01 Julho 2017
Do outro lado do Rio Tibre, chamam-no de “canguru”, por causa das suas origens australianas, mas também pela sua capacidade de lutar quando encurralado. Por isso, Francisco quis que ele estivesse ao seu lado, não só ao lhe confiar a Secretaria para a Economia, mas também ao levá-lo para dentro do C9, o conselho dos cardeais que trabalha na reforma da Igreja. E ainda hoje George Pell, 76 anos, criado cardeal em 2003 por João Paulo II quando era arcebispo de Sydney e primaz da Austrália, tentará vender caro a pele, apesar da terrível acusação: abusos sexuais de menores. O purpurado, de fato, nunca fugiu dos interrogatórios e sempre negou toda irregularidade.
A reportagem é de Paolo Rodari, publicada por La Repubblica, 30-06-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Desde que é prefeito para a Economia, Pell sempre tentou manter longe, o máximo possível, as notícias provenientes da Austrália. Ele trabalhou com a sua típica determinação, criando também muitos inimigos dentro dos muros leoninos. A recente demissão do auditor Libero Milone é uma derrota também dele, porque, justamente junto com Milone, o cardeal estava tentando advogar para si toda a gestão das contas internas de todos os dicastérios vaticanos. Mas a APSA e, especialmente, a Secretaria de Estado vaticana foram contrárias, a ponto de levar o membro leigo do setor econômico a renunciar.
Nesse caso, assim como em tantos outros, Pell não se desencorajou. Como um canguru que nunca aprendeu a dar um passo atrás, mas apenas para a frente, ele relançou o seu trabalho para além do obstáculo, não prestando atenção nos detratores e naqueles que, constantemente, tentaram também desacreditá-lo aos olhos do papa.
O seu limite, até hoje, foi o de não ter se dado conta de que a Cúria Romana não é Sydney. É um mundo onde o ativismo e a determinação anglo-saxões devem saber se conciliar com a lentidão e a burocracia romana, ambientes acostumados a outros ritmos e a outro estilo. Gianfranco Svidercoschi, há 60 anos fino observador das coisas vaticanas e autor do recente Francesco, l’Incendiario (Ed. Tau), que hoje Pell “está pagando também pela sua arrogância, uma atitude, por exemplo em relação às vítimas da pedofilia, como de alguém que faz parte de uma casta. O papa descreveu isso implicitamente, quando, no dia 28 de dezembro de 2016, enviou uma carta a todos os bispos pedindo-lhes para pedir perdão, não só pelo pecado cometido pelos padres pedófilos, mas também pelo pecado de omissão e de abuso de poder”.
Pell é classificado como um cardeal conservador, amante do antigo rito, dos paramentos litúrgicos finos. Por causa do seu porte imponente, ele viaja de primeira classe, um luxo motivado também por problemas físicos e, pelo qual, ele nunca teve que se justificar perante o papa. É difícil dizer, no entanto, se os dois falaram em profundidade sobre as acusações de abuso. Mas, certamente, a notícia de hoje abre uma rachadura nada pequena. Tanto que muitos pensam que, há muito tempo já, Francisco deveria ter feito como Wojtyla fez com o cardeal arcebispo de Viena, Hans Wilhelm Groër: acusado de pedofilia, foi mandado para um mosteiro beneditino.
A licença também pode ser interpretada como um primeiro passo rumo a um posterior afastamento de um cardeal que, por muito tempo, subestimou as acusações que lhe foram dirigidas pelas vítimas da pedofilia, de acobertamento, primeiro, de abusos, depois, em suma, de uma personalidade que, com a sua presença incômoda, pode, como um elefante em uma loja de cristais, despedaçar o delicado trabalho sobre a luta contra os abusos iniciado por Bento e continuado por Francisco.
Não por acaso, um influente purpurado deixa escapar uma análise que descreve de modo eloquente o clima no Vaticano: “A minha impressão é de que, mesmo que Pell prove a sua inocência, dificilmente voltará para Roma como prefeito. O papa, no comunicado dessa quinta-feira, diz-se, não por acaso, grato pelo seu trabalho, uma frase que se usa para aqueles que são mandados para o repouso. Chegando agora aos 76 anos, além disso, não será tão difícil aposentá-lo”.
No pontificado de Ratzinger, o cardeal Pell estava a um passo de se tornar prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. As dúvidas, mas também as fofocas, sobre os supostos acobertamentos dos casos de pedofilia frearam a nomeação. Mas as notícias eram diferentes: em 2002, por exemplo, as acusações de assédio sexual feitas contra ele por um ex-coroinha australiano decaíram por falta de provas. O novo percurso vaticano leu o “stop” contra Pell ao ex-Santo Ofício como excessivo, para se chegar hoje, talvez (mas ainda está tudo em aberto), a voltar a crer nele.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
De Sydney a Roma, sempre de primeira classe: os luxos de George Pell na Igreja pobre de Bergoglio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU