28 Agosto 2017
“O mais importante nesse momento é deixar o atual Governo na intempérie, para que se preste a negociar e a ceder parte do poder que hoje detém. Nesse momento e aproveitando essa circunstância, um grupo de cidadãos representativos de todos os setores do ambiente sociopolítico se autoproclamaria Governo de Salvação”, defende o jesuíta Miguel Matos, em artigo publicado por Reflexión y Liberación, 24-08-2017. A tradução é do Cepat.
A atualidade social e política de nosso país se movimenta em uma linha de cenários muito variados. As mentes mais inquietas, já para este momento, não se atrevem a prometer desfechos automáticos, em razão da versatilidade dos acontecimentos. Vamos presumir, um pouco arbitrariamente, que são três os desfechos mais possíveis.
Primeiro desfecho possível. Para este desfecho, uma referência inegável é o estado de incerteza que se está vivendo, hoje, na população oposicionista. Nestes ambientes, começa-se a considerar, tanto os líderes como as pessoas comuns, que a estratégia de pressão nas ruas, baseada em barricadas e guarimbas se esgotou, acabou cansando os convocáveis e deixou as coisas quase igual como eram antes. Isto não deve surpreender dada a desproporção de recursos com os quais contam os dois polos que se enfrentam. Isto faz com que qualquer evento de protesto deixe um rastro de mortos, feridos e detidos, vítimas de um tratamento mais que degradante. Ninguém quer viver se expondo por tanto tempo a estas possibilidades.
Por parte do Governo, é surpreendente o fato de que toda a rejeição nacional e internacional não sirva para o convencer a atenuar seu comportamento ditatorial. O Governo se comporta como se contasse com um apoio significativo no seio da população. Ao invés de diminuir sua prepotência e arbitrariedade, os gestos de rejeição nacional e internacional são respondidos com mais abuso de autoridade, mais crueldade, com mais repressão, mais argúcias, mais vícios, mais desonestidade, mais cinismo, mais desprezo à institucionalidade. A Assembleia Constituinte, à gravidade de sua imposição fraudulenta, acrescentou um recorde de atuações inconstitucionais.
Por parte das maiorias mais empobrecidas do país, o cinismo e a mediocridade das estratégias do Governo para resolver os problemas mais agudos está tendo como efeito um objetivo muito apreciado para um poder autoritário como é a resignação, a impotência, o se acostumar a sobreviver nas condições mais desumanas, a inércia, o se deixar ganhar pelas esmolas, a incapacidade de uma coerente reação de protesto.
O Governo brilha “pressionado” e nisso tem uma responsabilidade inescusável os altos comandos das Forças Armadas. E sendo, como são, tão penalizáveis os fatos de corrupção que pesam sobre os prontuários do alto estamento militar, estão dispostos a seguir incondicionalmente apoiando o regime.
Uma variável deste cenário seria a deflagração social, uma guerra civil. Neste cenário, os sujeitos seriam fundamentalmente cidadãos civis de diversos setores confrontados entre si, até que o Governo lance as Forças Armadas para reprimir violentamente. Ao final, teríamos perdido todos da maneira mais fatal.
Este primeiro cenário é realmente deprimente. Traz ao nosso pensamento o que aconteceu em Cuba, onde toda uma estratégia nacional e internacional contra a Ilha não conseguiu impedir que o regime já tenha celebrado mais de meio século no poder. De modo que para a Venezuela a congruência destes fatores poderia nos levar à perpetuação do regime.
Segundo Cenário: A invasão estrangeira. Especialmente pelos Estados Unidos e nações latino-americanas de apoio. A primeira coisa que é necessário considerar é que muito provavelmente não seria uma invasão incruenta. É surpreendente, mas este desfecho goza da simpatia de uma parte, não sei se muito significativa, de venezuelanos. Alguns a apoiam por ter o convencimento de que a concentração de poder fático por parte do Governo, a estratégia dos corpos de inteligência e o chavismo organizado tornarão o governo cada vez mais blindado e inexpugnável contra qualquer inimigo interno.
Além disso, com muita razão, não acreditam que a liderança oposicionista pudesse, sozinha, governar pacífica e estavelmente o país. Outros apoiam [este cenário] porque não possuem muita informação sobre o que significou para o mundo tais tipos de intervenções norte-americanas. As invasões norte-americanas destes últimos quarenta anos deixaram os países que as sofreram mais ingovernáveis que antes. O executivo no Governo norte-americano também não tem as mãos livres, nem dentro e nem fora de seu país, para empreender neste século uma ação tão intrépida. O temor mais forte que se tem provém do perfil tão desconcertante de seu Presidente Trump.
Esta alternativa só serviria como uma espécie de parêntese entre o que temos neste exato momento e o que teríamos assim que os fuzileiros navais retornassem para sua casa e deixassem o país. Teríamos, além disso, de suportar a rapina internacional de nossas ingentes riquezas, que são efetivamente o atrativo das nações desenvolvidas. Isto nos faz pensar que a presença dessas forças interventoras teria que durar muito mais tempo do que suporíamos.
No atual contexto nacional, para assegurar o êxito de uma invasão, o país teria que ser convertido em um grande quartel norte-americano. Toda uma humilhação para o mais pálido dos nacionalismos e um panorama muito obscuro para o país. O setor mais poderoso e antinacional do país teria, mais uma vez, as bases legais para aumentar suas arcas, ao passo que as maiorias empobrecidas continuariam em sua condição. Os norte-americanos imporiam seu neoliberalismo.
Terceiro cenário. A instauração de um Governo de Salvação Nacional. Teria que se dar previamente como condição imprescindível, um detonante, um evento extraordinário, que poderia ser um pronunciamento majoritário dos setores mais sadios das Forças Armadas ou poderia ser uma surpreendente reação das maiorias empobrecidas do país, que paralise pacificamente a totalidade da nação por tempo indefinido.
O mais importante nesse momento é deixar o atual Governo na intempérie, para que se preste a negociar e a ceder parte do poder que hoje detém. Nesse momento e aproveitando essa circunstância, um grupo de cidadãos representativos de todos os setores do ambiente sociopolítico se autoproclamaria Governo de Salvação. Ao que sentir algum escrúpulo pelo amparo constitucional deste evento, seria necessário argumentar, fazendo ver que este fato pretende nos devolver a constitucionalidade que perdemos. É necessário deixar claro que este Governo de Salvação é inclusivo de todas as forças que se movem no país, para não nos vermos imediatamente confrontados entre nós próprios.
Já sabemos que este desfecho receberia uma forte acolhida internacional, que deveria ser expressada não só como apoio diplomático, mas como auxílio efetivo para deter imediatamente urgências como a fome, a falta de medicamentos, de respostas para devolver a operação a tanta maquinaria detida, a libertação dos presos políticos e a reabilitação dos que foram desabilitados. Uma vez constituído este Governo de Salvação e uma vez colocado para atender os problemas mais urgentes, seria necessário tomar decisões mais complexas como as que se referem à Assembleia Constituinte, a renovação dos poderes carentes de base constitucional e encontrar algumas pautas para um calendário eleitoral que não deve ser pensado para um momento muito próximo, já que se deve evitar qualquer tipo de episódio que conspire contra a unidade tão necessária em tais momentos.
Bom, agora, cabe a nós pensar de que forma cada um pode se somar a esta terceira possibilidade. Estamos montados sobre variáveis hipotéticas, mas não se pode negar que hoje há condições reais que favorecem esta terceira possibilidade.
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Três possíveis desfechos para o futuro imediato da Venezuela - Instituto Humanitas Unisinos - IHU