03 Outubro 2017
“Porque ele nos impede de sonhar, impeçamos-lhe de dormir”. O lema para o panelaço deste sábado, lançado pelo líder da esquerda radical Jean-Luc Mélenchon, fez menos barulho que o denso rumor que se instalou em torno do chefe de Estado francês: “Emmanuel Macron, o presidente dos ricos”. A política tributária do mandatário valeu a Macron o mesmo epíteto e os mesmos sarcasmos que ao ex-presidente Nicolas Sarkozy (20017-2012) e ao seu famoso “escudo fiscal”. O macronismo e sua reforma da lei das finanças se apressa em modificar os cálculos do imposto às grandes fortunas (ISF).
A reportagem é de Eduardo Febbro, publicada por Página/12, 02-10-2017. A tradução é do Cepat.
Sua nova denominação, IFI, imposto sobre a fortuna imobiliária, assim como a tributação que concerne ao capital contaminaram o debate com a acusação frontal de que o presidente só reforma em benefício dos ricos. As contas são ruidosas: entre outras generosas delicadezas, o novo IFI deixa fora dos ônus os valores móveis, entenda-se, neste caso, tudo o que brilha como “sinais exteriores de riqueza”: os iates, os jets privados, os carros de luxo, os cavalos de corrida e as barras de ouro não entrariam nos cálculos das próximas cargas tributárias.
Se a isso se acrescentam as mudanças no imposto sobre o capital, graças aos quais os contribuintes mais ricos pagarão 5 bilhões de euros a menos, mais os cortes nas ajudas destinadas à moradia (1, bilhão de euros a menos para os pobres), a poupança no sistema de proteção social (5 bilhões de euros de cortes) e a alta de 25% na Contribuição Social Generalizada (CSG) que recairá essencialmente sobre os aposentados, o retrato presidencial se enche de ironias e de avaliações negativos.
O primeiro-ministro Édouard Philippe disse que “assumia uma medida em nada popular, mas útil para a economia francesa”. Uma pesquisa publicada pelo jornal Libération, no último dia 18 de setembro, demonstra uma opinião majoritária: para 53% dos entrevistados, a política econômica do mandatário beneficia sobretudo os ricos.
Os moribundos socialistas e a França Insubmissa de Mélenchon se enfiaram nessa lacuna. Mélenchon, sobretudo, açoita Macron como o presidente “da oligarquia” e já ambiciona um panelaço massivo como o que derrubou, em 2012, no Canadá, o Partido Liberal de Jean Charest, começando por aumentar os gastos de escolarização. A ruptura não ficou focada apenas na oposição progressista, mas também agita as camadas dos 313 deputados de A República em Marcha (LRM) que compõem a maioria presidencial. Vários deputados de LRM se inclinam, agora, à opção de apresentar emendas ao projeto, para corrigir o “efeito devastador” destes presentinhos sobre a imagem de Macron.
Há uma distância descomunal entre a promessa de apresentar um orçamento “em favor do poder aquisitivo e de uma queda nos impostos que beneficiem todo mundo” e esta versão que deixa de fora dos encargos os símbolos da riqueza, como esses bens mobiliários de luxo não produtivos. As únicas medidas que beneficiarão as classes médias e modestas é a paulatina eliminação da taxa sobre a moradia e um subsídio ao consumo de energia (gás, eletricidade). No mais, trata-se de um rio de encargos em aumento e claras economias para os endinheirados.
A transformação do imposto sobre as fortunas (ISF) em IFI e as variações em torno da tributação do capital custará ao Estado 5 bilhões de euros. Estas duas reformas representam em si a metade das economias fiscais previstas para 2018. Por exemplo, no que concerne ao IFI, segundo os casos, ou seja, a fortuna que se detenha, os mais ricos pagarão cerca de 10.000 euros a menos de impostos por ano. Outro detalhe: as fortunas mais imponentes são compostas em 90% por investimentos financeiros que estarão exoneradas do imposto. O IFI concerne a 330.000 pessoas, das quais 180.000 se salvarão da fúria tributária. Diante disto, os comparativos são loquazes: os aposentados, por exemplo, pagarão entre 200 e 700 euros a mais de impostos anuais. As classes com menos recursos também perderão 60 euros anuais pelo corte do auxílio à moradia (seis milhões de lares).
Com as contas claras em mão, o apelido de “presidente dos ricos” se faz só. A política é muitas vezes um assunto de símbolos e o Executivo tem se lançado para o lado mais obscuro dos mesmos. A imprensa fala de uma “aposta incerta”. O Ministro da Economia, Bruno Le Maire, alega que “nós baixamos a tributação do capital para liberar a capacidade de crescimento das empresas e a criação de impostos”. A oposição progressista coloca em juízo a eficácia do procedimento e qualifica a transformação como uma “reforma de banqueiro de negócios”. Os orçamentos nacionais e as políticas fiscais desnudam, de fato, as metas dos mandatos. São mais saborosos em verdades que todas as narrativas e as estratégias de comunicação. Aí, fica esboçado quem paga e quem poupa. Na nascente França de Macron, poupam os ricos.
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França. Macron com os ricos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU