Por: Cesar Sanson | 04 Julho 2013
Quando mais de 5 mil pessoas tomaram as ruas da favela Nova Holanda, elas ainda estavam manchadas de sangue, e ainda se podia ouvir, sonoro e sufocante, os gritos de dor de dez famílias. Na tarde de 2 de julho, a manifestação “Estado que mata, nunca mais!”, no Complexo da Maré, reuniu os mais distintos setores da sociedade carioca. Deixou claro que a chacina perpetrada pelo Batalhão de Operações Especiais (BOPE) no dia 24 de junho, que resultou em dez mortes, doeu fundo na alma dos cariocas, especialmente nas comunidades que compõe o Complexo.
A reportagem é de Leandro Uchoas e publicada pelo Brasil de Fato, 03-07-2013.
Os manifestantes fecharam uma das pistas da Avenida Brasil, nas proximidades da passarela 9. “É uma grande tristeza estar aqui. Eu também sou mãe de vítimas de violência. Chega de polícia entrando em comunidade para matar os nossos filhos. Chega de enterrar nossas famílias. Chega!”, disse Deise Carvalho, da Rede de Movimentos e Comunidades contra a violência, resumindo o sentimento geral. Atores como Paulo Betti, Enrique Diaz e André Ramiro também estiveram presentes, em solidariedade. “Queria pedir a Deus que abençoe essas famílias”, disse Ramiro.
Além de estudantes, intelectuais, artistas, representantes de associações de classe, e integrantes de movimentos sociais e partidos políticos progressistas, estiveram presentes presidentes das associações de moradores da maioria das 16 comunidades da Maré. Para Osmar Camelo, presidente da Associação de Moradores do Morro do Timbau, os mareenses devem exigir “um pedido de desculpas oficial”. Charles Guimarães, da Baixa do Sapateiro, lembrou a morte do menino Matheus Rodrigues, em 2008, em outra operação desastrosa da polícia. A frase “até quando?” foi ouvida inúmeras vezes nos discursos.
Para os moradores e líderes locais, a ação policial na Maré não teve nenhuma relação com a realização da Copa das Confederações, que ainda era disputada naquele momento. “Seria ótimo que esses fatos ocorressem apenas de quatro em quatro anos. Mas infelizmente eles são recorrentes. E a gente não pode mais aceitá-los”, disse Jaílson de Souza, que conduziu o ato. Sua ONG, o Observatório de Favelas, fica localizada na entrada da Nova Holanda, onde se deu o ato.
A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) foi representada por 15 integrantes. “Não existe pena de morte no Brasil. E a polícia não pode agir de uma maneira na Zona Sul, e de um jeito diferente aqui na Maré”, resumiu André Barros, falando pela entidade. Átila Roque, da Anistia Internacional, também esteve presente, lembrando que “a política de segurança deve trazer a paz, não a guerra. Não é razoável que a gente ainda tenha que conviver com esse tipo de ação policial”.
Operação de morte
A trágica operação do BOPE ocorreu na madrugada de segunda-feira (24). O sargento do Batalhão, Ednélson Jerônimo dos Santos Silva, foi assassinado após a repressão policial a um arrastão que ocorrera nas proximidades. Em seguida, o BOPE entrou na Nova Holanda, alegando estar em busca de prender os traficantes que teriam organizado o arrastão. Moradores afirmam, no entanto, que os policiais entraram para se vingar da morte do sargento.
“Foi uma noite aterrorizante. A polícia deu apenas 15 minutos para as pessoas entrarem em suas casas. Teve tiro durante a noite inteira. Acabou a luz em algumas casas. E, como a internet deixou de funcionar, a gente não podia nem mesmo fazer a denúncia pelo Facebook”, conta J.F.A., moradora da Nova Holanda. Ela se indignou com a afirmação dos policiais, em sua defesa, de que muitos dos mortos eram bandidos. “Esse argumento é absurdo. Não se mata pessoas porque elas foram ali fora roubar. As pessoas têm humanidade. Quem fez o arrastão foram os ‘cracudos’, são pessoas doentes. Isso é política de extermínio”, acusa.
A chacina na Nova Holanda ocorreu alguns dias após a violenta repressão da Polícia Militar à manifestação massiva do Rio de Janeiro, em 20 de junho, no centro da cidade. O ato recebeu aquela que teria sido a maior repressão a protestos pacíficos da história da cidade. Na ocasião, a Rede Globo deixou de exibir novelas não para denunciar a violência policial, mas para repetir inúmeras vezes as cenas de vandalismo na região da prefeitura. No ato da Maré, a emissora foi bastante hostilizada, sendo ao final expulsa.
Ato ecumênico
Após as falas, houve um ato ecumênico com orações e apresentações culturais de artistas locais. Muitos músicos fizeram apresentações, como MC Leonardo, líder da Associação de Profissionais e Amigos do Funk (Apafunk). O rapper P.H. conseguiu a adesão de todos quando cantou sua música: “o bandido, o bandido, o bandido se acha o tal! O nome do bandido é Sérgio Cabral”. A todo momento, os presentes entoavam gritos como “Não, não, não quero Caveirão! Eu quero é dinheiro pra Saúde e Educação” e “Chega de chacina. Fora PM Assassina!”.
Embora a favela Nova Holanda estivesse repleta de carros de polícia durante a manifestação – 120 policiais foram mobilizados –, não houve qualquer incidente de violência. Muitos manifestantes relataram que policiais teriam feito atos obscenos em provocação. Em entrevista ao jornal Extra, o comandante do BOPE, coronel Wilmar René Alonso, disse que não foi informado da operação de sua tropa que culminou nas mortes. O delegado Rivaldo Barbosa, que investiga o episódio, também não entende a razão da convocação da tropa de elite após o arrastão.
Veja também:
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Maré manchada de sangue - Instituto Humanitas Unisinos - IHU