01 Junho 2017
Na segunda-feira, os jovens da orquestra subiram ao Corcovado – onde, quatro anos atrás, deveriam ter se apresentado ao Papa Francisco – para participar de uma missa às vésperas da sua viagem, mas dois deles tiveram que faltar ao compromisso. Eles tiveram que ficar trancados em casa por causa de um tiroteio desencadeado por uma operação policial.
A reportagem é publicada por RTL, 31-05-2017. A tradução é de André Langer.
Em 2013, as lágrimas de Débora Santos escorreram pelo rosto como a chuva que a impediu de se apresentar na presença do Papa Francisco no Rio de Janeiro. Quatro anos depois, ela chora de alegria com a ideia de viajar a Roma. Com a Orquestra Maré do Amanhã, que nasceu com um projeto social fundado em 2010 em uma das favelas mais violentas do Brasil, uma violoncelista de 18 anos vai se apresentar no próximo sábado no Vaticano. Uma justa recompensa após a oportunidade perdida na Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Os jovens cariocas deveriam ter se apresentado na presença do Papa em julho de 2013, ao pé do célebre Cristo Redentor do Corcovado, mas seu sonho foi afogado pelas fortes chuvas.
“Ficamos muito tristes, porque nós tínhamos preparado algumas músicas especialmente para ele. É gratificante ver todos os esforços recompensados quatro anos depois”, comove-se a jovem, cujo instrumento é coberto em parte pelos longos dreadlocks.
No sábado, o sonho de 26 brasileiros com idades entre 14 e 19 anos de tocar na presença do papa vai se realizar por ocasião da iniciativa O Trem das Crianças organizada pelo Vaticano. Na plateia estarão mais de 400 crianças vindas das áreas do centro da Itália atingidas recentemente por terremotos devastadores.
A 10 mil quilômetros de distância, no Complexo da Maré, não há terremotos, mas as intensas trocas de tiros ritmam a vida dos moradores, reféns da guerra entre narcotraficantes e as vigorosas incursões policiais que se multiplicaram nas últimas semanas.
Segundo a ONG local Redes da Maré, 18 mortes violentas foram registradas entre janeiro e abril nesse conjunto de favelas que abriga 140 mil habitantes, próximo ao aeroporto internacional do Rio, ou seja, uma a mais que em todo o ano de 2016.
Na segunda-feira, os jovens da orquestra subiram ao Corcovado - onde eles deveriam ter se apresentado ao papa há quatro anos – para participar de uma missa às vésperas da sua viagem, mas dois deles tiveram que faltar ao compromisso. Eles tiveram que ficar trancados em casa por causa de um tiroteio desencadeado por uma operação policial. “Nós já tivemos que cancelar muitos ensaios por causa da violência”, lamenta Bruno Costa, contrabaixista de 16 anos, cujas notas musicais são, muitas vezes, abafadas pelos tiroteios.
“Para mim, é muito complicado me deslocar no bairro com meu instrumento, que é muito grande. Os traficantes pensam que eu carrego uma arma no meu estojo, ou mesmo um cadáver”, conta.
A gênese do projeto deita raízes na violência que atinge cotidianamente o Rio de Janeiro. É na Maré que a polícia encontrou o carro ensanguentado de Armando Prazeres, famoso maestro da orquestra, assassinado em 1999.
Depois de muitos anos de depressão, seu filho, Carlos Eduardo, decidiu dedicar-se de corpo e alma a mudar a vida de jovens das favelas graças à música. Hoje, o projeto está presente em todas as escolas do bairro e 2.200 estudantes tiveram seu primeiro contato com os instrumentos graças à ONG. “Muitos deles são prisioneiros desse mundo, seus horizontes são muito limitados. Mas hoje, nossos jovens músicos sonham estudar em Viena e tocar em grandes orquestras”, assegura Carlos Eduardo Prazeres.
“Eu estou certo de que posso ir longe se eu trabalhar duro. Meu sonho é tocar na Orquestra Filarmônica de Berlim”, anuncia Débora, que se apaixonou pelo violoncelo ao ouvir a primeira sequência de Bach na internet. Em Roma, o repertório será, ao contrário, composto de clássicos da música erudita e tradicional brasileira, mas também por um piscar de olhos no Papa Francisco, com dois tangos argentinos, de Astor Piazzolla e Carlos Gardel.
O Papa Francisco também receberá de presente um violão branco assinado pelos jovens músicos, que esperam levar outro de volta ao Rio com uma mensagem especial escrita à mão pelo Papa para seus companheiros que ficaram no Rio. “O que me dói é que hoje eles só sonham em sair da Maré, porque as condições de vida aqui são muito difíceis. Eu gostaria de mudar isso, mostrar que a paz é possível”, conclui o fundador da ONG.
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Jovens músicos brasileiros não puderam se apresentar ao Papa Francisco por causa de um tiroteio, mas vão poder realizar o seu sonho quatro anos depois - Instituto Humanitas Unisinos - IHU