22 Junho 2017
Se não foi um mea culpa, pouco faltou. As palavras que Francisco dedicou no último dia 20, primeiro a Bozzolo depois em Barbiana, respectivamente à memória dos dois "padres incômodos" Primo Mazzolari e Lorenzo Milani realmente quiseram restituir aos dois padres tudo que as hierarquias lhes negaram anos atrás.
Padre Mazzolari duramente criticado no início do século XX por seu pensamento inovador em questões que, mais tarde, o Concílio confirmaria - a insistência sobre a "Igreja dos Pobres", sobre a liberdade religiosa, o pluralismo, diálogo com os distantes – e Padre Milani, exilado em 1954 para uma pequena e remota aldeia de montanha no município de Vicchio, em Mugello, por atritos com a cúria, ambos deixaram um "rastro luminoso, porém incômodo". Segui-lo, disse o Papa, "nos teria poupado sofrimentos e humilhações”. Através de "desgostos que não devem ser esquecidos", escreveu Gian Maria Vian no L'Osservatore Romano, Bergoglio convidou sacerdotes e leigos "a meditar sobre as raízes, sobre um ‘clero não clerical’ que reconheceu e prestou honras a essas duas figuras exemplares".
A reportagem é de Paolo Rodari, publicada por La Repubblica, 21-06-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que Francisco fez ontem foi uma peregrinação íntima, quase privada. Sua oração solitária sobre os túmulos de dois padres foi quista, desejada. Até o último momento houve incerteza por parte do Vaticano em conceder ou negar o acesso aos jornalistas, depois liberado apenas para um restrito grupo.
Bergoglio, que como arcebispo de Buenos Aires também sofreu certo ostracismo por parte de Roma, lembrou em Barbiana o sofrimento do Padre Milani, que escreveu ao seu bispo pedindo alguma homenagem em "qualquer ato solene", caso contrário todo seu apostolado teria parecido "um assunto privado".
Os subsequentes pastores de Florença, de Silvano Piovanelli em diante, concederam-lhe esse reconhecimento, "mas hoje - disse Bergoglio - é o Bispo de Roma a fazê-lo". Claro, "isso não apaga os desgostos que acompanharam a vida de Padre Milani, mas mostra que a Igreja reconhece naquela vida uma forma exemplar de servir o Evangelho".
No início do século XX, alguns sacerdotes causaram uma divisão na igreja florentina.
As experiências de renovação religiosa realizada por Giorgio La Pira, e articuladas na comunidade do Isolotto primeiro por Dom Enzo Mazzi, padre Ernesto Balducci e Milani, depois por David Maria Turoldo e Giovanni Vannucci, dividiram a comunidade eclesial levando a Cúria a se recolher para uma posição defensiva. Hoje muita coisa mudou, embora ainda ontem o "não" categoricamente expresso pelo Cardeal Giuseppe Betori, arcebispo da cidade, a respeito de um possível processo de canonização do Padre Milani, revelam que a exegese do episódio ainda é um assunto polêmico. Para Padre Milani não haverá nenhum "processo canônico - disse o cardeal na conferência de imprensa - Absolutamente não, pelo menos enquanto eu estiver aqui. Depois não cabe a mim dizer ... mas eu não acredito na santidade do padre Lorenzo: não vou fazer aqui nenhum santuário".
A Cúria, essencialmente, não acredita em "reabilitações póstumas." Porque, como explicou Betori, "Padre Milani nunca se sentiu excluído pela Igreja, sempre reivindicou estar nela". Padre Lorenzo "não pertence à contestação eclesiástica, foi usado por ela, como Padre Mazzolari, mas nunca esteve em contraposição. E por isso não há nada para reparar. Ficamos na Igreja, sofrendo, mas também desfrutando alegrias, e hoje tivemos uma alegria”.
Com tons diferentes havia falado há quatro dias, na TV2000, o novo presidente dos bispos italianos, o cardeal Gualtiero Bassetti. “Da maneira com que eu o conheci - disse ele - Lorenzo Milani é um santo. E santo não é aquele que tem menos defeitos ou moralmente seu perfil é o mais elevado de todos". Claro, admitiu Bassetti, "que a de padre Lorenzo é uma santidade que dificilmente seria canonizada inclusive pelos padrões atuais, e talvez nem haja necessidade. Não é necessário que padre Lorenzo faça milagres, porque a sua vida foi um milagre”.
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O Papa fala do Padre Milani como "Um exemplo para todos". Mas o arcebispo de Florença puxa o freio: "Para mim, não é um santo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU