23 Fevereiro 2018
O bispo italiano que talvez mais se identifique com a proximidade do Papa Francisco às periferias, principalmente os imigrantes e refugiados, diz que não acolher "o outro e o menor entre nós" é "o maior pecado que eu poderia cometer."
A reportagem é de John Allen e Claire Giangravé, publicada por Crux, 22-02-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Francesco Montenegro, cardeal de Agrigento, na Sicília - onde se localiza a ilha de Lampedusa, visitada por Francisco em julho de 2013, na qual ele encontrou imigrantes e refugiados que cruzaram o mar Mediterrâneo tentando chegar à Europa -, disse que para os cristãos a preocupação com os imigrantes é uma "questão de fé".
"A Igreja tem uma contribuição fundamental a fazer, porque, para nós, o Evangelho é a bússola que temos de seguir", disse ele.
"Portanto, a ideia de acolher torna-se uma questão de fé, não apenas do coração".
"Se eu não acolho o outro e o menor entre nós, não estou acolhendo Jesus", disse Montenegro, de 71 anos. "Como cristão, esse é o maior pecado que eu poderia cometer."
Montenegro falou no intervalo de uma conferência em Roma sobre cuidado de pessoas com problemas psiquiátricos em instituições de saúde católicas.
As observações do cardeal assumem um significado maior por terem sido feitas a poucos dias das tão discutidas eleições gerais da Itália, no dia 4 de março, nas quais a questão de inverter a posição relativamente acomodada do governo de centro-esquerda ou não é uma questão fundamental de contenção.
Essa questão tornou-se ainda mais quente depois que um extremista da direita atirou e feriu seis imigrantes de países como Gana, Mali e Nigéria na cidade de Macerata, na Itália central, no início deste mês.
As pesquisas atuais favorecem uma coalizão de direita liderada pelo magnata da mídia de 81 anos e antigo primeiro-ministro Silvio Berlusconi, cuja campanha eleitoral tem como ponto-chave uma linha mais dura sobre a imigração e a segurança.
Em uma entrevista em um canal de TV nacional imediatamente depois do tiroteio de Macerata, Berlusconi enfatizou a ameaça que ele acredita que a população de imigrantes no país representa.
"Os 600.000 imigrantes que estão aqui são uma bomba social prestes a explodir, porque vivem de conveniência e crimes", disse Berlusconi.
Montenegro apelou por uma abordagem diferente aos desafios colocados pelos imigrantes e refugiados.
“Esperamos que os corações fiquem ainda maiores e, acima de tudo, que a força da fé nos faça ver a presença de Jesus em alguém que está sofrendo", disse ao Crux.
Montenegro foi nomeado cardeal por Francisco em fevereiro de 2015 e é considerado um dos maiores aliados do pontífice no episcopado italiano.
Enquanto Francisco se prepara para o aniversário de cinco anos da sua eleição, em março, Montenegro disse que essa proximidade das pessoas que estão nas margens é o "centro" de sua mensagem.
"Acho que é o centro do que ele está propondo para o mundo. Tive a oportunidade de ver com meus próprios olhos em sua primeira excursão como Papa a Lampedusa, que fica na minha diocese", disse Montenegro. "Ele nos mostrou que o debate que ele abriu em Lampedusa não está encerrado. É um debate que continua acontecendo, estendendo-se a situações de sofrimento e doença e aproximando-se de pessoas em dificuldades".
"Ele está nos ajudando a reler o Evangelho e, portanto, a dar mais atenção a essas pessoas na sociedade que parecem contar menos", disse.
Montenegro afirmou que a ênfase do Papa na periferia está se tornando cada vez mais relevante.
"A periferia não é apenas um lugar", disse ele. "Certas pessoas estão se tornando periferias".
"Em uma sociedade que escolhe colocar o seu ‘melhor’ na frente e todos os outros são deixados para trás, os outros começam a se tornar uma periferia e é justamente por isso que eles merecem atenção", disse Montenegro.
A conferência de um dia sobre deficiências psiquiátricas foi patrocinada pelo departamento de assistência à saúde pastoral da Conferência Episcopal italiana e buscava promover o diálogo entre profissionais da área e líderes da Igreja sobre a melhor forma de aproveitar os recursos dos especialistas tanto em saúde mental como em saúde espiritual.
"Acho que é muito importante, também porque tem aumentado o número de pessoas com problemas psiquiátricos, e precisamos da ajuda de todos”, disse Montenegro. "Através de estruturas e também da comunidade eclesiástica, na qual há uma experiência de acolhida e partilha, a Igreja está tentando dar uma resposta, promover prevenção e não deixar que essas pessoas se sintam sozinhas numa sociedade que muitas vezes as marginaliza".
Numa ação típica de Francisco, Montenegro usa uma cruz simples de madeira no peito como a corrente no pescoço com uma cruz que é um dos símbolos do cargo de bispo, ao contrário de corrente de prata ou de ouro ostentada por muitos outros prelados.
"É apenas uma cruz, só isso, nada mais", disse, explicando a escolha. "É de madeira. Pode ser de prata ou de ouro, mas ainda é uma cruz, então talvez seja melhor ser natural!"
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No debate sobre imigração, cardeal diz que não acolher é o 'maior pecado que eu poderia cometer' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU