22 Abril 2017
“Comunidades negligenciadas não produzem padres, e padres negligenciados não produzem comunidade.”
A opinião é do historiador italiano Alberto Melloni, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, em Bolonha. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 21-04-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os percentuais são sempre escorregadios: sintetizam uma grande massa de números, mas, muitas vezes, escondem também partes corpulentas da realidade. Especialmente quando se aplicam à frequência à missa dominical. Em números, dizem que uma Itália em que o consenso com o Papa Francisco cresce sem freios vê a prática dominical ainda em queda.
O que, certamente, é “verdade”, lendo as tabelas do instituto ISTAT. Contanto que, porém, recorde-se que, em todo o caso, no fim das contas, o velho e cansado clero italiano leva à missa, nos feriados religiosos, o dobro do que a CGIL [Confederação Geral Italiana do Trabalho] levou às ruas em defesa do artigo 18, 25 vezes por semana o meeting do Comunhão e Libertação, três primárias e meia do Partido Democrático todos os domingos que Deus manda à terra.
Esse clero – todos veem isto – hoje não é numericamente suficiente para fornecer o cuidado a um tecido comunitário desenhado pelos séculos. Mas, em vez de se perguntar sobre como alimentar as comunidades territoriais, a Igreja Católica se faz de surda há décadas. Os bispos dividem os poucos padres entre as comunidades, como se fossem fatias de um bolo; e tratam as comunidades como consumidores, e os padres, como doces a serem consumido às pressas. O jargão chama de “unidades” pastorais (a palavra unidade mereceria um pouco mais de respeito) esses agregados de comunidades: cuja única reação é a desafeição do povo e o lento escorregar de fiéis “anorexizados” para fora da órbita da prática, com graves riscos para eles e para o clero “anorexiante”.
Tudo isso, por mais paradoxal que possa parecer, é abafado, senão favorecido, justamente pelo carisma missionário e evangélico do Papa Francisco. No domingo, por exemplo, o papa dedica o Ângelus ou o Regina Coeli de meio-dia ao evangelho do dia: e oferece a todos uma leitura cujo calor apostólico vem da transparente autenticidade da sua vida interior. Um bem insubstituível para quem teve que suportar as pregações insípidas de quem sobe ao púlpito para exibir seus próprios estudos, ou a próprio pertencimento, ou o próprio vácuo interior. Aumentado pela disponibilidade cotidiana de homilias e gestos.
O resultado é que comunidades negligenciadas não produzem padres, e padres negligenciados não produzem comunidade. Acabando por acreditar que a ala marchante da Igreja é dada por movimentos ou estilos que têm notável familiaridade com a mídia, notáveis instintos de visibilidade e notáveis capacidades de gerir politicamente hordas eleitorais vendidas caro sobre várias mesas.
Assim, chega-se à greve de um pároco (1) que parece não ter entendido que celebrar a Eucaristia não é um serviço ao público, mas sim uma espera pela graça da qual se beneficiam aqueles que não vão assim como aqueles que vão.
A saída, todo mundo conhece: e requer uma inversão de prioridade. Partir da necessidade da Eucaristia e de uma vida comunitária, sem a qual a vida cristã se torna um “faça-você-mesmo” do individualismo religioso, valioso estrume para a semeadura fundamentalista em curso dentro do cristianismo e ocultada entre nós pela pessoa de Francisco. A partir dessa inversão ministério-comunidade, decorre o reconhecimento de que toda a tradição sabe que o dom de manter viva uma comunidade e de dar à vida comum um ritmo eucarístico não é pecúlio dos homens vocacionados ao celibato.
Os bispos saberiam o que fazer: mas esperam um sinal do papa. O papa cutuca os bispos, mas espera. Enquanto isso, os cartazes nos contam uma paisagem desoladora, na qual se destaca a autoironia do santo pároco que deixou no mural da igreja um cartaz assim: “A missa aqui é sempre no terceiro domingo do mês. Para os funerais, avisar com antecedência”.
1.- O autor do artigo refere-se a um pároco em Veneza, Itália, que afixou o seguinte cartaz na porta fechada da Igreja: "A missa foi suspensa por falta de fieis. Padre Mario está disponível se for chamado". A informação é publicada por La Repubblica, 17-04-2017. (Nota da IHU On-Line)
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Igrejas vazias: sinal que a hierarquia não quer ver. Artigo de Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU