09 Junho 2017
O presidente Michel Temer enfrenta as garras da justiça eleitoral e pode ser cassado nos próximos instantes. Enquanto isso, as centrais sindicais indicam greve para o final do mês. Em entrevista ao Correio da Cidadania, 07-06-2017, a historiadora Virgínia Fontes descreve as complexidades das disputas políticas e econômicas e defende uma pauta mínima para que se comece a sair da crise, para além das Diretas Já.
Foto: Correio da Cidadania
“Fora Temer agora, greve geral, Diretas Gerais Já e anulação de todos os seus atos e contrarreformas constitucionais realizadas pelos congressistas-gangue, que são a maioria. É uma pauta mínima. Resolve? Seguramente, não. Mas abre espaço para que outras formas de organização possam emergir. O futuro dirá se virão bons frutos, mas os frutos podres já estão aí, a começar por Temer, a imposição do impeachment e seus desdobramentos em contrarreformas constitucionais, com todo o esbulho sobre os direitos dos trabalhadores”, analisou.
De encontro com o que disse o economista José Antônio Martins, aponta que quanto mais se aprofundam as políticas ditadas pela classe dominante, maior a ingovernabilidade do país. Tal como em entrevista do ano passado, à época da queda de Dilma, a historiadora ressalta a rapinagem ampla, geral e irrestrita como única saída a unir uma burguesia menos uniforme do que geralmente se supõe. Teses como “golpe patrocinado pelos EUA contra os BRICS” não dão conta da realidade, na qual os atuais gerentes do Estado brasileiro apostaram suas fichas em Hillary Clinton, para ficar em apenas um exemplo.
“Podemos ver uma tensão inter-escala, na qual são mais diretamente atingidos os empresários de escala multinacional. Primeiro o Eike, depois Odebrecht, OAS, agora JBS... Uma das coisas interessantes naquele lema “não vamos pagar o pato” da FIESP me pareceu a demonstração de uma burguesia média e grande contra a megaburguesia. Mas é impossível dividir o butim igualmente. Basta ler o Valor regularmente para ver que eles estão denunciando uns aos outros por conta de benefícios maiores ou menores”, explicou.
Eis a entrevista.
Como analisa a situação do governo Temer após as delações da JBS virem à tona e desmoralizarem de modo praticamente irreversível seu mandato, ainda mais com o início do julgamento de sua chapa pelo TSE?
É um governo que nasceu podre e agora está fedendo cada dia mais. Acreditaram na capacidade do Temer em unificar a gangue em torno dessa rapinagem burguesa sobre os direitos dos trabalhadores, a fim de cobrar da classe trabalhadora todo o custo da crise econômica. Agora, tal rapinagem se alia de maneira explícita ao bloqueio da Operação Lava Jato e qualquer investigação. Vale lembrar que esta última investigação, a partir da denúncia dos proprietários da JBS-Friboi, é da PGR, não da equipe dos investigadores e promotores da Lava Jato.
O cenário é dantesco, de exposição completa das mazelas da política brasileira através deste governo. O segundo ponto importante é a inacreditável explicitação da absoluta subserviência do desgoverno Temer aos de cima, associada a uma impactante prepotência frente à massa da população. Acredito que ele vá cair mesmo, mas, acima de tudo, não é mais governo, independentemente do que aconteça.
O que achou das reações capitaneadas pelo sindicalismo em Brasília, em 24 de maio, e mais ampliada a toda a esquerda no Rio de Janeiro e em São Paulo nos últimos dois domingos?
A marcha a Brasília mostrou um interessante reagrupamento de forças de esquerda, com bandeiras que vão além daquelas mais imediatas. As bandeiras petistas, por assim dizer, não dão conta da complexidade do processo e nem do que precisamos adiante. Isso já está claro.
As direções não são homogêneas e é importante lembrar a sequência de ocupação de escolas no ano passado, enfrentamentos importantíssimos contra o projeto da Escola Sem Partido, que são formas de reaprendizado de luta da juventude, que vinha muito à margem da política – e em parte ainda está. Entre outras coisas por se verem limitadas por entidades organizativas que mais do que educar-se e formar-se com essa juventude estavam utilizando-a como massa de manobra para fazer espetáculos, sem sequer pensar no papel da universidade, por exemplo.
A Reforma da Previdência é o abuso que evidencia claramente o conjunto do que já foi feito. Há um engajamento maior nessas lutas. E a truculência contra tais manifestantes é impactante, como ficou claro em Brasília. Tiro de verdade, bombas atiradas de helicóptero, a Praça dos Três Poderes encharcada de gás... Uma truculência inadmissível. Apostam no amedrontamento da população, mas isso pode ter papel inverso.
No Rio de Janeiro é outra barbaridade. A polícia militar não age contra o black bloc, como se alega. Age contra o conjunto da manifestação. E não faz isso apenas durante o ato; ela persegue pessoas depois do término. Entra em bares, persegue na rua, escolhe pessoas aleatoriamente... Assim, estamos diante de um acirramento das lutas ao mesmo tempo em que a violência vem aumentando.
Cotidianamente, esta violência incide sobre os bairros populares, ou na Cracolândia, como no exemplo de São Paulo. Nas favelas cariocas, a situação se intensificou de maneira impactante nos últimos meses, inclusive com o tráfico em guerra. São várias crianças baleadas este ano. Há uma escalada de tensões e lutas. É fundamental que tanto o sindicalismo como todas as formas organizativas entrem nessa luta. Partidos, sindicatos, movimentos, tudo.
Você é a favor das Diretas Já? Acredita que poderiam gerar bons frutos?
É um pouco mais complexo. Temos de ter uma pauta mínima. E é mínima mesmo, mas deve dizer o que precisa ser dito: Fora Temer agora, greve geral, Diretas Gerais Já e anulação de todos os seus atos e contrarreformas constitucionais realizadas pelos congressistas-gangue, que são a maioria. Nem todos os parlamentares integram a gangue, é bom lembrar.
É uma pauta mínima. Resolve? Seguramente, não. Mas abre espaço para que outras formas de organização possam emergir. O futuro dirá se virão bons frutos, mas os frutos podres já estão aí, a começar por Temer, a imposição do impeachment e seus desdobramentos em contrarreformas constitucionais, com todo o esbulho sobre os direitos dos trabalhadores.
A própria burguesia, como dito na entrevista do José Antônio Martins ao Correio, está devastando as condições da governabilidade. Mas não basta que eles devastem. É preciso que a gente construa um novo espaço. Superar os problemas legados pelo PT exigirá processos de luta que permitam tal superação. E realmente terá de ser pela via popular. É preciso ter clareza de que está em andamento um grande ataque à classe trabalhadora; não basta reagir, é preciso contra-atacar.
As centrais sindicais se reuniram e divulgaram encaminhamento a respeito de “mobilização geral em 20 de junho, com chamado de greve geral para o dia 30”. Não é muito banho-maria diante da crise que vivemos?
Pessoalmente, tendo a acreditar que sim. Sei, também, que assegurar uma greve geral exige reafirmar elos entre direção sindical e base, que foram muito dilacerados no período Lula, seja nas centrais com histórico de esquerda ou nas centrais que nasceram para a captura de recursos e alavancagem de processos políticos, mas que envolvem trabalhadores.
Acho o ritmo lento, o que pode sugerir fraqueza. Entretanto, um processo interno de construção, como esperamos, pode ser positivo. Ouso crer que não se abrirá espaço para negociações de bastidores, assim como espero que não se limitem ao calendário da tramitação das contrarreformas que o Congresso insiste em tentar. A luta tornou-se mais séria. É difícil avaliar a atitude das centrais, mas é mais do que urgente a greve geral.
Já que você mencionou a tese do economista José Antônio Martins, no sentido de que a própria burguesia brasileira está aprofundando a ingovernabilidade do país, como analisa este momento em termos estruturais?
Na verdade, meu trabalho procura associar a questão estrutural econômica com a questão estrutural política. A provocação de Martins vai na direção certa. Em entrevista recente ao Valor, a Claudia Sender, que está na linha de sucessão da Latam, diz exatamente isso: seus amigos lhe perguntam “por que vocês dão tiro no pé?”. E não é a única manifestação neste sentido.
Tal quadro evidencia que o golpe contra Dilma é resultado de circunstâncias contraditórias, a envolver posições e situações diversas que geraram uma espécie de bolha empresarial-midiática-jurídica-parlamentar, em torno de uma gangue parlamentar.
Mas não vieram juntos no percurso. A meu juízo, o grupo comandado por Eduardo Cunha procurava se blindar e preservar sua gangue, de práticas chantagistas da política com estreitas correlações empresariais. Esperavam que derrubando Dilma herdariam os postos e conseguiriam se blindar da Lava Jato, e ainda manteriam seus ganhos, o que não conseguiram.
Quem assumiu o papel de avalista do bloqueio à Lava Jato foi, diretamente, Michel Temer, o que torna mais complicada a situação. Em paralelo, uma extrema-direita oportunista e completamente sem caráter – no sentido de não ter programa, projeto ou partido – passou a receber ainda mais benesses empresariais – casos de MBL, Revoltados Online etc. Ela desfoca o problema real, uma crise econômica e uma crise política, para um enfrentamento entre petralhas e coxinhas que nem sequer tem repercussão nacional, pois é um problema mais paulista e sulista do que nacional. Trouxe um complicador que bloqueia uma das saídas burguesas, a de conciliar pelo alto, admitindo uma esquerda desde que voltada para o capital. Esta se desgastaria gerindo a crise, enquanto as burguesias restaurariam uma força política organizada neste meio tempo.
O conjunto da burguesia, com suas diferenças internas e externas, controlava todos os partidos. Agora é evidente. A experiência truculenta de tais burguesias levou-as a acreditar que bastava ajustar condutas. Tirar um partido e ficar com o resto. As únicas alternativas para unificar esse díspar conjunto burguês do Brasil – no qual estão empresas pequenas, médias e grandes, brasileiras multinacionais e multinacionais estrangeiras – eram a limitação da Lava Jato, o que não ocorreu, a devastação das conquistas dos trabalhadores, que está em curso, e a redistribuição dos recursos públicos pelo alto. Essa distribuição causa novas tensões entre os setores burgueses, agora desprovidos de legitimidade política. Como se observa, profundamente antidemocrático.
Elas também acharam que poderiam aprofundar a influência direta sobre os três poderes, a partir da compra e da truculência. A prática da autocracia está generalizada. De certa forma, a experiência da ditadura militar ainda está viva para muitos dos atuais protagonistas. E ser truculenta com os trabalhadores nunca foi problema para a burguesia.
A isso se soma o agronegócio e seu peso crescente. Este tem histórico de organização econômica e política de resolver as coisas na bala. Acabamos de ver o assassinato de 10 posseiros no Pará, por intermédio da polícia. Assistimos a um conjunto de violências diretas (contra manifestações, estudantes, drogados, favelados, racismos, sexismos etc.) e parlamentares (contra os trabalhadores) que seguramente aumentarão o conjunto das tensões.
De modo que continua vigente sua tese de que o impeachment foi aprovado pelas frações do grande capital brasileiro ainda que não houvesse tanta convicção de sua necessidade.
Diria que as tensões entre setores, frações e escalas do capital estavam bastante explícitas. Muitos se cacifaram para uma multinacionalização acelerada. E tal tensão, de escala, não está resolvida. Em uma das eleições conjuntas FIESP-CIESP, quando o Skaf ganhou, o representante da FIESP disse: “da FIESP pode ganhar quem for, porque tem 80% dos empresários, mas nós da CIESP temos 80% do capital”. Isso há cerca de 10 anos. É difícil acompanhar, pois as posições do grande capital se deslocam, não ficam permanentemente acopladas a uma instituição, sobretudo àquelas derivadas do sistema corporativo brasileiro, como sindicatos e federações.
Podemos ver uma tensão inter-escala, na qual são mais diretamente atingidos os empresários de escala multinacional. Primeiro o Eike, depois Odebrecht, OAS, agora JBS... Uma das coisas interessantes naquele lema “não vamos pagar o pato” da FIESP me pareceu a demonstração de uma burguesia média e grande contra a megaburguesia. No momento da crise elas se unificam, mas em torno de que? Da retirada de todos os direitos e do rebaixamento do valor da força de trabalho. E também da apropriação, de forma mais ou menos direta, do fundo público.
Mas é impossível dividir o butim igualmente. Basta ler o Valor regularmente para ver que eles estão denunciando uns aos outros por conta de benefícios maiores ou menores. Enquanto isso, todos juntos, principalmente no Editorial do jornal, reforçam a discussão das contrarreformas como condição última, completamente histérica, de avançar o país. O debate entre eles não é público e os eventos burgueses são cada vez mais fechados, os sites de algumas grandes entidades retiraram seus documentos do ar e outros nem sequer os publicam. Esse procedimento também exprime tensões.
Alguns dizem que o golpe é pró-EUA ou contra os BRICS. É difícil ter clareza, até porque houve um erro estratégico: esses golpistas apostaram na vitória da Hillary, não do Trump. A opção para o megacapital era uma esquerda desmilinguida. Ao atacar o PT de maneira aberta e abrir espaço para a extrema-direita sem sequer organicidade partidária, abriram um cenário dantesco.
Eles tinham todos os partidos. Hoje, nenhum partido burguês, e tampouco o PT, tem alguma capacidade de apresentar um projeto político para o conjunto da burguesia. O açodamento de interromper a Lava Jato e salvar a gangue só fez aprofundar a crise política e econômica.
É preciso acrescentar que, ao falarmos de EUA e BRICS, a discussão é mais complexa. O que ocorre no cenário internacional é o crescimento das tensões interimperialistas. E no meio dessas tensões avança a crise da própria ordem política global. A eleição do Macron na França é muito característica, com a derrocada dos partidos tradicionais e a construção de novos. Outro exemplo: a liderança política inglesa que encaminhou o Brexit não o desejava...
Há uma desorganização das estruturas partidárias que sustentavam a dominação burguesa. Trump é mais um caso: as grandes elites do imperialismo norte-americano perderam com sua eleição, e elas constituíam o establishment que conduzia o imperialismo. Não perderam o elo com o capital, claro, mas estão se reacomodando, evidenciando tensões interburguesas e interimperialistas grandes o bastante para nos preocupar.
Em tal contexto, a burguesia brasileira apostou em ter uma asa protetora estadunidense, mas perdeu a aposta e agora precisa reciclar-se. Temer e seu bando já foram aos EUA demonstrar que recuam da disputa das posições subalternas com pretensões capital-imperialistas para a posição tradicional de rastejamento subalterno.
Você tem se debruçado a respeito das disputas intercapitalistas das distintas burguesias brasileiras, cujos conteúdos regionais também estão em sua análise, o que explicaria a ascensão do PMDB, mais capilarizado que o PSDB, ao governo federal, enquanto os demais partidos iam se afogando por erros próprios. Quais burguesias regionais estariam em vantagem agora e o que apontariam para os próximos tempos?
A crise foi a conjugação de muitos fatores, e não apenas por causa do superajuste. Caminhos díspares que resultaram em impeachment e aprofundaram a crise econômica e política. Havia dois partidos realmente nacionais. O PT ficou destroçado. Agora o PMDB conhece a derrocada, Sergio Cabral está na cadeia, por exemplo. O PSDB também está na mira, com os descalabros de Aécio Neves e outros.
Não é visível quem fica em vantagem nas disputas nacionais. Temos vários analistas a tentar compreender os setores, grupos, se rentistas ou não, e tento correlacionar setores e escalas do capital com as entidades burguesas sem fins lucrativos que têm objetivos diretamente políticos. Não são partidos, mas pretendem definir política pública, acompanhar e controlá-la, formar gerações adequadas para sua forma de extração de valor. Esse cruzamento é razoavelmente complexo.
Qual delas levará vantagem, não está ainda claro, mas raramente os mais concentrados perdem... Parece - mas só parece - haver certo esgotamento político de São Paulo na capacidade de formulação para o conjunto das burguesias. Não há a emergência pública de alguma entidade ou região para tamanha capacitação. A briga ainda tem um peso muito grande de SP, indiscutível no conjunto da federação. Os mais atingidos estão fora do estado, como os citados acima, embora não haja garantia de que seja resultado da própria atuação burguesa. Mas mostra que o eixo de algumas dessas grandes burguesias não estava diretamente vinculado a SP, mesmo que tivessem relação, como a JBS e o seu Banco Original, dirigido por Henrique Meirelles.
A segunda coisa importante é o enorme aparato de entidades sem fins lucrativos, montado pela burguesia desde o pós-constituinte e que não está desativado. Está silencioso, mas tem possibilidades de atuar de outras maneiras. Essa situação exige atenção, ainda que não seja imediatamente legível. Tais entidades, que são muitas – centros, fundações, institutos empresariais, movimentos como o Todos Pela Educação, entre tantos exemplos –, estão agindo por dentro do Estado.
Quem assumiu agora o BNDES, Paulo Rabello de Castro, era dirigente de uma entidade sem fins lucrativos chamada CEDES (Câmara de Estudos e Debates Econômicos e Sociais) –, tornada Instituto Atlântico a partir dos anos 90, cujo objetivo era/é formular políticas públicas para o capital. Não são acadêmicos, estudiosos, e sim gente completamente ligada ao aparato burguês, mesmo aquelas ligadas a entidades menores. As maiores entidades não estão assumindo posições claras no momento, embora o IEDI (Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial) venha se queixando da representação oficial, corporativa. Por isso não podemos responder quem está em vantagem.
Vale mencionar que se pegarmos a lista das multinacionais brasileiras, a grande maioria não está tocada. Uma delas em especial, a Gerdau. A Natura é outra em silêncio. E a Gerdau esteve diretamente envolvida no governo Dilma, fez parte do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social dos dois governos Lula e anima uma enorme quantidade de entidades sem fins lucrativos, em especial no Sul, onde tem até escola de formação de quadros para formar herdeiros empresários.
Agora vemos um balão de ensaio para o Tasso Jereissati assumir. Quem é ele? É filho da grande burguesia nordestina, irmão do proprietário da OI, burguesia impulsionada por FHC nas privatizações dos anos 90. Mas não só. A família Jereissati está na OI, que deve milhões, e à frente do grupo Iguatemi, que administra shoppings. Não está claro quem ganha ou perde, de maneira geral a crise está piorando para todos eles. E quanto mais aprofundam suas políticas, como disse o Martins, mais aprofundam a crise.
Por que não se consegue dar o tiro de misericórdia em um governo tão inepto, inclusive do ponto de vista de quem o sustentou, que ruma para o traço no índice de aprovação? Mesmo entre setores progressistas, como enxerga a volta a bandeiras dos anos 80, seria sinal inequívoco de um limbo histórico do qual se demorará “uma ou até duas décadas pra se sair”, como analisou o filósofo Paulo Arantes?
Certamente. Por isso fiz questão de mencionar uma pauta mínima, pois assim ficamos além dos anos 80. É uma pauta mínima e atual, não uma pauta máxima.
Sem dúvidas, esse limbo histórico deve se referir ao período PT e o que desfez nas formas de auto-organização popular, dos trabalhadores e da preparação para o enfrentamento das condições atuais. Do ponto de vista da esquerda, precisaremos de longo fôlego pra superar, e não meramente repetir, o impasse ao qual fomos conduzidos pelo governo de conciliação de classes do PT. As próprias bases sociais que permitiram as vitórias eleitorais de Lula e Dilma foram desarticuladas. Tal processo é longo e doloroso.
O problema do PT não é só a corrupção, até porque esse é um problema generalizado. O grande problema do PT é a devastação que promoveu em sua própria base popular, sem barrar a criminalização dos movimentos sociais ou a barbárie cotidiana. Aprofundou-as e desarmou os elos de conexão entre direções sindicais e bases, não enfrentando as novas formas de vida dos trabalhadores.
Temos uma nova geração de trabalhadores que não desfruta de direitos e, pior, não se enxerga como trabalhadores, tampouco é tratada como tal. A bandeira Diretas Já é muito simplista, não nos cabe mais. Precisamos de mais, precisamos desarmar o cerco que está colocado e abrir espaço para a construção de algo que vá além. Repito: a pauta mínima é: Fora Temer, greve geral, Diretas Gerais Já e anulação de todos os atos e contrarreformas ilegítimas.
Minha posição é pela socialização da existência e a luta socialista exige que se diga a verdade. O que assistimos é uma onda de truculência e uma devastação sobre os direitos dos trabalhadores. Precisamos lutar contra ambos. E lutar contra ambos parece nos fazer voltar à ditadura. Tanto pela truculência como pela redução de direitos trabalhistas, de modo que lutamos como se estivéssemos 30 anos atrás. Mas não estamos 30 anos atrás.
Temos de ter claro que o capitalismo hoje no Brasil envolve o país como um todo, a massa de trabalhadores é muito maior e mais complexa e as condições a partir das quais podemos travar novas lutas seguramente são outras. Precisamos superar esse tempo de apassivamento e a suposição de ser possível fazer as coisas como se a burguesia pudesse estar do nosso lado. Parece que está definitivamente claro qual o lugar da burguesia brasileira.
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“Diretas Já são muito pouco diante das nossas necessidades” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU