13 Outubro 2016
"Quem reza obtém paz, confiança, esperança. Mas a oração ensina que o ser humano é algo mais: sede de justiça e liberdade na profecia, e parentesco do próprio eu íntimo com o infinito na mística."
A opinião é do teólogo italiano Vito Mancuso, professor da Universidade de Pádua, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 12-10-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Você rezava?" "Sim, rezava para Santo Antônio, porque ele faz com que reencontremos os objetos perdido." "Só por isso?" "Também pelos seus mortos e por mim." "É suficiente", disse o padre. Assim Montale recorda, em "Satura", a esposa falecida, mas aquilo que, para o poeta, é o minimalismo da oração, na realidade, é a sua causa primeira: a necessidade e os afetos.
Quem mostra isso à perfeição é o livro de Friedrich Heiler, o estudo mais amplo realizado até agora em nível mundial sobre a oração, publicado em Munique em 1918, mas ainda insuperável em termos de documentação e de vigor especulativo, e hoje finalmente disponível para o leitor italiano: La preghiera. Studio di storia e psicologia delle religioni [A oração. Estudo de história e psicologia das religiões], editado por Martino Doni, Ed. Morcelliana, 912 páginas muito densas.
É bastante curioso que, nos mesmos dias, chega nas livrarias outro grande texto de 1918 sobre o mesmo tema: La filosofia del culto [A filosofia do culto], de Pavel Florensky, editado por Natalino Valentini, Ed. San Paolo, 600 páginas, primeira tradução mundial fora da Rússia.
Matemático, filósofo, teólogo, historiador da arte, sacerdote, chamado de "o Leonardo da Vinci russo" por causa da genialidade poliédrica, Florensky seria bastante incômodo para o ateísmo comunista que equiparava religião e ignorância e, por isso, seria deportado para o gulag das Ilhas Solovki e eliminado no dia 8 de dezembro de 1937, em um daqueles crimes de massa chamados de "expurgos stalinistas".
Sobre a oração, Heiler e Florensky apresentam ideias muito diferentes. Com uma abordagem fenomenológica, o estudioso alemão ilustra a sua universalidade através de uma avalanche de documentação a partir das orações dos primitivos, das quais mostra a origem principalmente a partir de situações de doença, fome, perigo e de sentimentos como medo, angústia, ansiedade. Como mostram a etimologia (oração [preghiera] vem do verbo latino precor, infinitivo "precário", daí precariedade) e a linguagem cotidiana ("Ti prego!" [Eu te peço!]), no início há sempre uma necessidade. A necessidade satisfeita gera o agradecimento e o louvor; a não satisfeita, o lamento e a súplica, até verdadeiras técnicas de persuasão, dentre as quais Heiler menciona os insultos que, às vezes, são dirigido a São Januário, aproximados por ele a fenômenos semelhantes entre os alemães. E conclui: "Em nenhum outro lugar é tão forte e evidente a irracionalidade da religião ou, melhor, da vida em geral".
De fato, o ponto é este: a irracionalidade da oração segue a irracionalidade da vida. Heiler também descreve a oração com o corpo: com as mãos unidas, com as mãos levantadas, inclinando-se, prostrando-se, de joelhos, agachado, descobrindo ou cobrindo a cabeça, de acordo com a religião e o sexo, com ou sem sapatos. E ilustra como se reza ao mais alto dos céus, mas também na presença da natureza: do topo de uma montanha, de uma fonte, de uma árvore imponente, do vento e do fogo, da chuva e dos relâmpagos, do poder do sol e da doçura da lua: por toda a parte, os seres humanos perceberam e reverenciaram o mistério.
Sobre as civilizações clássicas, Heiler escreve: "Quase a todas as ações, do berço ao túmulo, os gregos faziam corresponder uma divindade específica"; e quanto aos romanos: "Cada obra individual do trabalho agrícola está sob o patrocínio de uma divindade específica".
Ele apresenta algumas das orações mais belas (incluindo o "Hino ao sol", do faraó Akhenaton, o hino assírio a Shamash, o hino homérico a Gaia, dois esplêndidos hinos incas, os Salmos de Israel) e analisa a oração dos grandes gênios religiosos como Buda, Jeremias, Amós, Jesus, Paulo, Agostinho, Maomé, Francisco de Assis, Catarina de Sena, Lutero, Teresa de Ávila. Ele não ignora a oração de artistas, incluindo Goethe e Beethoven, e de filósofos como Pascal, Voltaire, Rousseau. E reporta esta frase de Kierkegaard: "O senso religioso é algo tão secreto que, se alguém nos pegasse rezando, poderíamos corar como uma menininha".
De acordo com Heiler, a oração, quer aconteça na privacidade do próprio quarto, chamado desejava Jesus, ou na natureza, como preferia Rousseau, com uma entonação mística ou profética, nasce da solidão e conduz à solidão.
Florensky é de opinião contrária. A sua filosofia do culto defende que a forma mais alta de oração não é a íntima e solitária dos místicos, mas é a oração institucional da comunidade, a liturgia feita de fórmulas e gestos prefixados, incensamentos, acendimento de lâmpadas e de velas, cantos, adoração da cruz, beijos dos ícones. É na liturgia que se percebe melhor "a presença de realidades misteriosas ao lado de nós e diante de nós, de seres, eventos e forças misteriosas; o que não pode deixar de ser terrível, mas é bom que o seja".
Para Florensky, o culto não produz um destacamento da vida real, mas, pelo contrário, é o seu mais autêntico aprofundamento: "A cultura, como fica claro a partir da etimologia, é um derivado do culto, ou seja, um ordenamento do mundo de acordo com as categorias do culto". Por isso, segundo Florensky, as civilizações dotadas de um culto também têm uma cultura compartilhada e são coesas, enquanto o Ocidente secularizado se encaminha para a ausência de uma cultura compartilhada. Florensky escreve, às vezes, de modo duro e radical, mas reagia assim à destruição que acontecia diante dos seus olhos: "Eu gostaria de dar a estas reflexões o peso das pedras, gostaria que todas as palavras pesassem 10, 100, 1.000 vezes mais".
O culto público, que para Heiler é decadência da oração, para Florensky é o ápice. Heiler escreve: "Na origem, a oração é um contato íntimo e pessoal com Deus, mas, gradativamente, torna-se uma forma de culto rígida e impessoal". Em vez disso, Florensky escreve: "O culto é o ponto firme do universo para o qual e sobre o qual o universo existe".
Para Heiler, o ser humano se realiza no mistério na solidão; para Florensky, em vez disso, o culto litúrgico comunitário é "a atividade por excelência do ser humano, já que o ser humano é homo liturgicus". Para Heiler, a oração nasce do fundo das necessidades humanas; para Florensky, do lato da revelação divina e da tradição eclesial.
Heiler, de católico, se tornou protestante; para Florensky, ao contrário, "o protestantismo é, na sua essência, a negação da centralidade do culto e a substituição do centro da religião pelo pensamento".
As duas perspectivas convergem no essencial: isto é, no fato de que quem reza obtém paz, confiança, esperança. A grande maioria dos seres humanos reza (se rezar) como a esposa de Montale, para satisfazer as próprias necessidades. Mas a oração ensina que o ser humano é algo mais: sede de justiça e liberdade na profecia, e parentesco do próprio eu íntimo com o infinito na mística.
Certamente, é improvável que essa experiência faça com que se reencontrem objetos perdidos, mas talvez haja uma exceção: o próprio lugar no mundo. Por isso, aqueles que vivem a oração obtêm a paz do coração. Bebem, como lembra Florensky, "a água da cura e da paz".
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Diga-me como rezas, e eu te direi quem és. Artigo de Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU