18 Abril 2017
“Trump tem bem pouco a ganhar com um encontro com o Papa Francisco: os católicos trumpianos estão entre os mais refratários ao pontificado desse papa, enquanto os protestantes brancos conservadores historicamente viram e continuaram vendo no papado uma indevida ingerência ‘papista’ na política do ‘God’s country’.”
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University, nos EUA, em artigo publicado por L’Huffington Post, 12-04-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Se a notícia vazada pelo Financial Times for confirmada, Trump não vai se encontrar com o Papa Francisco no Vaticano nos dias da sua descida na Itália para a cúpula do G7 no fim de maio. Um dos mais célebres ditos apócrifos afirma que Stalin teria perguntado, de forma zombeteira, quantas divisões o papa tinha. Neste segundo início do século XXI, não é difícil imaginar algo desse tipo sendo pronunciado pelo presidente estadunidense, Donald Trump, ou por um dos seus conselheiros, alérgicos à ideia de que o poder dos Estados Unidos também possa ser soft (o poder de influenciar e persuadir) e não apenas hard (o poder da força militar, mas não só).
Se o encontro não ocorrer, será pela decisão da Casa Branca de não pedir um encontro com o papa, e essa seria uma novidade na história das visitas dos presidentes estadunidenses à Itália. É uma das muitas reversões de cenário trazidas à tona pela presidência Trump. A decisão da Casa Branca, que representa outro ponto de atrito na história das relações à distância entre o 45º presidente estadunidense e o papa argentino, deve ser enquadrada no contexto político internacional e interno, e dentro do contexto da Igreja Católica global.
Do ponto de vista político interno, Trump continua na sua rota ostentada independência do mundo religioso estadunidense: tanto do ponto de vista da mensagem e das políticas implementadas (o “travel ban” antimuçulmano, os cortes radicais nos gastos sociais), quanto das relações institucionais com as autoridades religiosas. Tendo se cercado de dois conselheiros (em luta entre si) para os quais a identidade religiosa significa muito em relação às visões de mundo – um católico reacionário e neonacionalista como Steve Bannon e o genro, Jared Kushner, judeu ortodoxo encarregado do dossiê Israel – o governo Trump ainda não nomeou o responsável pelo escritório da Casa Branca para as “faith-based initiatives”, criado pelo seu antecessor, o republicano George W. Bush. É uma das muitas rupturas do republicanismo de Trump em relação à ideologia religiosa do Partido Republicano, dominante até a campanha presidencial de 2016.
No plano interno, Trump tem bem pouco a ganhar com um encontro com o Papa Francisco: os católicos trumpianos estão entre os mais refratários ao pontificado desse papa, enquanto os protestantes brancos conservadores historicamente viram e continuaram vendo no papado uma indevida ingerência “papista” na política do “God’s country”. A decisão de Trump de não se encontro com Francisco não deve ser lida como um retorno à laicidade da presidência estadunidense, a uma era anterior às eleições de Carter e Reagan: o evangelicalismo branco suportou de maneira maciça a campanha, a eleição e o início da presidência Trump. Nesse contexto, também deve-se notar o persistente atraso da administração Trump em nomear o pessoal adepto à política externa e à diplomacia. A Embaixada estadunidense junto à Santa Sé está esperando a nomeação do novo embaixador.
Do ponto de vista internacional, o encontro perdido entre o presidente e o papa marca uma potencial e maior deterioração da situação diplomática. Na história recente da Igreja e das relações entre Estados Unidos e Vaticano, as palavras do papa tenderam a recomendar cautela todas as vezes em que um presidente recorria ao uso da força: com escassos resultados (especialmente em 2002-2003 para a invasão do Iraque), mas, mesmo assim, sempre em apoio a uma voz católica interna sensível aos argumentos da diplomacia mais do que aos das armas. Donald Trump não pretende se expor às incógnitas de um encontro de alto perfil no Vaticano.
A recente mudança de tom nas relações entre os Estados Unidos e a Rússia representa outra incógnita para a diplomacia vaticana, e não só para aqueles que esperavam por um alinhamento entre Trump, Putin e Assad. Os mísseis estadunidenses lançados contra a base militar síria na semana passada alienaram a Trump o apoio de alguns trumpianos isolacionistas nos Estados Unidos, mas também as esperanças dos defensores – tanto no Ocidente quanto na Síria – de uma Realpolitik das grandes potências em defesa da ditadura síria.
Por fim, há o lado eclesial-global da questão. A impulsividade da política externa de Trump preocupa não só por causa da questão síria, mas também por outro cenário crucial tanto para os Estados Unidos quanto para a Santa Sé: a China (com a qual o Vaticano está em negociações há muito tempo para uma solução para o problema da liberdade religiosa dos católicos) e a Coreia (um país que se tornou muito importante para a Igreja Católica na Ásia).
Além disso, há uma questão geral acerca do efeito das audiências dos presidentes dos Estados Unidos no Vaticano. Só um dos presidentes recebidos por um papa era católico, John Kennedy, em julho de 1963, mas as audiências no Vaticano, muitas vezes, enviaram sinais para a Igreja estadunidense: como aconteceu na audiência de Bento XVI a Barack Obama, no dia 10 de julho, depois do G8 em L’Aquila, que irritou muitos bispos estadunidenses por causa da cordialidade mostrada pelo papa a um presidente considerado o líder da cultura antirreligiosa e anticatólica nos Estados Unidos.
Uma das vantagens oferecidas pelo status particular do papado e da Santa Sé é que a diplomacia vaticana não depende de uma grande potência. Nenhuma outra Igreja ou religião no mundo pode contar com a visibilidade do Vaticano e do papa. No fim de abril, Francisco irá para o Egito, em uma visita de alto risco, mas de grande importância também política. Nos dias imediatamente anteriores, os bispos de Cuba estarão em visita ad limina ao Vaticano, junto a Francisco. É difícil imaginar que não falarão também dos Estados Unidos de Trump.
Mas a decisão de Trump de evitar o Vaticano é um dos elementos que muda o quadro. A audiência perdida sinaliza uma possível radicalização da política externa estadunidense e cimenta divisões políticas e eclesiais profundas: o cordão umbilical entre o Vaticano e a Igreja Católica estadunidense passa também por canais não eclesiais, isto é, institucionais e políticos.
A audiência perdida de Trump no Vaticano significa uma possibilidade a menos de fazer com que a voz do papa chegue aos Estados Unidos: a viagem de Francisco aos Estados Unidos já parece muito distante no tempo. Mas foi há apenas um ano e meio.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A manobra imprudente de Trump para evitar o papa. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU