04 Outubro 2016
O plebiscito sobre o acordo de paz entre o governo colombiano e as FARC-EP teve um resultado inesperado e apertado para os dois lados no último domingo (2). Mas, para o lado perdedor, do “Sim”, ele foi também positivo. Em um país onde a extrema direita desfacelou um partido inteiro de esquerda - caso da “União Patriótica”, na década de 80 - obter seis milhões de votos em um acordo que coloca a insurgência em um patamar de grupo político, já é um avanço no sentido do diálogo. A rejeição às FARC-EP ainda é grande, mas agora a oposição fala em prisão e impedimento da vida política, e não mais em assassinatos.
A reportagem é de Mariana Ghirello, publicada por Brasil de Fato e Revista Opera, 03-10-2016.
Foi uma votação bastante tranquila se comparada com outras eleições na Colômbia. Exceto pelas fortes chuvas na região do Caribe colombiano, por conta da passagem de um furacão, e um enfrentamento entre a Frente Primeira das FARC-EP (que rejeitou o acordo) e o exército em Guaviare, tudo transcorreu sem entraves para a população. Mais de 13 milhões de colombianos fizeram presença nas urnas, mas isso representa apenas 37,43% das pessoas habilitadas para votar no país. Com uma diferença de 50 mil votos, ganhou o “Não”.
Sempre houve a possibilidade do “Não” ganhar, mas ninguém estava exatamente preparado para este momento. Em menos de duas horas depois do fechamento do horário de votação já se conhecia o resultado. E o clima de incerteza tomou o país por alguns minutos, com muita gente se perguntando se a guerra voltaria imediatamente, talvez ainda pior.
O chefe máximo das FARC-EP, Timelón Jiménez, foi o primeiro a se posicionar publicamente dizendo que manteria o caminho rumo à paz. A mensagem criticava o “ódio” e o “rancor” dos votos vencedores, mas reafirmava a vontade do grupo de fazer política e deixar as armas. “O povo colombiano que sonha com a paz, conte conosco”, disse.
Em seguida, foi a vez do presidente colombiano Juan Manuel Santos fazer seu pronunciamento. De forma bastante curta, disse que respeitava os votos pelo “Não” e que voltaria a negociar, mas, desta vez, com a participação da oposição.
Além disso, disse que o cessar fogo bilateral seguiria em vigor. Falou ainda que os negociadores do comissionado para a paz voltariam a Havana (Cuba) para manter os líderes das FARC-EP informados sobre as negociações com os opositores.
Conforme prometido, Santos convocou uma reunião com todos os partidos para esta segunda-feira, às 10h30 da manhã. Mas Álvaro Uribe já disse que não participará, sob o argumento de que esse “não é o momento”, conforme informa o jornal El Tiempo.
Como líder da oposição, o ex-presidente Álvaro Uribe demorou um pouco mais para se posicionar publicamente depois do resultado. Ele estava reunido com congressistas em sua fazenda no estado de Antioquia, principal reduto “uribista” da Colômbia. Eles estavam preparando o documento em que apresentariam os pontos com os quais não estavam de acordo e que pretendem renegociar.
Uribe apresentou pontos que deseja negociar já levantados durante a campanha do “Não”. Primeiro, rejeita o direito às cadeiras no Congresso Nacional colombiano destinadas aos integrantes das FARC-EP. A oposição também é contrária à justiça transicional de construção da verdade sem prisão, e ainda a inclusão dos acordos na Constituição do país. Mas Uribe também voltou a afirmar que o desejo de alcançar a paz também faz parte de quem votou pelo “Não” e que os integrantes das FARC-EP devem ser protegidos.
Juan Manuel Santos e Timoleón Jiménez haviam sido nomeados como candidatos ao Nobel da Paz por conta da assinatura de um acordo que colocaria fim a um conflito que dura mais de 50 anos, mas com o resultado do plebiscito essa possibilidade não existe mais. E a economia acompanha o clima de incerteza, com o dólar subindo 2% hoje, sendo cotado em 2.940 pesos colombianos.
Outro ponto a ser observado para o andamento das negociações de paz é a governabilidade do presidente Juan Manuel Santos. Segundo o historiador Daniel Garcia-Peña, o resultado do plebiscito traz um grande problema para os próximos anos de governo. “A governabilidade foi fortemente golpeada. A baixa aprovação do presidente somada ao resultado do plebiscito em um sistema parlamentarista faz com que entremos em uma etapa de incerteza”, disse.
Para o especialista, que também integrou uma comissão de negociação para a paz no anos 90, o resultado das urnas deixou evidente a rejeição às FARC-EP. Ele lembrou ainda que a Reforma Tributária encampada pelo presidente não deve sair do papel. “É difícil pensar que Santos vai conseguir, e os efeitos da crise vão seguir provocando efeitos negativos”, lamenta.
Garcia-Peña compara o momento colombiano ao vivido com o Brexit pelo Reino Unido. “A oposição também não sabe exatamente o que pretende com essa vitória. Já ouvi uma congressista dizendo que Santos deveria renunciar, ou seja, não existe claridade com o que se pretende daqui pra frente”, analisou.
O cenário é mais pessimista quando se trata dos pontos abordados pela oposição. “É possível que as FARC-EP não queiram negociar porque são pontos que permitiram que o diálogo continuasse, e não me parecem negociáveis porque vão contra o próprio processo de paz que estava tramitando”, finaliza.
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Negociações pela paz na Colômbia continuam, mas clima de incerteza já afeta economia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU