03 Abril 2014
Quando um presidente visita o Vaticano, o principal foco do pequeno país europeu centra-se nos assuntos internacionais (no caso, Ucrânia, Síria, Oriente Médio, África, refugiados, liberdade religiosa, etc.). Mas o Vaticano também sempre quer apoiar seus bispos locais quando eles estão em conflito com seus governos. Este padrão foi seguido na visita de Obama.
A reportagem é de Thomas Reese, publicada por National Catholic Reporter e traduzido por Isaque Gomes Correa, 28-03-2014.
Ocorreu bem o encontro entre Barack Obama e o Papa Francisco, embora houvera alguns solavancos no caminho. A mídia, o que é compreensível, se focou nas colisões enquanto que o governo de Obama sublinhou as aproximações.
Quando um presidente visita o Vaticano, o principal foco do pequeno país europeu centra-se nos assuntos internacionais (no caso, Ucrânia, Síria, Oriente Médio, África, refugiados, liberdade religiosa, etc.). Mas o Vaticano também sempre quer apoiar seus bispos locais quando eles estão em conflito com seus governos.
Este padrão foi seguido na visita de Obama.
Em seu comunicado de imprensa, o Vaticano disse que o encontro foi “cordial” e que “trocaram-se opiniões sobre temas internacionais atuais”. Era esperado que “em áreas de conflito, haveria respeito pelo direito humanitário e internacional bem como uma solução negociada entre as partes envolvidas”.
Está claro que o governo americano e o Vaticano concordariam nestas questões, embora no passado os EUA foram mais ávidos em resolver entraves internacionais via ação militar do que o Vaticano gostaria. Obama reverteu sua decisão de bombardear a Síria depois que o papa convocou um dia de jejum e oração pela paz. O Vaticano também gostaria de ver mais ajuda humanitária e de desenvolvimento do que vem desejando o Congresso.
Segundo o Vaticano, o debate igualmente expressou o “compromisso comum na erradicação do tráfico de pessoas no mundo”. Este era uma das principais preocupações do Papa Francisco enquanto arcebispo de Buenos Aires. Ele recentemente acordou uma importante iniciativa inter-religiosa contra o tráfico humano em parceria com a Universidade de Al-Azhar.
Este compromisso, em vez de assuntos onde houve desacordo, é o que se destacou após o encontro na manchete do “L’Osservatore Romano”, o jornal do Vaticano: “Impegno comune”. Embora antes da visita a Rádio do Vaticano salientasse a controvérsia, após o encontro seu jornal destacou o propósito comum.
Mas o comunicado de imprensa do Vaticano também observou que houve um debate sobre questões como o “exercício dos direitos à liberdade religiosa, à vida e à objeção de consciência”, o que foi uma referência velada aos artigos sobre métodos contraceptivos presentes na Lei da Saúde Acessível americana. Os bispos dos EUA queriam trazer este assunto à tona, e não mencioná-lo seria ignorá-los.
Embora o comunicado de imprensa tenha dado espaço igual a assuntos internacionais e às preocupações dos bispos americanos, os debates atuais foram sobre questões internacionais em sua grande maioria.
Quando os jornalistas perguntaram se o papa levantou a questão da Lei da Saúde Acessível, Obama respondeu: “Ele não entrou em detalhes sobre esta lei”, mas foi trazida à tona pelo secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin. Com Parolin, “discutimos rapidamente a questão de garantir que a consciência e a liberdade religiosas sejam observadas no contexto da aplicação da lei “, explicou o presidente.
“A maioria das organizações religiosas estão inteiramente isentas”, afirmou Obama. “Hospitais e universidades religiosas bem como ONGs precisam apenas atestar que possuem uma objeção religiosa, casos nos quais não lhes serão exigidos oferecer métodos contraceptivos, ainda que seus funcionários que assim escolherem tenham condições de usá-los através das empresas de planos de saúde”.
Ao mesmo tempo, prometeu “continuar o diálogo com a Conferência dos Bispos Católicos para termos certeza de que podemos encontrar o equilíbrio certo, certificando-se de que não apenas as pessoas tenham assistência à saúde, mas que as famílias – e em particular as mulheres – tenham condições de desfrutar o tipo de cuidado à saúde que Lei oferece, como também que a liberdade religiosa esteja sendo observada”.
Os pobres, o crescimento da desigualdade e a paz
Em sua reunião com o papa, Obama disse: “Na maior parte do tempo debatemos duas inquietações do papa. Uma é a questão dos pobres, marginalizados, aqueles sem oportunidades, o crescimento da desigualdade, etc. E em seguida passamos um bom tempo conversando sobre os desafios dos conflitos e o quão indescritível é a paz no mundo”.
O presidente afirmou que o papa tem um “profundo interesse na questão israelo-palestina, mas que também se interessa pelo que está acontecendo na Síria, no Líbano e quanto à potencial perseguição aos cristãos”. Eles também falaram sobre o continente de origem do papa, a América Latina.
“O tema que costurou nossa conversa”, segundo o presidente, “foi uma crença de que em política e na vida a qualidade de empatia, a capacidade de se pôr no lugar dos outros e cuidar do outro mesmo se este não se parece conosco ou se não fala a nossa linguagem, ou mesmo se não partilha de nossa filosofia, são elementos fundamentais. É a falta de empatia que nos faz entrar em guerra. É a falta de empatia que nos permite ignorar os desabrigados nas ruas”.
E continuou: “Óbvio que como questão central em minha fé cristã está tratar os outros como eu gostaria de ser tratado. E o que eu penso que criou tanto amor e emoção pela Sua Santidade foi que ele parece viver estas coisas, mostrando uma alegria contínua”.
O presidente reconheceu que a “Sua Santidade e o Vaticano têm sido claros sobre a postura tomada sobre uma série de questões; de algumas delas eu discordo, mas estou plenamente de acordo com a maioria. Acho que ele está jogando luz numa área que será de crescente preocupação, e que é a redução das oportunidades para mais e mais pessoas, em particular os jovens”.
“Precisamos construir políticas que proporcionem uma boa educação e uma boa nutrição para as crianças, bem como um abrigo decente, oportunidades e emprego. O Papa Francisco não vai entrar em detalhes aqui, mas ele nos lembra de quais são as nossas obrigações morais e éticas”, disse Obama.
Obama acredita que isso também seja uma “boa economia e uma boa política nacional de segurança. Os países estão mais estáveis; eles irão crescer mais rapidamente quando todos tiverem uma chance, e não apenas quando uns poucos a tiverem”.
Segundo Obama, o papa está “criando um ambiente no qual aqueles de nós que se preocupam com estas coisas estão em condições de falar sobre isso de forma mais efetiva. E estamos, de várias formas, seguindo não apenas a sua liderança mas também os ensinamentos de Jesus Cristo e de outras religiões que se preocupam profundamente com estes marginalizados”.
É claro que Obama percebe uma afinidade entre ele e o papa. Já outros irão enfatizar o apoio que o Vaticano deu aos bispos americanos na luta contra o governo.
Para o Vaticano, é possível fazer as duas coisas. O Vaticano tem mais de mil anos de trabalho junto aos reis, presidentes e outros chefes de Estado. Diferentemente do Congresso americano, o Vaticano sabe lidar muito bem neste ramo. Ele pode discordar de alguém sobre algumas questões ao mesmo tempo em que trabalha em outras de forma cooperativa.
A visita ocorreu bem como se previa. As fotos e o vídeo da visita mostraram um papa e um presidente sorridentes e interagindo de forma cordial. O encontro durou 52 minutos, quase o dobro do que estava programado, o que é sempre um bom sinal.
Obama deu ao papa sementes de frutas e vegetais do jardim da Casa Branca, e o papa eu a ele uma cópia de sua exortação apostólica “Evangelii Gaudium” (A Alegria do Evangelho). O presidente disse: “Provavelmente eu vou ler este texto no Salão Oval quando me sentir profundamente frustrado, e tenho certeza de que ele irá me fortalecer e me acalmar”.
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Encontro entre Obama e Francisco segue padrão do Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU