17 Mai 2017
“Veneração, respeito, oração. Foi esse o comportamento de um papa que, precisamente em Fátima, era esperado para ser posto à prova pelos seus adversários internos, por aqueles que o acusam de comunismo, senão de coisas piores.”
A opinião é da jornalista italiana Bia Sarasini, ex-diretora da revista feminista italiana Noi Donne, em artigo publicado por Il Manifesto, 16-05-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Leve, sorridente, contemplativo, o Papa Francisco, na sua jornada em Fátima, no sábado passado, 13 de maio, no dia do centenário da aparição de Nossa Senhora aos três pastorinhos, buscou os sinais da fé, mais do que os do poder da Igreja.
A fé autêntica, simples, direta. A fé do povo, das pessoas que, naqueles lugares, vão buscar sinais que curem corpos e existências atribuladas e infelizes. Também em Fátima, coração duro do milagrismo do século XX, visivelmente pouco lhe importam os sinais do poder do sagrado, da afirmação de uma ordem sobrenatural, que se reflete nas grandes esplanadas, aptas para grandes massas.
Ele explicou bem isso no dia seguinte, à multidão reunida na Praça de São Pedro, quando falou da canonização dos dois pastorinhos: “A sua santidade não é consequência das aparições, mas da fidelidade e do ardor com que corresponderam ao privilégio recebido de poder ver a Virgem Maria”. Em suma, não é o milagre que faz santos, mas a experiência que, a partir daquele encontro, muda a vida. Uma bela inversão.
“Depois do encontro com a ‘bela Senhora’, eles rezavam frequentemente o Rosário, faziam penitência e ofereciam sacrifícios para obter o fim da guerra e para as almas mais necessitadas da divina misericórdia. Também nos nossos dias – enfatizou o papa – há muita necessidade de oração e de penitência para implorar a graça da conversão, assim como o fim dos absurdos conflitos e das violências que desfiguram o rosto da humanidade.”
Veneração, respeito, oração. Foi esse o comportamento de um papa que, precisamente em Fátima, era esperado para ser posto à prova pelos seus adversários internos, por aqueles que o acusam de comunismo, senão de coisas piores. Uma coisa – é o que é mais ou menos sussurrado – é ter contra si mesmo as dubia de quatro cardeais e de ambientes tradicionalistas. Outra coisa seria se colocar contra a devoção de um povo. E o Papa Bergoglio, que se confia ao uso do discernimento, se fez parte do povo que crê.
Ele não teve acentos triunfais, preferiu se recolher, rezar em silêncio. “Em Fátima, eu me imergi na oração do santo Povo fiel, oração que lá escorre há 100 anos como um rio, para implorar a proteção materna de Maria sobre o mundo inteiro.”
E a paz foi um lembrete forte. Em 1917, a Primeira Guerra Mundial devastava a Europa, e não havia nenhuma esperança de ver o seu fim. Da oração do Papa Francisco, além disso, também chamou a atenção a referência ao fato de ele ser peregrino vestido de branco, como os outros pontífices que foram lá rezar no passado. Parecia uma retomada da linguagem do famoso terceiro mistério. Mas logo, no avião que o levava de volta para Roma, conversando com os jornalistas, ele esvaziou toda aura mística. Era uma oração escrita pelo santuário, disse, “eu só a li”.
Em suma, nenhum desejo de cultivar a mitologia dos segredos de Fátima, em particular do último, cujo conteúdo profético João Paulo II identificou com o atentado do qual foi vítima, justamente em um 13 de maio. Até desejar que a bala que o feriu sem danificar nenhum órgão vital fosse incrustada na coroa da Virgem, onde ela ainda se encontra.
O Papa Ratzinger já tinha ensinado que os mistérios de Fátima deixam livres, não se é obrigado a crer neles. O Papa Bergoglio enxugou a sua dimensão mítica. Como ele se prepara para fazer, com muita determinação, com as aparições de Medjugorje: “Nossa Senhora não é uma chefe de escritório telegráfico”, reiterou, enquanto desmontava pacientemente toda a parafernália de coincidências que estão ao redor da ideologia de Fátima. Até dizer, por exemplo, que nunca tinha notado – até aquele dia – o fato de que tinha sido nomeado bispo em um 13 de maio.
Não é pouca coisa dissolver o nexo entre culto mariano e poder da Igreja e do papado. Desde 1854, quando Pio IX proclamou o dogma da Imaculada Conceição – e Pio XII, em 1950, o da Assunção – o papado, através de Maria, afirmou o seu poder simbólico contra a modernidade. Aonde levará o fato de ficar com a oração do povo?
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Francisco e a ruptura entre rito e poder na Igreja. Artigo de Bia Sarasini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU