o poder de compra, ela estimula a demanda e o emprego nos serviços. Mas por trás do consumidor encontra-se também um trabalhador cujos interesses são, às vezes, opostos. Se o comércio internacional favorece o primeiro, seu efeito sobre o último é mais ambíguo.
Assim, desde a década de 2000, o emprego intermediário foi vítima do crescimento do comércio com os países em desenvolvimento. A aceleração do comércio com países de baixos custos do trabalho levou as empresas dos países desenvolvidos a se especializarem nas tarefas mais sofisticadas de concepção, aquelas em que a análise de informações e a criatividade são mobilizadas. Pelo contrário, as tarefas básicas de produção são cada vez mais externalizadas, o que levou à destruição de uma grande parcela de empregos industriais intermediários nos países desenvolvidos.
Estudos recentes relativos aos Estados Unidos e à França mostram que durante a década de 2000, após o boom das importações associado à entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), o mercado de trabalho degradou-se nas regiões mais concorridas pela China. Para a França, a destruição de empregos industriais relacionados à concorrência chinesa é estimada em 100 mil entre 2001 e 2007, ou seja, 20% dos 500 mil postos de trabalho perdidos neste setor.
Certamente, não devemos esquecer que, no mercado de trabalho, o jogo da oferta e da procura é circunscrito por um conjunto de normas e regras cuja existência é crucial para moderar – ou não – as desigualdades. Através de suas instituições e políticas públicas, cada Estado respondeu às mudanças provocadas pela informatização e pelo crescimento do comércio internacional. Na França, o salário mínimo tem sido um “grande compressor” das diferenças salariais. Os procedimentos de negociação salarial por ramos de atividade também limitaram as desigualdades ao nivelar os salários entre empresas de um mesmo setor. Onde essas instituições permaneceram fortes, como na França, geralmente preservaram os baixos salários e moderaram as diferenças de remuneração.
No entanto, não foram capazes de evitar o desaparecimento dos empregos intermediários. Na França, embora a disparidade das desigualdades salariais tenha permanecido contida, o risco do desemprego e da precarização está atingindo duramente os menos qualificados. Dessa maneira, a criação de empregos também foi freada. No final dos anos 1990, Thomas Piketty, da Escola de Economia de Paris, apontou que o crescimento do emprego nos serviços foi reduzido na França, em comparação com os Estados Unidos, em consequência dos aumentos do salário mínimo francês. Este déficit de empregos é mais acentuado nas atividades intensivas em trabalhos pouco qualificados, como a hotelaria e a “restauração” ou o comércio varejista, observam os pesquisadores Jérôme Gautier e Eve Caroli. A adaptação das legislações a um mercado de trabalho polarizado é, portanto, uma questão fundamental nas políticas de emprego contemporâneas.
O progresso tecnológico não acabou com o trabalho. Mas a próxima onda de máquinas poderia ser, desta vez, realmente diferente. Até agora, as máquinas não eram boas em tarefas abstratas e manuais não rotineiras, mas os avanços da robótica e da informática poderão mudar o jogo. Todos os anos, as capacidades de computadores e robôs para simular o raciocínio humano e tornar-se “inteligentes” são multiplicadas por dez. O aumento da potência de cálculo permite analisar e responder com mais habilidade aos estímulos externos. A “comunicação” com o entorno, cada vez mais refinada, é feita com poderosos sensores capazes de decodificar as mais sutis nuances da linguagem humana e reconhecer rostos e objetos. As possibilidades de armazenamento de dados são multiplicadas pelo desenvolvimento da “cloud robotics”, onde cada robô armazena e compartilha em rede experiências e informações com seus colegas robôs.
Alguns pesquisadores acreditam que a evolução das máquinas inteligentes e da robótica deverá substituir o trabalho em grande número de empregos nos próximos anos. As mudanças devem ser significativas nos transportes e na logística, onde os progressos dos sensores inteligentes tornarão os veículos sem condutores seguros e competitivos.
Os empregos dos menos qualificados não são os únicos a serem ameaçados. As crescentes capacidades analíticas dos computadores lhes permitirão que ajudem a tomar decisões em tarefas complexas, especialmente no campo médico ou jurídico, onde substituirão o trabalho qualificado. No Memorial Sloan Kettering Cancer Center, de Nova York, Estados Unidos, um programa informático ajuda os oncologistas a escolher o tratamento mais apropriado. O programa alimenta-se de 600 mil relatórios médicos, 1,5 milhão de arquivos de pacientes e ensaios clínicos e dois milhões de páginas de revistas na área da medicina. Ele está aprendendo e melhorando constantemente.
No campo jurídico, o “Clearwell System” usa a análise automática da linguagem para classificar as massas de documentos enviados para as partes antes dos processos que podem incluir milhares e milhares de páginas. Em dois dias, o computador é capaz de analisar de forma confiável 570 mil documentos. Ele economiza o equivalente ao trabalho de dezenas de advogados e juristas e economiza um precioso tempo na preparação dos processos.
Devemos ter medo dessas evoluções? Nenhuma lei fundamental da economia garante que todos vão poder encontrar um emprego bem remunerado no futuro. A degradação dos empregos provocada pela polarização nos recorda que o progresso nem sempre melhora sua qualidade. Mas, pelo menos, oferecerá empregos?
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As perigosas mutações do trabalho e do emprego - Instituto Humanitas Unisinos - IHU