20 Janeiro 2018
E o papa finalmente disse, clara e firmemente: “Não existe uma cultura superior a outra”.
A reportagem é de Massimo Fini, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 19-01-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ele falava em Temuco, na região chilena de Araucanía, onde vivem os Mapuche (literalmente, “o povo da Terra”), os únicos nativos da América do Sul que sobreviveram à colonização europeia e às violências de Estado.
A ocasião, portanto, era propícia, e Francisco aproveitou a oportunidade. Mas, em uma análise mais aprofundada, o discurso do papa vai muito além do destino dos nativos sul-americanos e da história da violenta colonização europeia da qual participaram os piedosos missionários.
Francisco fala sobre ontem, mas também, e talvez sobretudo, para falar do hoje. De fato, deixando de lado a colonização dos séculos passados, há pelo menos 30 anos todo o Ocidente de orientação estadunidense se orgulha de ser uma “cultura superior”, que é o modo atual de conjugar o racismo, nos seus vários aspectos, pois o racismo clássico, depois de Hitler, não é mais viável.
É em nome dessa “cultura superior” que, há 30 anos, agredimos, com a violência das armas ou da economia, outros povos que têm eventos históricos diferentes dos nossos e culturas que não querem se homologar às nossas.
Tudo isso, naturalmente, é decorado com bons sentimentos, com a defesa dos chamados “direitos humanos” que, nós, em primeiro lugar, pisoteamos quando invadimos realidades diferentes. Quando ouço falar em “direitos humanos”, ponho minha mão na pistola, porque isso significa que alguém está prestes a agredir alguém.
Devo dizer a ladainha de novo? Eu a digo, mesmo que Travaglio defenda que repetita non iuvant: Sérvia (1999), Afeganistão (2001 e, por enquanto, 2018), Iraque (2003), Somália (2006/2007), Líbia (2011).
Mas, nesse disso, também se inserem as decenais sanções ao Irã, que se permitem ser uma teocracia e não uma democracia, a Venezuela de Chávez e agora de Maduro, que, com toda a probabilidade, é o próximo alvo do nosso imperialismo, e também a Coreia do Norte que ousa, nada menos, a ser comunista.
De fato, o papa diz outra coisa, que é um corolário do ataque à “cultura superior”: “Unidade não significa uma uniformidade sufocante que nasce do predomínio do mais forte”. É um ataque direto e inevitável à globalização e ao modelo de desenvolvimento ocidental que, como diz Francisco, está asfixiando todos os povos do mundo, inclusive a Itália.
Mas o papa também diz uma terceira coisa que se conecta com as duas primeiras: “Não há desenvolvimento em um povo que vira as costas para a terra”. Não é um discurso puramente ecológico, e, nesse sentido, quase banal, mas diz respeito ao retorno à terra, à agricultura, onde reside o nosso futuro, se é que ainda teremos um futuro, se continuarmos nesse ritmo. Porque é da terra que obtemos o alimento, não do cimento, não do carvão, não do petróleo, não da indústria, não das finanças.
Esse profundo discurso do Papa Francisco foi praticamente ignorado ou posto de lado por todos os jornais, incluindo, infelizmente, o nosso. Incomodaria o motorista. [...]
O Corriere dela Sera fala, sim, do discurso do papa, e em termos corretos (é o único que faz isso), mas apenas na página 13, com a assinatura de Gian Guido Vecchi. O La Repubblica, o mais laico dos jornais que se dizem laicos, faz isso na página 15, mas se detendo apenas nos aspectos piedosos do discurso. Somente o Avvenire capta a essência do discurso do pontífice em Temuco, com a manchete: “Não há uma cultura superior à outra”.
E assim, nesta Itália degradada e provincial, até mesmo jornalisticamente (provavelmente o discurso de Francisco teria um destaque diferente se ele tivesse falado dos salões vaticanos), nós que nos definimos como “honestos pagãos”, para ler algo que faça sentido, que dê uma direção ao nosso presente e ao nosso futuro, devemos comprar, de agora em diante, o Avvenire, a revista Famiglia Cristiana e também o L’Osservatore Romano.
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Direitos humanos, a mensagem laica do papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU