15 Mai 2017
Em circunstâncias normais, seria possível prever uma série de eventos que circundariam o encontro de um presidente dos Estados Unidos e o papa da Igreja Católica.
Primeiro, na imprensa veremos um pouco de tudo sobre os debates anteriores ao encontro. Far-se-ão previsões sobre conflitos entre os dois líderes em decorrência dos desacordos que possuem. Algo assim foi verdade em quase todos os encontros entre um presidente e um papa, pois sempre há áreas de discordância.
A reportagem é de Thomas Reese, jornalista e jesuíta, publicada por National Catholic Reporter, 11-05-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Com os presidentes democratas, os desacordos giram em torno do controle de natalidade, do aborto e do casamento homoafetivo. Com os presidentes republicanos, os desacordos giram em torno de temas como guerra e paz e a responsabilidade do governo de ajudar os pobres e marginalizados.
Assim, antes de o Papa João Paulo II se reunir com o presidente Bill Clinton, a previsão era a de que haveria uma afronta pública ao presidente pelo papa relativa ao aborto. Isso não aconteceu. Da mesma forma, quando o Papa Bento XVI se reuniu com o presidente Barack Obama, uns esperavam que o papa repreendesse o presidente sobre o aborto e a agenda da liberdade religiosa dos bispos americanos. Não aconteceu.
Observe que as previsões destas repreensões vão sempre em uma direção. É sempre o papa que repreende o presidente. Presidente americano algum se atreveu a dizer ao papa o que fazer. Pelo menos, ainda não.
Não é de estranhar que se façam previsões sobre um confronto entre o presidente Donald Trump e o Papa Francisco quando estes se encontrarem. Os dois defendem opiniões tão diametralmente opostas sobre o meio ambiente, os refugiados, os migrantes, a diplomacia e o emprego da força militar que é fácil imaginar desentendimentos. Na economia, ambos concordam que a globalização vem gerando efeitos negativos, mas Trump está focado somente nos EUA, enquanto Francisco tem voltado a sua atenção aos países em desenvolvimento.
Sabe-se também que as personalidades em jogo são imprevisíveis. Francisco constantemente surpreende os analistas, e Trump é tão volátil que fica difícil prever o que irá fazer.
Quando um encontro entre um papa e um presidente finalmente acontece, existem também outros encontros ocorrendo entre a equipe do presidente e a Secretaria de Estado do Vaticano.
Raramente há fogos de artifício acompanhando estes momentos em conjunto. O Vaticano não quer embaraçar um líder importante como o presidente dos EUA. Não existe o desejo de deixar uma má impressão. O Vaticano tem séculos de experiência no tratamento a líderes políticos – bons e maus, racionais e malucos, amigos e inimigos. Ele quer uma relação continuada com a superpotência mundial. O Vaticano não correrá este risco.
Os encontros entre presidentes e os papas são privados, apenas com um tradutor presente. Poucos detalhes vazam sobre o que foi de fato falado entre os dois. O tom da reunião, no entanto, é geralmente revelado. Por exemplo, depois do encontro entre Obama e Bento, o papa compartilhou com os demais o quanto ficou impressionado pelo presidente, para a grande decepção dos conservadores americanos.
A falta de informação leva os jornalistas que cobrem o Vaticano a dependerem de dados sem muita importância, por exemplo, ficar vendo se o encontro ultrapassa o limite inicialmente anunciado, o que poderia indicar que os dois estão se dando bem, ou que estão mantendo um diálogo sério.
Os americanos tendem a acreditar que as conversas entre os papas e os presidentes e entre a equipe presidencial e a Secretaria de Estado do Vaticano focam-se em assuntos domésticos americanos, como o controle de natalidade, o aborto e a liberdade religiosa, enquanto os participantes relatam que 90% das discussões giram em torno de temas de política externa, especialmente o Oriente Médio.
O Vaticano interessa-se em saber quais são os planos americanos para levar a paz no Oriente Médio, o que se está dizendo em privado a Israel e como o Vaticano e os EUA podem trabalhar juntos pela paz e o desenvolvimento. A questão dos refugiados também poderá estar em pauta.
Os diplomatas americanos interessam-se na avaliação do Vaticano sobre outros líderes mundiais, e querem saber o que o Vaticano pode dizer sobre temas de política externa como o Oriente Médio, as mudanças climáticas e mesmo os organismos geneticamente modificados. Às vezes, os americanos querem a ajuda do Vaticano no tratamento a um líder ou um país em particular. Os encontros entre as equipes são profissionais de ambos os lados.
Depois que esses encontros acabam, o Vaticano emite uma breve declaração (alguns poucos parágrafos) listando os tópicos cobertos. Essa comunicação não é muito útil, visto que não indica quanto tempo foi dedicado para cada tópico, muito menos o que se disse. Dado que ambos os lados já afirmaram publicamente as suas posições nas questões tratadas, é fácil adivinhar.
Alguns funcionários ou autoridades do Vaticano, mesmo os que não participaram, irão anonimamente tentar contornar a história tendendo para o seu próprio lado, o que pode levar a interpretações diferentes dos encontros.
A imprecisão dos comunicados vaticanos à imprensa pode conduzir a interpretações equivocadas. Por exemplo, depois de um encontro entre o Secretário de Estado americano John Kerry e funcionários vaticanos em janeiro de 2015, houve uma frase sobre a assistência à saúde na nota divulgada. A declaração virou manchete nos principais jornais, visto que era conhecido o conflito entre os bispos americanos e o governo Obama sobre os artigos que falavam da disponibilidade de métodos contraceptivos nos planos de saúde. Na verdade, os participantes disseram que o Vaticano levantou o tema por solicitação dos bispos americanos e não se falou mais do que cinco minutos sobre ele. A maior parte do tempo foi dedicada à política externa.
Os representantes americanos também costumam destacar o lado positivo ao falarem à imprensa após estes encontros.
Nenhum governo viu vantagem em ser retratado como se estivesse em conflito com o papa. Às vezes, eles se veem tentados a salientar um acordo, onde na verdade isso não ocorreu, o que pode levar a um esclarecimento polido por parte da Sala de Imprensa da Santa Sé.
Portanto, em geral um encontro entre um papa e um presidente americano gera poucas informações concretas. Ambos os lados minimizam os conflitos e enfatizam a qualidade profissional dos debates.
Porém este presidente não é exatamente previsível. O mesmo vale para Francisco.
Com Trump, não sabemos o que iremos ver, muito embora as reuniões que teve com líderes estrangeiros foram muito bons até agora. Mas ele poderá sair do encontro com o papa e imediatamente escrever em sua conta no Twitter: “Papa, grande cara! Ele e eu CONCORDAMOS em TUDO! ÓTIMO! Iremos salvar o mundo!”.
Ou ainda pior: “Papa Francisco chorão… não é fã de muros. Me pediu para orar por ele. Estou muito ocupado. TRISTE”.
Também não temos certeza do que Francisco irá dizer. Ele ainda não deu um passo em falso sequer durante os encontros com líderes estrangeiros. O papa respeita a assessoria que recebe dos diplomatas vaticanos. Ele não confronta diretamente.
Por outro lado, é um alguém que gosta de fugir do script. É conhecido por ter a suspeita tipicamente latino-americana para com o governo e empresas dos EUA. As discordâncias dele com Trump estão claras.
As probabilidades são as de que haverá mais drama nos dias anteriores ao encontro do que no próprio encontro, mas com Trump e Francisco, nunca se sabe o que poderá acontecer.
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Francisco e Trump vão se encontrar – com festa ou com drama? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU